Dimensões





Acordei e percebi que estava só. O céu estava azul, as montanhas continuavam com os seus tons esverdeados e todas as casas, ao redor da minha, permaneciam como antes – com vida.

Acordei com a sensação de que não estava em mim. Era como se eu ainda estivesse sonhando, num flutuar confuso, entre a realidade e o sonho.

Algo estava fora de ordem, da minha ordem. Não sabia ao certo o que era, mas existia outra dimensão em mim. Seria a tal quarta dimensão? Não sabia... Angustiava-me por estar no desconhecido.

Acordei e percebi que estava perdido na minha própria história. Faltava-me algo, os meus olhos não enxergavam como antes; os meus braços não tinham mais a força de uma alavanca como ontem; as minhas pernas reclamavam de dores nos joelhos, já não conseguia ajoelhar-me com tanta firmeza; já não me lembrava com tanta lucidez do que acontecera no passado. Definitivamente acordei estranho. Existia uma camada grossa e pesada de pele que me obrigava a caminhar em passos lentos e arrastados. Bloqueei-me.

Procurei inutilmente em mim, algo que pudesse dizer-me que não era eu naquele corpo. Era um corpo roto, amassado, áspero. Era um corpo cinza e pesado.

Acordei e percebi que estava só. Nada saíra do lugar, somente o meu corpo antigo não estava mais em mim. Sumira.

Assustado, descobri que os dias se passaram, as semanas se passaram, os meses se passaram, as décadas se passaram e eu não tinha acompanhado o tempo, continuava parado, plantado, solitário, verdadeiramente isolado do universo-viver.

Minha casa já não tinha mais janelas, a porta não abria e o teto era baixo, era tão baixo que me obrigava a rastejar como se eu estivesse num caminhar tubular.

Não ouvia o barulho dos meus pés no assoalho de madeira. Não havia som. Tentei gritar, mas não me ouvia - estava mudo e surdo.Desintegrava-me como se meu corpo tivesse sido feito de camadas de argila jogadas por mãos pesadas e sem o menor jeito para moldar um corpo.



Antes da total desintegração, tentei gritar e o meu grito soou por toda casa e o seu eco acordou-me. Não estava mais surdo e mudo.




Acordei molhado, meu lençol estava molhado, minha cama estava encharcada e quando percebi, estava sendo engolido por uma água salobra – tudo flutuava naquele quarto hermético e aquático – estava num aquário.


A cada movimento que fazia a água subia mais um pouco. Já estava chegando ao teto, já não conseguia respirar com tanta facilidade, precisava mergulhar naquele caldo grosso e salobro. Precisava sair dali.

Mergulhei e acordei. Acordei deitado em pétalas de flores brancas. Tinha mergulhado numa caixa transparente lotada de pétalas brancas, tentei sair e meus braços estavam presos cruzados em meu peito, minhas pernas estavam esticadas e juntas, não me movia e meus olhos entreabertos enxergavam parcialmente caras tristes que fixavam em mim.

Eu era observado por olhos curiosos e chorosos. Tentei levantar inutilmente, não conseguia impulsionar meu corpo pra frente. Percebi que precisava balançar aquele caixa pra que ela pudesse cair e eu sair daquele colchão de flores.  Fiz um esforço imenso até conseguir derrubar a caixa.

Derrubei e acordei.

Paulo Francisco

4 comentários:

  1. Amigo Paulo, amei ler, suspense, foi de prender a atenção, ainda bem que não passou de um sonho, ou quem sabe um sonho bem arquitetado para nos mostrar a maravilha que é criar?!
    Criativo texto/poema, com todas as nuances para nos encantar!
    Abraços e desejo-lhe um lindo Natal!

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  2. Ufa, ainda bem que não tinha morrido mesmo né? Nessas horas acordar é a melhor saída rsrsrsrs.
    Adorei sua prosa descritiva.Tens dando mais dimensões aos seus textos!
    bjkas doces

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  3. Nossa!! Que pesadelo!
    Foram várias tentativas para acordar Mas conseguiu.
    Que susto!! Vai dando uma ânsia só de ler.Este texto não é lindo é assustador!Mas muito bem escrito.
    Boa noite.

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  4. E quando acordamos...que alívio!!!

    Que você tenha um Natal de muita paz e harmonia junto aos seus!
    Felicidades!!!

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