- Cadê você?!
Às vezes sinto-me perdido. Um tanto quanto incompleto. O vazio se instala sem nenhum tipo de aviso e fica com um pedaço grande de mim. E a culpa dorme um sono profundo, como se quisesse ser resgatada e levada pra bem longe de tudo.
Era uma sensação esquisita. Um sentimento do outro mundo. Não sabia se as outras pessoas também tinham aquele sentimento oco. Acordava triste, como se o dia fosse sempre cinza. Era uma coisa difícil de relatar. Mas do mesmo jeito que chegava, desaparecia. Logo estava fazendo alguma estripulia no bairro. Éramos moleques, primordialmente, felizes. Nenhuma sensação estranha iria nos abater.
Mas, de quando em vez, o sentimento voltava e ficava permeando o peito.
- O que você tem menino?!
- Nada!
- Então por que está encolhido atrás da poltrona? Aposto que andou fazendo arte por aí.
- Não fiz nada... Só estou aqui pensando.
- Tá bom. Está pensando na morte da bezerra.
Sim, eu ficava alheio a tudo. Deitava atrás da poltrona pra ficar pensando no nada. Era uma necessidade íntima de ficar sozinho - longe de todos. Não era mais um comportamento ruim ficar ali, tendo um tempo só pra mim. Depois descobri que todos têm um espaço preferido na sua própria casa. Um cantinho em que possa ler com tranquilidade, fazer uma atividade manual, ou até mesmo para assistir a algo na televisão.
Cresci com a esquisitice de nomear o meu território na minha própria casa. Deve ser algo que trazemos no DNA desde o tempo das cavernas. Vai saber!
A época mais estranha foi na adolescência quando escolhi uma enorme cajazeira que ficava no terreno do vizinho como meu refugio. Subia no mais alto dos galhos e lá ficava por horas. Às vezes lendo, às vezes sonhando. Longe da terra e mais perto do céu.
- Cadê você?!
Hoje passei o dia com a sensação de estar fora do ar. Não estava triste; não estava com nenhum novo problema para ser resolvido. Simplesmente acordei ressacado como se tivesse bebido. Olhei o topo da mais alta árvore da rua, olhei atrás das poltronas e sofás da casa e nada. Deitei na rede da varanda da minha casa e olhando para o céu cinza e denso cobrindo a montanha, procurei por mim e não me encontrei. Há dias assim: procuramos e não encontramos. Mesmo quando o que procuramos está à frente dos nossos espelhos.
Paulo Francisco
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