Resquícios







Fechava os meus olhos na esperança de alcançar. Não perdia a mania de achar que os meus pensamentos tinham superpoderes.  Achava que se desejasse com força e do fundo do meu coração alcançaria o que queria. Poucas foram as vezes que o desejo acabou em decepção.

Acho que essa mania de ¨superpoderes¨ veio das brincadeiras de criança. Lembro-me bem de uma técnica infalível de conseguir tirar boas notas nas provas bimestrais ou de pelo menos delas não serem tão baixas. Antes de deitar-me, sentava em minha cama e fazia em pensamento, a rotina do dia seguinte. Imaginava todo o meu itinerário indo e vindo do colégio.  Construía uma calmaria enfeitada de coisas boas e sorrisos. Como eu não era tão ruim como aluno, acabava acreditando que o meu pensamento era poderoso.

Depois, já quase adulto, fechava os olhos na esperança de voltar a ter aquele poder de alcançar. Ah, quantas vezes eu acreditei inutilmente que era capaz.  Cerrava os olhos tão forte que ao abri-los ficava zonzo e cego por alguns segundos. E quando tudo voltava à realidade, meus olhos marejavam em decepção e claridade.

Mais tarde, já não pensava em alcançar somente com os meus pensamentos infalíveis – agia com a razão que em mim foi construída as duras penas pelo tempo – ir à luta pra conquistar. Vida humana ainda de capa e máscara. Ninguém escapa de sonhar.

Resquícios são resquícios – ficam.

Permaneceu em mim a ingenuidade de achar que os meus pensamentos chegariam à lua, que as estrelas dançariam com a minha canção de amor. Cheguei a acreditar que ela me ligaria por nada, simplesmente porque estava pensando em amá-la naquele momento. O telefone continuou mudo até que eu tomasse a iniciativa – pura realidade adulta e amores infantis. Ninguém escapa da criança que um dia já foi.

Hoje, fechei os meus olhos na esperança de alcançar. Voltei no tempo e recriei um novo caminho.   Não sei se vou conseguir. Mas se não tento como sabê-lo?


Paulo Francisco


Esconderijo


Era a maior felicidade do mundo quando encontrava o que eu achava ter perdido.  Obviamente não o tinha perdido, simplesmente esquecia onde estava guardado. Foi assim a minha vida inteira. Entrava em desespero pelo menor descuido. Tornava-me um louco à procura do invisível.

A sensação da perda é indescritível. O desespero batia forte na alma. Mostrava-me desequilibrado e mais perdido que a minha própria perda momentânea.  Próprio de quem anda distraído.

Sentir-se perdido. Era desesperador quando a mão de quem me segurava e me guardava escapava de mim. Olhava ao redor e um vazio ocupava o meu peito pelo medo do desconhecido. Tudo ficava distante e ao mesmo tempo grande, monstruosamente grande.

Antes eu gritava e chorava até ser encontrado. O meu grito e o meu choro serviam de alerta. Eram sinais enviados ao mundo que eu estava literalmente perdido. Eu ainda choro. Mas somente quando estou só. Choro sozinho pra não ser achado. Choro e grito por um amor partido, por um amor perdido. Choro pelo abandono.

Hoje, eu encontrei algo que há muito estava esquecido. Fiquei surpreso por encontrá-lo num lugar tão obvio em minha vida. Foi a maior felicidade do mundo quando eu encontrei o que achava estar perdido pra sempre. Obviamente não o tinha perdido, simplesmente esqueci-me de onde o tinha guardado – em meu coração.



Paulo Francisco