Armadilha



Era laço pra enfeitar. Demorei a aprender  fazer o laço no cadarço do sapato. Nunca ficava perfeito.  Andava olhando pra baixo na esperança dele não desmanchar antes de chegar à escola. Certamente me atrasaria por ficar agachado tentando fazer o laço mal feito. Acredite se quiser, mas até hoje eu tenho dificuldade de fazer um laço que dure. Gosto da praticidade e da leveza dos mocassins – bela invenção indígena. Os mocassins não exigem de mim habilidades que não tenho. Sou desajeitado por natureza.  Deixo os laços para quem gosta de fazer arranjo.

Cadê as bolas coloridas que enfeitavam essa árvore? O natal daquele ano foi de laços de fita vermelha. Charmosa, moderna e feminina. Foi demais pra mim. Mas quando não se mora sozinho tem que saber que não se ultrapassa em faixa amarela contínua, principalmente de mão dupla. Nada de colisão por causa de um laço temporário.

Era laço pra brincar.  Os filmes mais concorridos nas salas de cinema eram os de faroeste norte-americanos e os famosos macarrônicos. Ficávamos imitando os caubóis tentando enlaçar um ao outro com pedaços de corda velha. Era divertido quando conseguíamos o feito. Difícil, mas divertido.

Está escrito: laço é nó corredio facilmente desatável com uma, duas ou mais alças. Adorava puxar os laços de cetim que enfeitavam os cabelos das meninas. Há quem faça o laço perfeito. Há quem consiga manter um laço por muito tempo. Têm laços que depois de atados nunca mais se desfazem – são raros, mas existem. Ficam desbotados, amarrotados, perdem o viço, mas continuam ali com suas alças e pontas. Mas também está escrito que laço é armadilha, rede para apanhar caça.  Para muitos é presente, para poucos é fortuna e para outros é prisão.

Quando olhei para os seus pés vi um laço brilhante enfeitando o seu sapato. Era laço pra enfeitar. Ou seria laço pra seduzir?  Sorri um sorriso maroto. Era laço pra enfeitiçar.





Calundu



Para Paula Barros


Era noite sem lua. Noite escura sem vaga-lumes para enfeitar. Meus olhos assustados de moleque arteiro procuravam os fantasmas das histórias contadas em tardes de chuva pela dramática e gorda vizinha que adorava nos amedrontar. Era o que tínhamos quando não podíamos brincar na rua por causa do temporal. Olhos maduros nos vigiavam para não cairmos na tentação.

Ainda procuro fantasmas e vaga-lumes em noites nubladas. Têm coisas que carregamos pra sempre. E tudo se transforma em sombra quando a noite é triste.  Hoje, em particular, meus olhos não enxergam o caminho de volta. O pretume que me acompanha empurra o meu corpo pra frente, impedindo o meu retorno ao ponto de partida. Não tenho outra escolha a não ser seguir em frente. Sigo. Simplesmente sigo. Não sei se é destino, se é fio de arame ou simplesmente terra batida.  Sei que sigo num caminho improvisado e estreito. Sigo sem saber ao certo aonde chegar. Chegarei? Ou caminharei até o corpo não mais aguentar?

As folhas enfeitavam as cabeças dos imaginários espantalhos que me seguiam de braços abertos como se fossem me pegar.  Fechava os olhos e seguia o caminho grudado na saia da minha mãe.  Ela era a luz que me guiava na floresta encantada de muitos bichos esquisitos que habitavam a minha mente de menino assustado. De olhos fechados eu só queria chegar logo. Sair do mundo encantado e ver pessoas de verdade e objetos reais. Sem o mapa nas mãos o pirata não chega a lugar nenhum. Ainda encontro espantalhos pelos caminhos que sigo.
Mesmo sabendo que não existem florestas encantadas, minhas mãos sempre procurarão a barra de uma saia pra segurar. Indo em direção ao desconhecido nunca é bom estar sozinho. Nunca se sabe o que vamos encontrar.

Hoje a noite não tem lua.