Um dia qualquer



Levantei como eu gosto. Não tinha nada previsto. Nada agendado. Estava para o que der e vier. Manhã de sol. Muito sol. Mochila nas costas e caminhei para o meu parque preferido. Subi a trilha e lá de cima avistei minha cidade. Abri os braços e gritei. Gritei como um louco; gritei como um menino; gritei para o infinito o nome dela; fiz declarações de amor que foram levadas ao vento e espalhadas entre nuvens. E a cada grito meu, as árvores tremiam de emoção. E a cada vento soprado, seu nome era carregado para o céu.

Adoro estes dias ensolarados. Gosto de ler ao ar livre, deitado na grama embaixo de uma árvore centenária. Não tem leitura melhor.

Ali permaneci, por algumas horas. Volta e outra tirava meus olhos das letras e corria com eles numa visão panorâmica. Nada daquilo me era estranho. Crianças soltas, mães despreocupadas, nativos e estrangeiros num mesmo nicho - Sem divisão, sem território. Cabelos encaracolados, lisos, encarapinhados, loiros, negros; todas as cores de pele num mesmo abraço, num mesmo sorriso.

Gosto da mistura. Gosto dos sotaques misturados, transformando o som da voz numa sinfonia em ondulações variadas.

Saí do parque e caminhei até a feirinha de artesãos da cidade. Lá, tráfego de gente, vozes se misturam num barulho abafado e sem significado. Vozes desencontradas, frenéticas e sem uma frequência modular.

Saí sem comprar nada. Entrei para olhar; para sentir; para espiar e ser espiado. Gosto de observar gente.

Continuei com o meu dia improvisado. Continuei caminhando. Parei em frente à escola que fez parte de minha pré-adolescência. Olhei por uns instantes aquela arquitetura dos anos setenta projetado pelo Oscar Niemayer. Uma escola doada ao Município pelo Adolpho Bloch e localizada nada mais, nada menos que numa praça projetada por Burle Marx. Sorri. Sorri por lembrar minha ingenuidade em achar que o mundo era sempre de sol. Ali eu fui um moleque feliz.

Outras paradas necessárias.

Passei pelo teatro e comprei dois ingressos para a peça em cartaz. Conferi o que estava passando nos cinemas – nada me agradou. Parei diante de uma loja, gostei mais não comprei o sapato azul.

Parei no bar do João. Bebi cerveja; jogamos conversa fora e prossegui a minha caminhada itinerante.

Já em casa, uma ducha, um café, um som, um colchão.

O telefone tocou. Era um amigo convidando-me para sair. Eu disse: hoje não.

Mais tarde a campainha toca. Desço e no meio da escada volto para apanhar os bilhetes que comprara.

Adoro estes dias improvisados.



Paulo Francisco

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