Vermelho




Sempre gostara de ir ao Centro do Rio. Sempre achara mágico, único, aquele aglomerado de gente. Adorava aquela confusão organizada. Passos apressados, gente em todas as direções. Tinha um hábito estranho de se encostar na parede de um daqueles espigões só para ficar observando aquelas pessoas fascinantes – homens e mulheres vestidos elegantemente, misturados às pessoas simples de uniformes ou não.

Mas não eram somente as pessoas que as fascinavam. Os prédios modernos engolindo os escassos prédios antigos, estátuas nas praças, adornos de séculos passados, ignorados pelas pessoas sem tempo daquele lugar, também, lhe deixavam com a sensação de estar num ambiente ímpar.

Fazia questão de chegar ao Centro de ônibus. Sentada do lado da janela, observava as portas envidraçadas dos prédios, as bancas de jornal, alguns poucos camelôs. Nunca entendera porque sempre existiam pessoas paradas olhando aquelas bugigangas.

Jamais deixara de visitar as poucas galerias de arte.

Um pulinho no Museu histórico na Praça quinze era de praxe.

Lembrava dos tempos de Universidade que junto com alguns amigos penetravam em inaugurações de exposições, somente para filar o vinho branco e aqueles canapés sempre iguais.Sentia-se importante assinando o livro de visitantes. Mas foi com as travessuras daquela época que aprendera a amar as artes.
Já no término de sua observação, depara-se com uma exposição de quadros numa pequena galeria. Não se contém, entra para saber de quem são aqueles quadros de cores tão fortes. Já na porta o livro de presença – assina-o sem mais aquele sentimento juvenil. Começa a caminhar lentamente entre aquelas telas tão vigorosas. Para numa pintura, em que o azul é a cor predominante. Percebe que as variações de azuis predominam naquela série de quadros. Absorta em seus pensamentos, através daquelas telas vivas, quando percebe no final da galeria uma tela desgarrada das outras - uma tela onde o vermelho predomina . Guiada pelo intenso colorido vai até a peça e fica paralisada, olhando-a sem entender porque tanto fascínio.

De repente um susto. Sai de seu transe, ouvindo, próxima a sua nuca, uma voz grave e macia:

- Combina com seus lábios.

Ela se vira e vê um rosto que não lhe é estranho. O homem sorrir e, aquele sorriso, também lhe é familiar. Zonza, sem saber o que dizer, olha para aquela figura elegante a sua frente e com um leve sorriso no rosto tenta se afastar vagarosamente. Quando já estava pronta para desaparecer daquela cena patética, ouve mais uma vez aquela voz dizer-lhe seu nome:

- Márcia!

Ela se vira e pergunta espantada:

- Como?

E a partir daí dá-se o começa um longo dialogo.

- Sou eu, Márcia, O Renato!

- Renato...

Sim, o Renato da faculdade, lembra?

- Renato! Nato! Natinho!

- Sim! Como você está?

- Eu estou bem... você está ótimo!

E naquele momento, naquela galeria, de frente para aquele quadro de vermelho intenso, recomeça uma amizade que mais tarde, não muito mais tarde, o quadro e o dono – o Renato -, vão morar com ela numa linda casa na Serra. E todas as vezes que lhe perguntam sobre aquele quadro na parede de sua sala, ela responde:

Este quadro foi pintado pelo Renato, quando ele foi fazer estágio no nordeste. Depois nunca mais nos vimos. O nome da tela é paixão.

Mas o que ela não sabe é que o quadro foi feito por ele no momento que descobrira que a amava e que o verdadeiro nome do quadro é Márcia.

Duvidas? Quando você for visitá-los, olhe atrás da tela, bem próximo à moldura do lado inferior, o nome dela pintado de vermelho.

Paulo Francisco

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