O Avesso da vida




Enquanto ela recortava as figurinhas AMAR É... eu devorava as crônicas da coluna de Léo Montenegro – o avesso da vida.  Era divertido, sacana, e por mais ficcionais ou surreais fossem aquelas histórias para muitos, mais eu ria com aquelas personagens de nomes esdrúxulos com histórias tão próximas do subúrbio carioca.

Tinha de tudo em suas crônicas. Era uma miscelânea fantástica de personagens divertidíssimas como a sogra, a mulata gostosa, o português, o malandro carioca, a dona de casa e um moleque qualquer. Ler as crônicas de Montenegro era tão bom quanto se lambuzar de manga à sombra de sua árvore no fundo do quintal. Era liberdade sem libertinagem, era sacana sem sacanagem. Foi por causa de suas crônicas diárias no jornal O Dia, que eu passei a ler jornal. E foi lendo jornal que descobri vários escritores.

Os nomes das personagens foi uma grande sacada – a história contada se transformava em ficção por mais verdadeira fosse.

Lembro-me que na sexta-série eu propus a Professora Regina que tivéssemos um caderno de redação. Ela concordou e adotou. Uma vez por semana, levava os nossos cadernos para corrigir e sempre ria com as minhas histórias e personagens esquisitos – adorava imitar o Léo, inventando nomes esquisitos para os meus personagens.

 A revista em quadrinhos também era uma paixão. Devorava todas que encontrava a minha frente. Quando chegava à página das histórias sem diálogos pegava o lápis e fazia a minha própria história dentro dos balões. Divertia-me com as onomatopeias mesmo sem saber o que fazia tinha esse nome.

Quem nunca brincou de forca? Pois é, lia bula de remédio só para achar nomes esquisitos – era muito bom enforcar os outros.

O Léo não foi o meu primeiro livro porque ele não escreveu nenhum. Mas lendo as suas crônicas acabei me interessando por outras leituras.

Qualquer hora dessas eu conto sobre as histórias das páginas amarelas de uma certa revista. Mas aí foi numa outra fase de minha vida.

Paulo Francisco

Perfume




Um dia desses acordei querendo um abraço apertado. Um abraço daqueles que gruda e enlaça a alma. Acordar enlaçado por quem te quer bem é presente de Eros.  A carência acompanhou o Sol. Passei o dia querendo um afago; um afago lento; daqueles sem tempo pra terminar. Quem não gosta de um dengo? De massagem no ego? De chamego na alma? Passei o dia querendo um cheiro no pescoço; de ouvir segredos roucos e molhados – daqueles que arrepiam o corpo e nos fazem levitar. Quem não gosta de momentos amorosos e descompromissados, desregrados, despudorados do começo ao fim?  Eu gosto.

Acordei com vontade de voar. Mas o chão era o meu limite. Tinha que trabalhar. Segui o dia na certeza da rotina diária. Mas quem disse que passaria despercebido? Até os verdadeiros miméticos são descobertos por olhos espertos.

Uma colega no trabalho:

- Vamos sair pra uma cerveja?

-Não posso. Tenho outro compromisso.

- É por isso que você veio todo arrumadinho?

Gargalhadas

- Claro que não... Essa é minha roupa de sempre...

- Barba feita, cabelo cortado...

- Que tal amanhã?

- Hummmm... Amanhã... Tudo bem!

- Combinado então!

Melhor ser amigável, ceder alguns caprichos, que criar um mal-estar. Passei a tarde sendo seguido pela indiscrição. Se até os peckhaminanos são descobertos por olhos curiosos, porque acharia que um velho e comum mamífero passaria batido por olhos rapineiros num solo descampado.

A senhora da limpeza:

- Seu Paulo, o senhor fica bem melhor sem a barba.

A moça da cozinha que vive reclamando da minha cara suja:

- Com a cara limpa é bem melhor.

Fiquei pensando no que estava acontecendo. Qual seria a minha bandeira.  Porque eu estava na berlinda.  O cabelo e a barba foram feitos ontem. E ontem ninguém comentou. 

Não estava alegre e nem triste. Estava como sempre estivera.  Com as roupas de sempre, com o mesmo perfume, com o mesmo deboche na cara.  O que saía de meus poros que fazia com que as pessoas me notassem?  O que os meus olhos estavam dizendo sem a minha autorização?  Estava eu demarcando meu território por vontades aflitas? Ou por um desejo coletivo acordamos todos com a mesma intensão? Fiquei incomodado com tantas observações. Afinal, eu sou o observador daquilo que me rodeia.  Geralmente sou a seta a procura do alvo.

Acordei com vontade e não com saudade. Saudade é lembrança guardada. Vontade é desejo a ser adquirido. Dizem que vontade é uma coisa que dá e passa. Mas vontade de amar é coisa que chega e fica. Impossível controlar. E quando a noite se revelou e a Lua iluminou o caminho, descobri que a vontade não era só minha. E no outro dia, acordei abraçando apertado, enlaçando a alma de quem queria ficar.

Hoje acordei com vontade de beijar na boca. Não... hoje acordei com saudade dos beijos seus.


Paulo Francisco