Presença

 


Acordei como nunca acordara antes. Acordei com você grudada em minha cabeça. A boca, mesmo silenciosa, denunciava-me pelo cinismo exposto. Os olhos, intrometidos, brilhavam numa felicidade delatora. Coisa rara, raríssima, levantar-me leve, num flutuar quase astronáutico.

Lembra?! Quando ficávamos grudados, pernas entrelaçadas, numa conversa sem fim na penumbra do quarto? Ouvíamo-nos numa delicadeza quase fraterna. Quase. O desejo tatuava nossa pele antes do sumiço da lua. Era inevitável!

Gosto dessas lembranças adocicadas – açúcar seduzido pelo amaro do chocolate. Registro de que tudo ou quase tudo valeu a pena. Que ficou coisa boa, mesmo com a despedida turbulenta e sofrida. Foi necessária...eu sei. Talvez, tenhamos demorado para perceber que definhávamos a cada negação; que não estava tão bom como antes; que estávamos incomodados com a comodidade criada. Mas mesmo assim, eu agarrava a danada da esperança com garras de rapina. Sempre fui um sonhador. Meus sonhos jamais venceriam a tua realidade. Sonho apaga-se, dilui-se. Realidade constrói, defende.

As brochadas eram certas. A lua não aparecia mais inteira. A janela não era mais única. A visão não era a mesma. Havia um abismo no meio do caminho que engolia tudo que aparecia. A delicadeza estava perdendo força. O respeito estava ruindo. O sarcasmo estava apontando na esquina. No meu caminho ventava música. O seu... o seu era sólido, asfáltico, com placas indicadoras, com destino certo. O meu chão era forrado de esperança, o seu era firme, batido, reto.

Hoje, acordei como nunca acordei antes. Ao olhar para o outro lado da cama, percebi que ele não estava mais vazio. Que o fantasma que dormia comigo, desintegrou-se com a luz do dia.

A despedida fora inevitável. Hoje, eu sei...

Engraçado! Acordei com você grudada na minha cabeça.