Despedida


Foi daqui, da minha varanda, que escrevi  a maioria dos meus textos.  Embalado pela rede, vislumbrava o contorno das montanhas em noites frias com seus céus carbonados. E de dia, buscava as aves de rapinas e os bandos de maritacas curiosas e assanhadas que de quando em vez enfeitavam o meu telhado.  Em dias transparentes ou em dias nublados ou com promessa de lágrimas, balançava-me na rede na esperança de poder voar. E voava. Viajava em nuvens psicodélicas que coloriam a minha alma e cobriam a minha pele.

Foi daqui, da varanda da minha casa que sorri, chorei, praguejei, perdoei. Fiz incansáveis juras  de amor. Escrevi alguns dos poucos poemas e li centenas de livros.

Ah! Era daqui, da minha varanda, que ouvia canções de amor tingido de cabernet soauvignon  e recitava para as estrelas trechos de poemas de meus Poetas preferidos:  ¨Eu quero à doce luz dos vespertinos pálidos/ Lançar-me, apaixonado, entre as sombras das matas/ _ Berços feitos de flor e de carvalhos cálidos/ Onde a Poesia dorme, aos cantos das cascatas... ¨  SALVE, SALVE!  EUCLIDES DA CUNHA!

Era dessa varanda que eu ficava à espera de sua chegada. E quantas foram as vezes que acabei dormindo sozinho porque você não veio;  se por motivos reais ou por motivos fúteis – agora já não importa mais. Deixo de ser passional e volto a ser semente em busca de terra fértil para poder germinar.  Saio do meu vaso de barro e expando-me  em outras áreas.

Hoje, despeço-me enrolando a rede, fechando a porta, e quase sussurrando no lóbulo de sua orelha um provisório adeus. Sim, um provisório adeus, um adeus de até logo, de até já, e não um adeus de nunca mais.  Ainda vivo à esperança de ser útil, mesmo da certeza da inutilidade de meus textos. Por isso há esperança na alma de um dia, na clareza do céu, as marolas se tornarem ondas que arrebentam na rocha permitindo um estrondo com o som de amar.

Hoje, faz-se necessária a despedida. Uma despedida sem lágrimas, sem tristeza. Pois... se não mais em minha varanda, certamente estarei noutro lugar. Ainda converso com as estrelas, namoro a lua e me rendo ao sol. Ainda conjugo os verbos amar e apaixonar e tantos outros que formam meus sentimentos.

Vou andar por aí, acompanhando o vento. Vou andar sem medo por aí, abraçando o tempo. Vou andar por aí, desenhando novas rotas. Vou andar por aí sem medo de bruxas e diabos.  Vou andar por aí, levitando em brumas coloridas e descansando em novos velhos cais.

Hoje, eu deixo aqui como despedida um poema antigo que fiz sentado em minha varanda:

Da varanda da minha casa

Da varanda da minha casa, vejo o céu em movimento, montanhas em verde pleno, barulhinho de passarinhos, vento em redemoinho e a criançada a brincar.

Da varanda da minha casa, recebo o sol matutino, a brisa com carinho e a lua a me vigiar.

Da varanda da minha casa, ouço canções de amor, leio os meus autores preferidos, tomo uma taça de vinho, sorvo os meus delírios e vivo as quatro estações.

Da varanda da minha casa, despeço-me do verão e recebo de braços abertos a minha estação outonal.

Da varanda da minha casa, recarrego a minha alma e aqueço o meu corpo com os sóis invernais.

Da varanda da minha casa, vejo tudo florescer, são flores primaveris que aromatizam os meus sonhos, colorem minha vida  a cada amanhecer.

Da varanda da minha casa, escrevo os meus poemas, resolvo os meus dilemas, vivo prazeres e alguns desprazeres.

Da varanda da minha casa, intrujo as indiretas, perpassam os fantasmas, rouquejo pequenos versos guardados no coração.

Da varanda da minha casa, vejo o belo, vejo o tosco, imponentes concretos, armaduras de ferro, singelas choupanas e seus jardins eternos.

Da varanda da minha casa, vejo tua varanda, vejo-te debelando o inimigo com sorrisos e gritos.

Da varanda da minha casa, desenxovalho, desfibro o anoitecer.

Da varanda da minha casa, clareio meus caminhos, espalho sorrisos e espanejo a solidão.

Da varanda da minha casa, versejo ao tempo, versejo ao infinito, sulco em neblinas pálidas e livro-me do obscurantismo.

Da varanda da minha casa, observo os coleópteros pesados e desengonçados virados ao chão, observo os  lepidópteros diurnos e noturnos  bailarem em coreografias ensaiadas, enquanto embalo-me à rede.

Da varanda de minha casa, vigio, de minha rede, os guabirus e suas intenções inglórias.

Da varanda da minha casa, varo a vastidão.


Paulo Francisco


6 comentários:

  1. Não gosto de despedidas, mas de te ler, sim! Tudo de bom em 2016! Felicidades! abração,chica e INTÉ!

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  2. Inté qualquer hora.
    Da minha varanda eu te observo desde sempre e sei que não é o fim, porque sabemos que o fim não existe.
    Quem sabe um dia você venha me contar sobre o que são os coleópteros e lepidópteros...Porque não vou buscar no google.
    Aliás a essa hora eu já devia estar no quarto sono. rs

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  3. Bom dia Paulo
    A única despedida que me traz alegria é sair da minha zona de conforto nesse ano que se finda para enfrentar com ousadia o novo ano que desperta como um raio de sol trazendo renovadas esperanças de dias mais felizes para que possamos registrar em nossa agenda mais um capítulo da nossa história. E que da sua varanda você nos presenteie com outros textos e poemas magistrais
    Este ano foi um grande ano! Foram momentos de alegrias constantes e tristezas passageiras. Gostaria de agradecer imensamente sua companhia, seu apoio, sua lembrança! Obrigado por me presentear com sua amizade e carinho! Desejo-lhe um feliz ano novo. Forte abraço! E um super beijo no seu coração

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  4. Uma bela despedida,com grande estilo.Você se despede de 2015, voltando em 2016 com seus lindos poemas,falando de amores e paixões.
    Feliz Ano Novo Paulo.
    Beijos.

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  5. Hora de voltar ,Paulo
    Vem abrir as janelas de onde avista essa varanda .
    Saudade, nostalgia .E um poema em prosa ,belissímo!
    Vou ficar pé aqui até que volte rsrs
    beijo

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  6. Pouco interagimos, mas muito eu viajei nas sua palavras e pensamentos. Eu até entendo que ás vezes a poesia se cale -, mas nunca ela adormece pra nunca mais voltar... Seria um mundo triste demais e a razão de sonharmos um mundo melhor, mais colorido perde a razão de ser quando um poeta cala a sua poesia e aposenta a caneta (hoje o teclado. Seja novamente a poesia entre nós, volte pra sua rede na sua varanda...

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