Antes só...



- Que mala! Exclamei. Não pensei nesta altura do campeonato encontrar um mala por aqui. O camarada é chato – delira.

Estava parado no ponto, quando veio um cidadão perguntando onde ficava uma determinada rua. Calmamente, indiquei o caminho certo. Ele ouviu, olhou pra mim, fechou os olhos e desembestou a contar o seu problema. Fiquei estático, ouvindo aquela conversa que não me interessava nem um pouco. A angústia tomava-me todo e já sem paciência pensava: ¨ E a porra do ônibus que não chega!¨


Hum hum! Era o máximo que saía de minha boca.


Ufa! O ônibus chegou, quase entrei com ele ainda parando. ¨Livrei-me de um mala¨ – falei baixinho.


Não queria ir pra casa. Queria refletir, com a ajuda de uma cerveja, os meus problemas. Sentei num banquinho de madeira no Bar do João (o meu bar preferido). Pronto, um gole da gelada e a paz reinada na alma de quem lhe escreve.


Às vezes, tem dia que não dá. Adivinha? Um camarada do outro lado do balcão me mirou e já foi logo dizendo: ¨Meu amigo, você viu o jogo ontem?¨ Já fui falando mais que depressa: ¨Não!¨ E percebendo o que o etílico queria fui abrindo a mochila e pegando o primeiro livro: Além do bem e do mal de Nietzsche – abri em qualquer página e ¨comecei¨ a ler.


O camarada não se intimidou. Começou a falar de seu time que perdera, porque o juiz não dera um certo pênalti. Incrível, não olhei para o camarada, mas ele não queria o meu olhar, ele só precisava de meus ouvidos. Já estava decidido a parar por ali. Quando ouço: ¨ Oh! João, a saideira¨ O homem tomou a cachacinha mineira e partiu. Falei baixinho: vai, vai para a ...! O João caiu na gargalhada. Ele adora, só fica me olhando com um sorrisinho de canto


O bar estava calmo, entrava um pedia uma coisa e logo ia embora, guardei o Nietzsche e subi para colocar uma musica – cavaquinho seresteiro.


Música no ambiente, um papo com o dono do bar e tudo certo. Foram chegando um, dois, três, seis. dez. Bar cheio. Um falatório só, mas nada que perturbasse.


Eu ali, ouvindo as conversas: de futebol, de trabalho. Piadas e gargalhadas. Desce uma porção de dobradinha, desce uma porção de língua, desce uma bandeja de torresmos, bolinhos de bacalhau, caldinho de peixe e outras iguarias, para os olhos e estômago de quem pedia.


Eu na minha terceira cerveja. respondia a um, falava com outro.mas não me estendia.

Depois de certo tempo, o bar diminuiu de público, o silêncio se restaurou e quando pensei em pedir mais uma cerveja, quem eu vejo do outro lado da calçada chegando?: O baixinho, o Valmir e o Russo

Olhei para a cara do João e disse: a conta!


Têm dias que o melhor é não sair de casa, não ligar a TV e nem tampouco o PC.

Não é mesmo?

Paulo Francisco

Em cores





Visto-me de rosa na esperança de alegrar o frio. Acho engraçado como o preto e o cinza predominam nesta época do ano. Ao entrar na sala da Direção, não me contive e fui logo perguntando:
- Alguém morreu?
Todas as viúvas presentes soltaram suas gargalhadas estridentes. Exceto uma que exclamou baixinho:
- Palhaço!
Saí da sala rindo por dentro e com esperança de um futuro mais colorido.
Ando olhando para os lados e para cima à procura de flores e passarinhos.  Não tenho paciência, nem compaixão com quem apaga o colorido existente, mesmo que temporariamente.
Manhã sem passarinhos cantando e sem cheiro de flor é manhã sem cor em meu quintal.  Acordei com uma manhã pálida e fria; sem a claridade dourada provocada pelo sol. Estava tudo nublado – um mau-humor matinal. Tentei resolver a palidez diurna chamando-a para clarear a minha retina. E o dia se transformou em cores e risos.
Há aquelas que não percebem a mudança e continuam com a mortalha invernal.
Ela era monocromática. Segundo ela, o preto lhe caía bem. Aos meus olhos, era um disfarce inútil revelado ao se despir. Era mais bela e verdadeira nas cores renascidas pela lua que invadia o meu quarto.
O amor não faz dieta e muito menos é monocromático. O amor é um prato colorido, com sabores e aromas diversos. Ele alimenta o corpo e faz bem pra alma.
Visto-me de rosa para alegrar o inverno e ser, inevitavelmente, gozado pelos colegas do trabalho.
Respondo rindo as suas gozações com uma única palavra:
- Machistas!
Hoje, amanheceu cinza e pesado. Abri a gaveta e lá estava uma blusa novinha esperando para alegrar o meu dia.
Quando ela chegou foi logo me dizendo:
- Adoro vê-lo de rosa!
Pensei baixinho:
- Que bom não ter escolhido a azul.

Paulo Francisco