A Rival

Ela ficou nervosa quando surgiu um novo nome, um novo rosto. Como descobrir sua real intenção? Não podia deixar transparecer o que sentia – não tinha coragem de se declarar. Mas não deixaria que ele atravessasse seu caminho. Então usa de uma artimanha que há muito tempo não usava – mostra-se interessada. Assim saberia, de fato, o que existe por detrás de tudo aquilo.

Assim ela o fez. Mostrou-se inclinada a uma possível aproximação.

Aliviada com a resposta obtida, pode continuar amando o seu segredo e pensa: ela será minha e demais ninguém.

Nenhum homem conseguiu aproximar-se de verdade da outra.

Paulo Francisco

Promessa


Não sei até aonde chegaremos. Quero abraços apertados e desejos cumpridos num ritual. Beijos escancarados em corpos fechados ao natural. Sem promessas e nem juras eternas. Quero o instante. Estamos urgentes em nós dois. Não sei se chegaremos ao fim. Mas quero o começo de todo este encanto. O resto fica pra depois. O que eu quero é poder regar o amor. Descobrir o pavor e poder gritar. Raia de emoção, olho do furacão. Turbilhão em se dar. Não sei se chegaremos ao fim. Mas o começo é necessário. Tá no meu inventário: um dia vou te amar.


Paulo Francisco

Pano de fundo

... o cenário se fez:  a claridade deu passagem à penumbra  leitosa que invadiu o sobrado. Da sacada, pensativo, viu-se preso à vertigem de um olhar saudoso.
O cenário se fez: deitou-se na rede e embalou os seus desejos. Adormeceu e sonhou.
Sonho de lembranças
Sonho de esperanças
Sonho de possibilidades
Acordou e não acreditou. Esperou mais uma vez a lua e com ela embalou seus desejos até adormecer.
Mais uma vez o cenário se fez... Inutilmente.


Paulo Francisco

Passagem

Ela o olhou e sorriu. O seu olhar de pedra se desmanchou em areia - não pode deixar de sorrir também. Era final de tarde e os raios solares cortinavam as suas faces. Mais uma vez ela sorriu; mais uma vez ele se desmanchou. Ela seguiu em frente. Ele continuou a sorrir parado no tempo. Tempo sem cor. E a tarde se foi junto com os raios...

Paulo Francisco

Mudança




A insistência melódica obrigou-a a se deslocar de sua confortável poltrona e desligar de vez aquele aparelho ensurdecedor. Abriu a porta e partiu. Já numa outra poltrona contempla a lua num silêncio absoluto.

Paulo Francisco

Conspiração

O céu anilado anunciava dança de estrelas. A temperatura amena anunciava corpos aquecidos. Era uma noite de namorados. Tudo conspirava a favor se não fosse o relógio – ela estava atrasada.
Ela perderia a dança das estrelas por estar atrasada. Seu corpo não seria aquecido por estar atrasada. Ela não teria mais o namorado por estar atrasada. Por uma fração de tempo ela não iria mais ao seu encontro.
Não houve beijos; não houve abraços, não houve...
O céu anilado foi presenteado por brumas prateadas, não houve dança de estrelas. A temperatura cai bruscamente, não houve corpos aquecidos. Seria uma noite de namorados, tudo conspirava para ser, se não fosse o relógio – Ela estava atrasada, não chegou a tempo de vê-lo partir.


Paulo Francisco


O Fim




Eu te amei. Este é o tempo do verbo. Quando esta frase foi dita, senti o meu corpo tremer, retive as lágrimas, apertei as mãos em meus joelhos, balancei meu corpo num vai e vem frenético e invisível. Não acreditei. Eu te amei. Esta frase é a certeza de tudo. Não há ódio, resquício de um amor pendente. Não há frustrações. Simplesmente não há mais amor. Ele se foi. Acabou. O som daquela frase registrou que um dia existiu amor, mas que toda dedicação foi em vão, não foi o suficiente. Não foi dito: Eu não te amo mais; não quero mais amar você. Foi dito, em alto e bom som: eu te amei. Esta frase soa como derrota, como se alguém naquela sala, tivesse perdido a chance de amar e ser amado. Que aquele sentimento acontecera em mão única – e aconteceu. Dizer que amou é declarar que você está livre, que está limpo de um sentimento para com o outro. E, que pode seguir seu caminho em busca de outro amor. Quando esta frase foi dita, os cristais se quebraram; as luzes se apagaram e, os olhos, de quem as ouviu, embaçaram. Os olhos, de quem falou, embaçaram. Levantei e dirigi-me para a porta e, antes de abri-la, tornei a repetir: Eu te amei...



 Paulo Francisco

Medusa





Eu não estava olhando somente uma fotografia, eu estava olhando uma árvore que não existe mais; uma casa que não existe mais; um céu que não existe mais, uma paisagem que não mais existe em minha vida. Eu estava olhando para uma fotografia histórica! Nela, estava registrado um momento meu. Um momento em que tive de aprender, aos trancos, a arte da paciência; a arte de conviver a cada segundo. Não estava olhando somente uma fotografia amarelada, estava olhando um pergaminho valioso que me indicava o caminho da liberdade; o caminho da luz. Eu guardo a fotografia como o mais valioso dos documentos. Ela registra a minha primeira derrota épica. Ali não tem uma mulher somente; ali tem um ser mitológico que quase me transformou em pedra.

Paulo Francisco

A equilibrista







E ela vinha se equilibrando pelo risco do rejunte do piso. Era tão real o seu equilíbrio – ela fazia de tudo para não cair, pra não perder o foco, pra não sair da linha. A menininha, toda de rosa, concentrava-se ao máximo à tal tarefa. Tentei fazer o mesmo, imitando-a, mas logo percebi que não tinha tanta habilidade. Já não sabia andar na linha daquele jeito tão certinho, como o da menininha vestida para o balé.

Perder a linha. Quantas vezes perdemos a linha por tão pouco.

O mais inacreditável é o quanto podemos nos equilibrar numa linha invisível, respirar fundo, contar até dez e, acabamos nos deixando, por um milésimo de segundo, pela emoção e saímos da linha. Descarrilamos. Ficamos como um trem desgovernado e só paramos quando percebemos que não tem mais como prosseguir - empacamos.

Aí descobrimos que se tivéssemos continuado desde criança a nos equilibrar por uma linha invisível, talvez nunca nos encontrássemos no chão.


Paulo Francisco

Perdida





A Menina, sempre teve seus desejos realizados. Seus pais não mediam esforços para satisfazê-la. Seu quarto não comportava mais nenhum desejo. Hoje, crescida, dorme sozinha num quarto vazio. Não tem ninguém para realizar os seus caprichos.


Paulo Francisco

Paternal





Eu não sabia o que fazer com aquelas palavras. Fiquei em choque. Nenhuma reação. Olhos cerrados e mente confusa. Esbocei uma reação, mas meu corpo impediu-me. Então, só me restou continuar ouvindo e colecionando as duras palavras. Cada palavra um murro; uma seta certeira em meu coração. Como ele me conhecia. Soube atingir-me no fundo de minha alma.
Perverso – pensei.
Cruel – tornei a pensar.
Levantei e segui em frente. Hoje penso que foi melhor assim.
Por quê?
Bem.... deixa pra lá!
Não vou entrar em detalhes.
Tenho certeza que ele sabe que meu amor por ele é o maior do mundo.
Isto me basta.

Paulo Francisco

Fase negra



Totalmente perdida, a Lua, quase nua, passeia de mão em mão. Abandonada e ferida mostra uma falsa alegria, procurando um recomeço.
Um dia prateada, outro dia dourada, e mesmo assim, continua a procurar.
Inveja as estrelas, que brilham mesmo depois de mortas. E, ela viva, redonda e cheia mingua de desgosto.
Totalmente perdida e abandonada continua passeando de mão em mão...
Quem sabe, coitada! Em uma dessas paradas, ela encontra a mão de um verdadeiro amor.



Paulo Francisco

Ninho vazio




Eram mais que pérolas; mais que ouro. Brilhavam mais que diamantes. Raramente tirava do pescoço aquele colar feito de conchinhas coletadas na areia da praia pelo seu único amor – seu filho. Filho que agora partiu egoisticamente.
Era mais que água; mais que mar – era o oceano que levara seu filho para longe.
Ela, sentada olhando para o nada, pensa:

¨Aquela filha da puta tinha que morar no Japão!?¨

Paulo Francisco



Abandono


A doação foi tanta, que perdeu seu nome; perdeu a memória e se perdeu do mundo.
Agora, perambula por aqui e por aí, dizendo que está morta e que seu nome é desilusão.

Paulo Francisco

A desenhista




Sempre gostou de desenhar. Ela desenhou uma nuvem e ganhou um doce; desenhou uma noite enluarada e ganhou um cão. Mais tarde, desenhou uma casa e ganhou uma boneca. Já mocinha, desenhou um coração e ganhou um amor, Suspirosa, desenhou uma aliança e ganhou uma família.
Subitamente, parou de desenhar - ficou com medo de desenhar o próprio caixão. Vai comemorar, no próximo mês, seus oitenta anos.
Fez bem em parar de desenhar.
Sabe-se lá!


Paulo Francisco

Catalepsia



Perdeu todas as cores. Acordou sem sangue, ele estava pálido, morto-vivo. Seu quarto, antes colorido, encontrava-se invadido por uma claridade que o impedia de identificar qualquer coisa. Tudo era estranho; tudo estava muito estranho. Cego, pela intensidade daquela luz leitosa, permanecera congelado – não movia um músculo – por segundos eternos.
Ao fundo, em algum lugar, cantos gregorianos chegavam como complemento de sua angustia. O som cada vez mais forte e mais melancólico, deixava-o cada vez mais perdido naquela imensidão branca. Sem saber o que fazer, tentou gritar e, para seu desespero, não saía nenhum som de sua garganta. Tentou levantar, mas sua cabeça pesava toneladas, igual a suas pernas e braços – ele não se movia, estava paralisado diante do nada.
Sem argumentos; sem perspectivas; sem o cheiro das flores; sem o olhar amigo, ele fecha os olhos e, em lençóis encarnados, viaja para o desconhecido.
O seu silêncio era branco.


Paulo Francisco

Sobressalto


Quando criança não sabia repartir. Cresceu e continuou não sabendo. Individualista, não soube compartilhar o amor. Não soube ser amiga; não soube ser filha; não soube ser mulher. Agora está num dilema – vai ser mãe.


Paulo Francisco

Atitude



Ela sempre o esperava linda e perfumada, na esperança de um convite surpresa dele . Depois de certo tempo, mesmo decepcionada com a atitude do companheiro, ela continuou linda e perfumada, mas quem espera, agora, todas as noites, é ele.

Paulo Francisco

No meio do caminho


Subindo as escadas ele para e olha para cima e, depois, olha para o chão e num inclinar de ombro, olha para trás. Percebe, então, que já caminhou a metade. Respira... e segue em frente.

Paulo Francisco

Segurança



Quando menina, tinha o hábito de escrever com lápis coloridos, em cadernos pequenos, o seu dia a dia. Hoje, amadurecida, continua com o mesmo hábito. Mas, agora, escreve, somente, em cadernos maiores e a tinta.

Paulo Francisco

Segredo


Vasculhando as gavetas de seu armário, ela encontra enrolado num lenço masculino, um isqueiro dourado. Segredo guardado por tanto tempo que acabara esquecido no fundo de um passado, misturado entre outras peças obsoletas.

Paulo Francisco

Bonecas













A menina exclama:
-Veja mãe! uma boneca! A mãe responde:
-Uma não, duas!
E na vitrine uma olha o reflexo da outra.


Paulo Francisco

Sozinho



De sua janela pôde perceber que havia gente caminhando naquela noite chuvosa. Admirado com tamanha disposição, falou baixinho: ¨E eu aqui na escuridão¨. Abotoou o pijama, apagou a vela e foi para a cama.

Paulo Francisco

Testemunha ocular



Pagodeiro e Professor ou vice-versa. O melhor naquela Instituição. O melhor da Confraria da cerveja. Viver intensamente era prioridade. Moleque, divertido, piadista - uma muralha contra o mau-humor. Até o dia em que vacilou - perdeu a mulher amada.
Ainda assim, continuou sendo o melhor: no desespero; na melancolia... Sorte dele que também tinha o melhor amigo.


Paulo Francisco
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Eterno luto


Ela era pesada. O negro era sua segunda pele. Raramente sorria. Nunca conseguia fazer um elogio espontâneo. No trabalho, o seu cargo de chefia criou a ilusão de que era deusa. Nos finais de semanam trancava-se dentro do apartamento. Adorava assistir a filmes classe B de suspense - maneira torta de se divertir.
Envelheceu, sem um amigo, no máximo conhecidos. Nunca deixou de trabalhar – já fazia parte do mobiliário da empresa.
Semana passada, faleceu. Os poucos colegas do trabalho e, alguns parentes, compareceram ao velório.
O surpreendente foi que todos estavam com roupas floridas ou com um colorido extravagante – maneira silenciosa de festejar a sua partida.

Paulo Francisco

A píntora

Pintora amadora. Sempre gostara de pintar paisagens - natureza morta. Nunca feições humanas. Espantou-se, quando resolveu fazer o seu auto-retrato. Quantos traços, quantas camadas de tinta sobrepostas na tela. Esqueceu-se de olhar no espelho. Não acompanhou o surgimento de cada traço em sua face. Exclamou:
-Estou velha!.


Paulo Francisco

Elétrica

Frenética. Desconfia-se de que seja hiperativa. São raros os momentos de reflexão Um exemplo de energia humana. Se para, pensa, se pensa, desmorona. Agito – uma boa camuflagem para fugir da realidade.

Paulo Francisco

Engano

Todas as vezes que se encontravam percebiam que cometeram um erro. Mas a volta seria, certamente, um erro maior.
Só restou a eles o arrependimento.

Paulo Francisco

The end

Os seus pensamentos ultrapassavam a barreira da amizade. Havia amor e desejos. Mas também havia medo. Então, o melhor era retrair-se e velar um amor platônico.
Ela viveu todas as fases de uma relação: namorou, noivou, casou, foi traída e por último ficou viúva... e sozinha.



Paulo Francisco

Agonia

As paredes continuavam brancas. E o sangue interno vazava, lentamente, pelos seus poros, desenhando na pele caminhos tortuosos. A epiderme se manchava. A alma resistente persistia em ficar. Mas o que era interno se exteriorizava e se esvaziava. O corpo encarnado tornava-se imóvel, afogado em si.
E as paredes continuam brancas.
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Paulo Francisco
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Fatalidade

Os olhos se fecharam. Um último suspiro e pronto: lá estava um corpo estendido de braços abertos, pernas abertas, peito descoberto, boca aberta e um ruído medonho, não deixando ninguém em paz.
Madrugada infernal.

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Ele não para de roncar!




Paulo Francisco

Percepção




A menina estava brincando no jardim de casa, quando percebe uma abelha pousada no miolo da margarida branca. Ela ficou ali, parada, observando o inseto tomando banho de pólen.
Depois de certo tempo, a abelha se foi.
Quando sua mãe chega em casa e a encontra coberta de flocos amarelos retirados das almofadas da sala, pergunta:”Por quê? Por que minha filha?”
A menininha responde com uma outra pergunta: “Você não gostaria de ser uma abelha, mamãe?”
E as duas cobertas de flocos amarelos sorriem rolando no chão da sala.



Paulo Francisco

Fuga




O jeito quase de menina, desperta nele o desejo de tê-la. O carinho que tem um pelo outro é tão grande que o medo de se machucarem é enorme. Eles sabem que há amor; que há ternura. Eles sabem que são mais que amigos e, cada qual com sua intensidade de gostar, se desejam, se querem. O recuo de um é o desespero do outro. A investida de um é o medo do outro. Assim, só ficou o que eles mais prezam - a amizade salpicada de desejos.


Paulo Francisco

O brincalhão

O pobre coitado foi obrigado a inventar a sua própria morte para se livrar da mulher– chata. Estava escrito em seu obituário: Entregue minhas cinzas ao meu único amor. A mulher tem em sua sala uma linda urna com cinzas de um churrasco maravilhoso que ele oferecera aos amigos antes de desaparecer.


Paulo Francisco

Flagra







Ela cerra os olhos e ele os esbugalha. A certeza e a vergonha se encontram.

Paulo Francisco

O curioso



O moleque era tão curioso que foi capaz de levantar a saia da mulher, só para vê se era verdade que a negra - louca - usava sete saias. Acabou correndo com as mãos no nariz.

Paulo Francisco

O pecado

Em passos furtivos, caminhava em direção ao proibido. Guiada pela luz da lua ia ao encontro do seu desejo.
Trêmula, respiração presa, não podia ser flagrada por quem deixara em seu quarto.
Duas da manhã. Seu coração batia mais forte que o relógio de madeira na parede da sala. Lá estava ele à sua espera - moreno e timidamente coberto por um tecido fino e delicado. Ela, em desespero, esbarrara e deixara cair uma peça metálica ao chão. Não pôde evitar o barulho da peça no assoalho frio. Silêncio – ele não acordara. Respirou aliviada e foi ao encontro daquele que a esperava.
Seus lábios molhados, seus olhos brilhantes denunciavam o quanto o desejava – era o seu pecado. E quando suas mãos agitadas, mesmo no escuro, conseguiram alcançá-lo, quando ela pensou que ele seria todinho dela, um clarão surgiu naquele ambiente de meia luz e um grito de reprovação ecoou por toda parte:
- Míriammmmmmmm!!!!!!!!
A pobre mulher, ao virar deparou-se com seu marido assustado à porta.
Sem poder fugir de seu delito, não esboçou nenhuma reação que possa confundi-lo. Cabisbaixa e envergonhada, devolveu a travessa de bolo de chocolate a mesa e com os olhos fixos no chão viu seus pesados e gordos pés voltarem para cama, enquanto o seu desejo permaneceu no mesmo lugar à espera de ser devorado no café da manhã.


Paulo Francisco


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O retrato



Ao remexer em coisas guardadas há tanto tempo no fundo do armário, descobre uma fotografia, que sem querer, remeteu-lhe ao passado não muito distante; fitando a imagem, chora, chora pelo amor partido, pelo amor esquecido, chora pela derrota.
Depois de tanto chorar, guarda a fotografia e volta a esquecê-la no fundo do armário.


Paulo Francisco

Coragem



Ela não consegue deixá-lo, há uma ligação forte entre eles. A amizade é imprescindível naquela relação disfarçada. O que ele sente é escancarado, mas o que ela sente é secreto.
Ele quer sussurrar em sua orelha o seu amor; ela quer secretamente responder: Eu também.
Então, o que falta?
Coragem..

Paulo Francisco

Opostos




Ele com suas musicas, ela com seus livros.Ele com seus filmes, ela com suas novelas. Ele carne, ela massa  Ele azul, ela preto. Ele boa noite, ela bom dia. Mas o que aconteceria se não fossem assim?. Não haveria estabilidade. Não haveria equilíbrio. Não haveria...Encaixe.



Paulo Francisco

Riscos


Escreve a palavra saudade e, aos poucos, cobre o nome com riscos fortes e paralelos. Em seguida surge um outro nome e, no mesmo ritual, riscos fortes os transformam num grande borrão azul.
Mas o que adianta? A certeza de sua existência do outro lado da escuridão é inevitável. Então, volta escrever o nome de quem quer esquecer e numa linha ininterrupta, o contorna e, ao chegar no final do tracejar, descobre que o inevitável não é a certeza de sua existência e sim do amor que ainda sente. 


 Paulo Francisco

Bobagem

Ele estava tranquilo em casa, ouvindo suas músicas antigas, tomando uma taça de vinho, quando o telefone toca e, preguiçosamente, sai do macio tapete, para atendê-lo. Do outro lado, escuta uma voz que tempos atrás o deixaria excitado, somente com aquele alô. Mas hoje, era para ele, uma voz comum, entre várias outras que escutara todos os dias.
Ao término da conversa, quase formal, ele volta para seu confortável tapete branco. Uma voz macia e doce, quase angelical, pergunta: ¨Quem era? O que queria?¨ Ele responde baixinho: ¨ Ninguém.... bobagem.¨

Paulo Francisco

Pra sempre

Aquele amor que um dia fora prometido pra toda vida, durou o tempo de amar. Foi intensamente belo, imensamente eterno. O amor jurado cumpriu com o seu destino. Carlos e Maria se foram, partiram felizes com seus corpos curvados, com suas mãos manchadas e com suas faces vincadas. Aquele amor que um dia foi pra toda vida, durou o tempo de amar. Foi belamente intenso, eternamente imenso. Carlos foi primeiro, Maria, logo em seguida. Aquele amor,prometido pra toda vida, durou até a eternidade.

Paulo Francisco

Um dia de Índio



Resolvi ir ao parque antes do entardecer. Era necessário. Estava agitado. Precisava ficar olhando o nada; descarregar meu corpo, jogar pra fora o que estava preso em meu peito; preencher os espaços vazios em minha cabeça, com imagens fora do meu cotidiano.  Era importante que eu fizesse tal passeio pra ter certeza de que ainda fazia parte dela.
Tem dia que a gente acorda e não se encontra. É como se acordássemos com ressaca do mundo. Acordei assim: tonto de mim mesmo. Quando estou desalinhado, um tanto quanto perdido, procuro o equilíbrio em lugares naturalmente harmoniosos. E aqui, em minha Cidade, o Parque Nacional é um desses lugares, onde a gente se encontra e afasta de dentro do peito os fantasmas interrogativos.
Eu não tenho a areia da praia pra andar. Caminho sujando os meus pés em gramas verdes e alheias. Disputo, sem pudor, as gramíneas com seus donos naturais: as aranhas, os grilos, as formigas e outros seres estranhos.
Permaneci ali, olhando a cachoeira, pássaros despreocupados, insetos diversos e algumas pessoas incrivelmente tranquilas conversando baixinho pra não assustar a mata.
Depois de algum tempo, deitado naquele tapete verde, sentei-me numa pedra e ali fiquei por algum tempo - quase em transe, olhando pra Cidade lá embaixo, lá longe, muito longe do alcance de minhas mãos, mas muito perto de meu coração angustiado e acelerado, que aos poucos, foi voltando ao seu batimento normal. Diástole e sístole em busca do compasso perfeito.
Deixei na cachoeira toda aquela sensação de negatividade existente. Lavei os meus pés em água corrente. Molhei minha cabeça na água que escorria por uma fenda rochosa. Sequei-me ao vento. Tornei-me parte integrante daquela floresta. De quando em quando, é importante repetir o que nos faz bem. Ir ao Parque Nacional é sempre revitalizante pra mim. Hematopoieticamente falando.
Foi bom o tempo que durou. Sai de meu habitat emprestado, quando a tarde recebia a noite. Voltei com as asas emprestadas dos pássaros, voei e flutuei até ao meu nicho – minha casa.
Ainda com a natureza impregnada nos poros, andei nu pela casa, sem me importar com portas e janelas abertas. Dei boa noite ao tempo e vigiei a lua da varanda da minha casa. Gosto desta sensação de liberdade.
É muito bom fazer o que queremos, sem a interrupção do tempo. O meu tique-taque é o ranger macio do vai-e-vem de minha rede.
O telefone toca e me desperta para a realidade nua e crua.  Era ela querendo discutir sobre problemas pequenos. Pequenos para mim. Talvez, pra ela, não fossem tão pequenos assim.
Enquanto falava, lembrava-me do Parque e como foi boa a minha tarde verde, numa viagem de cumplicidade entre mim e a mata.
Sabia que algo de estranho estava pra acontecer. Sorte ter voltado de bem com a vida. Já não estava mais tonto de mim mesmo. Estava era embriagado de clorofila; estava leve como as cortinas da janela de meu quarto, que, com o vento, bailavam como bailarinas clássicas.
Uma pena que lá embaixo, onde ela mora, andar na praia à noite é correr o risco de ser assaltada. Então, deixei-a descarregar tudo o que pensava. A lua estava linda e a brisa refrescante.Sua raiva não iria me atingir, não mesmo, estava protegido contra maus-humores alheios. Fui blindado pela brisa da mata.
Enquanto ela gritava, eu contava estrelas; enquanto ela esperava uma resposta questionadora, eu simplesmente, concordava com as suas teorias e seus protestos. A noite estava bela. Discutir pra quê? A noite só estava começando. Ainda tinha que namorar a lua.
Não conseguindo me irritar, bateu o telefone na minha cara. É quase certo que ela venha aqui pra casa discutir comigo ¨face to face¨ , é típico de sua personalidade.
Amanhã, eu faço um novo percurso. O Parque é logo ali. Quem sabe não sobe a serra e mais calma, rola comigo na relva. Seria bom. Minha natureza agradeceria.


Paulo Francisco