Esperança


Flower power. Acho que temos que começar a florir as nossas vidas novamente. Mas sem LSD, por favor! Hoje, psicotrópicos não combinam com a não-violência – estamos no século vinte e um. Que me perdoem os influenciados pelo poeta Allen Ginsber, mas se drogar não está com nada. Prefiro as sacadas floridas do Ziraldo, o poder das flores do Vandré e as rosas do Cartola.

Eu acredito no poder das flores.

Temos que florir e perfumar algumas cabeças que teimam em pensar somente no mal. Incensá-las com cheiro bom é mais que necessário, é vital. Chega de teorias de conspirações! Chega de transformar os mais ingênuos em massa de manobra para poderes escusos. Sejamos mais conscientes sem perder a alegria. Alegria que está no nosso DNA. A alegria só incomoda ao mal - amado. Quero mais textos e poesias de amor. Mas, por favor, sem a demagogia de uns e outros, que aparecem de bons moços, mas que na verdade não merecem o nosso respeito. Basta de violência aos mais frágeis. Que termine logo essa guerra de gênero. Um ípsilon não pode ser mais que um xis, ou vice versa.

Eu também acredito no poder das cores. Quando ela chegava com uma blusa colorida, estampada ou não, era sinal que estava tudo bem. Se abrisse um sorriso então, a noite foi boa e o nosso dia seria melhor ainda.  Agora, corra pra bem longe se o modelo apresentado fosse preto da cabeça aos pés. A bruxa estava solta e o melhor é não dizer nada. Contrariá-la era suicídio. O melhor era ficar em silêncio, na esperança de um amanhã mais colorido.

Flores e cores. Combinação perfeita para um dia bom. E que as cores de abril de Vinicius de Moraes estejam todos os dias e em todas as estações e principalmente em nossos corações.




A namorada

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Ela estava ali para ser admirada. Impossível não notá-la. Meus olhos brilhavam ao vê-la debruçada no muro de concreto. Sentia uma imensa vontade de contravir; de tirá-la de cima daquele muro frio e levá-la direto pra casa. Mas o que diria, quando me perguntassem onde a encontrei? Diria que infringi a norma da casa e a roubei do vizinho?  Não, não seria honesto com o vizinho e muito menos com quem me educava.  Então, passei a admirá-la mais de perto. Escalava o muro e a cheirava profundamente. Nunca uma rosa branca fora tão perfumada. O dono da casa e da rosa descobriu-me e acabou virando meu amigo. Contou-me a história da roseira – uma história mais linda que a flor.

Admiro aqueles que conseguem cultivar flores, que as tratam com carinho, doando seu tempo para mantê-las vivas e fortes. Uns dizem que é dom, outros dizem que é técnica. Prefiro dizer que são ambos misturados com amor. Acredito que sejam pessoas apaixonadas pela cor e pelo perfume delas, pessoas pacientes e sonhadoras. Não estou aqui enaltecendo os paisagistas – estes são profissionais. Estou me referindo aos domésticos que fazem o que fazem por hobby, os jardineiros amadores que fazem de um lugar monocromático um lugar perfumado e colorido. Um lugar todo deles.

De repente o terreno baldio ficou coberto por girassóis.  Sempre passava pela rua e reparava aquele lugar jogado, cheio de entulho e mato alto.  Mas alguém teve a delicadeza de limpá-lo e flori-lo com girassóis – os passarinhos agradeceram. O verão ficou mais florido.

Nunca fui bom em plantio. Não pela bobagem de ter ou não ter mão boa para isso. Mas pela falta de paciência, dedicação e técnica. Gosto do imediato, do agora. Não sei esperar.

Ela não estava ali somente para ser admirada. Meus olhos brilharam quando a vi pela primeira vez.  Senti uma imensa vontade de tê-la, de levá-la imediatamente comigo. Mas ela era mais que uma Rosa debruçada num muro de concreto. Levei-a comigo em meu coração. Desejo secretamente aflorado em arrepios e calafrios.  Não por muito tempo. Pois, depois de alguns encontros e desencontros, ficamos juntos fazendo história por uma estação.


Armadilha



Era laço pra enfeitar. Demorei a aprender  fazer o laço no cadarço do sapato. Nunca ficava perfeito.  Andava olhando pra baixo na esperança dele não desmanchar antes de chegar à escola. Certamente me atrasaria por ficar agachado tentando fazer o laço mal feito. Acredite se quiser, mas até hoje eu tenho dificuldade de fazer um laço que dure. Gosto da praticidade e da leveza dos mocassins – bela invenção indígena. Os mocassins não exigem de mim habilidades que não tenho. Sou desajeitado por natureza.  Deixo os laços para quem gosta de fazer arranjo.

Cadê as bolas coloridas que enfeitavam essa árvore? O natal daquele ano foi de laços de fita vermelha. Charmosa, moderna e feminina. Foi demais pra mim. Mas quando não se mora sozinho tem que saber que não se ultrapassa em faixa amarela contínua, principalmente de mão dupla. Nada de colisão por causa de um laço temporário.

Era laço pra brincar.  Os filmes mais concorridos nas salas de cinema eram os de faroeste norte-americanos e os famosos macarrônicos. Ficávamos imitando os caubóis tentando enlaçar um ao outro com pedaços de corda velha. Era divertido quando conseguíamos o feito. Difícil, mas divertido.

Está escrito: laço é nó corredio facilmente desatável com uma, duas ou mais alças. Adorava puxar os laços de cetim que enfeitavam os cabelos das meninas. Há quem faça o laço perfeito. Há quem consiga manter um laço por muito tempo. Têm laços que depois de atados nunca mais se desfazem – são raros, mas existem. Ficam desbotados, amarrotados, perdem o viço, mas continuam ali com suas alças e pontas. Mas também está escrito que laço é armadilha, rede para apanhar caça.  Para muitos é presente, para poucos é fortuna e para outros é prisão.

Quando olhei para os seus pés vi um laço brilhante enfeitando o seu sapato. Era laço pra enfeitar. Ou seria laço pra seduzir?  Sorri um sorriso maroto. Era laço pra enfeitiçar.





Calundu



Para Paula Barros


Era noite sem lua. Noite escura sem vaga-lumes para enfeitar. Meus olhos assustados de moleque arteiro procuravam os fantasmas das histórias contadas em tardes de chuva pela dramática e gorda vizinha que adorava nos amedrontar. Era o que tínhamos quando não podíamos brincar na rua por causa do temporal. Olhos maduros nos vigiavam para não cairmos na tentação.

Ainda procuro fantasmas e vaga-lumes em noites nubladas. Têm coisas que carregamos pra sempre. E tudo se transforma em sombra quando a noite é triste.  Hoje, em particular, meus olhos não enxergam o caminho de volta. O pretume que me acompanha empurra o meu corpo pra frente, impedindo o meu retorno ao ponto de partida. Não tenho outra escolha a não ser seguir em frente. Sigo. Simplesmente sigo. Não sei se é destino, se é fio de arame ou simplesmente terra batida.  Sei que sigo num caminho improvisado e estreito. Sigo sem saber ao certo aonde chegar. Chegarei? Ou caminharei até o corpo não mais aguentar?

As folhas enfeitavam as cabeças dos imaginários espantalhos que me seguiam de braços abertos como se fossem me pegar.  Fechava os olhos e seguia o caminho grudado na saia da minha mãe.  Ela era a luz que me guiava na floresta encantada de muitos bichos esquisitos que habitavam a minha mente de menino assustado. De olhos fechados eu só queria chegar logo. Sair do mundo encantado e ver pessoas de verdade e objetos reais. Sem o mapa nas mãos o pirata não chega a lugar nenhum. Ainda encontro espantalhos pelos caminhos que sigo.
Mesmo sabendo que não existem florestas encantadas, minhas mãos sempre procurarão a barra de uma saia pra segurar. Indo em direção ao desconhecido nunca é bom estar sozinho. Nunca se sabe o que vamos encontrar.

Hoje a noite não tem lua.


Apneia


Para Lis e Margoh



Ainda respiro. Se há oxigênio, há esperança. Mesmo que ele venha de um corpo alheio.  

Às vezes me encontro dentro de uma bolha translúcida iluminada por uma luz difusa que deixam cegos aqueles que estão do outro lado. Ninguém me vê. Eu os vejo. Posso com minhas garras rasgar a parede dessa bolha cheia de líquido? Dessa bolha que me transporta para além dos meus olhos? Certamente que sim. Mas quem disse que eu quero rompê-la? Ainda respiro. Há oxigênio suficiente para as minhas idas e vindas nesse mundo criado. Caminhos necessários a minha sobrevida.  Não sei se você me entende, entende? Esses nascimentos espontâneos, nascimentos quase que diários paridos sem dor, expelidos numa magnitude microcósmica, ar, oxigênio, bolha, luz divinal, viagens ao infinito.

Mas o mais importante de tudo isso é a respiração.  É o gás bom que gera vida na entrada e na saída no corpo dos seres vivos. Somos bichos. Pertencemos ao mesmo reino que a esponja do mar, aos sapos que hoje são tão raros, as temidas cobras e lagartixas, os belos pássaros e os mais ferozes dos felinos. Somos todos bichos que trocamos gases com outros seres verdes numa interação que só o homem não valoriza. Somos os mais ignorantes de um reino chamado animal.

É importante respirar. Mais importante ainda é ter fôlego pra aguentar essa coisa corrida que nos obriga agir no mesmo instante. Eu não quero agir por impulso. Não tenho mais a energia da juventude quando correr era preciso. Quero a tranquilidade dos passos curtos, de pés descalços numa areia fina e molhada pela espuma do mar. Refletir, agora, é mais que preciso. É capina nos emaranhados esquecidos.

Não sou e nunca fui essa parede de silêncio difícil de transpor que você vive me dizendo. A minha tagarelice fica na escrita confusa. As blasfêmias, eu as deixo nas metáforas permitidas.  Estou longe – quase inalcançável. Mas não pra tudo. A natureza me vê. Pois pertenço a ela da mesma forma que ela me pertence. Somos uno de forma assimétrica. Completamo-nos de forma livre. E é assim que tem que ser.

A invisibilidade me permite errar.