Inconstante


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A lua cortada no céu, o vento batendo ligeiro na cara, o corpo num vai e vem ansioso, eram prenúncios de que algo estava para acontecer naquela noite embaçada. Quando surgiu ao longe com passos curtos e firmes não tive dúvidas - era o fim. Tentei argumentar; meus olhos apelaram, minhas mãos imploraram e o único som ecoado naquela noite foi um adeus lento e sussurrado. Tentei desesperadamente segurá-la pela cintura; queria que me ouvisse, que ponderasse o meu deslize, que acreditasse nas minhas juras de amor -  sempre verdadeiras. Mas num jogo rápido de corpo, desvencilhou-se como gata selvagem. Por poucos centímetros não ganhei cinco linhas paralelas no meio da cara. Dei um passo para trás... Meus olhos renderam-se mirando sua silhueta distanciando-se para nunca mais. É sempre assim: coração vagabundo sempre se perde em noites frias.

Sabíamos que só aconteceria naquele instante. Não teríamos outra chance se não fosse ali no meio do nada, na vastidão enfeitada por flores. Transformamo-nos em dois antropófagos famintos de amor. Devoramo-nos num ritual molhado e quente. Depois da letargia momentânea, seguimos, sorrindo, em direções opostas. Não tem jeito: coração vadio sempre segue seu caminho sem olhar para trás.

Estava guardado por tanto tempo que era certo não acontecer. Vontade não declarada é o mesmo que andar olhando para o nada – não se chega a lugar nenhum. Quando o jogo parecia estar perdido, que o tesão ficaria retido pra sempre, as peças se mexeram e o jogo virou. Para minha surpresa também havia fogueira do outro lado.  O segredo transformou-se em chuva numa tarde quente de primavera. Depois de tantas tardes molhadas, de confissões escancaradas, o adeus foi inevitável. O coração já sabia: Tudo que é bom, acaba logo.

A probabilidade de acontecer era alta, mas a malemolência mais forte. Não estava me fazendo de difícil, muito menos desdenhando de quem estava querendo. Entretanto, quando pensava em compromissos velados, horários a cumprir, disfarces à multidão e aturar certas atitudes, meu corpo arrepiava-se como o de um gato. Não havia tempo para perder com discussões. Não demorou muito me cobrir de silêncio. Coração calejado, não atura frescura.

Achando que já tinha passado por tudo, acabei abrindo a guarda e quase dancei. Impossível não notar todo aquele charme: boca linda, olhar sacana. Quem não gosta de um dengo gostoso?  Parecia conhecer-me pelo avesso – vantagem das experientes que sabem o querem. Apaixonei- me como um adolescente. Fiquei de quatro por muito tempo. Mas gato escaldado não gosta de chuva. Quando fui encostado na parede, a realidade veio à tona e a lua de mel terminou ali. Coração ferido, demora a sarar.

Esse coração de asas longas ainda não encontrou seu ninho. Vive  como  passarinho perdido em pleno ar.

- Perdido?!

Incompreensível


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O que fez para eu sentir tanta saudade assim? Às vezes me pego distraído, olhando para o teto à procura de seu rosto. Permaneço no escuro, mergulhado no silêncio, tentando ouvir o seu sorriso. Somos tão diferentes em tantas coisas... Enquanto se joga no seu querer, guardo o meu dentro da timidez. Talvez tenha medo de ter um ombro como o seu para acolher-me e depois, por qualquer motivo, encontrar-me no vazio. Não seria a primeira vez tamanha decepção. O sofredor sabe o que acorda sua dor.

Mas mesmo assim, ainda quero um amor maior que o dos poetas. Viver intensamente por mais que seja efêmero. Fazer o que se a carência transborda e torna-se rio? Navego em mim espalhando para longe a tormenta deixada por tantas. Quero sim, um amor grande, daqueles que só percebemos quando não dá mais para fugir. Asas podadas para um caminhar seguro.

A luz seria menos clara se não fosse você. Os meus olhos descansam em sonhos quando têm os seus como guia em noites sem lua. Sou e acho que sempre serei um menino equilibrando o seu corpo sobre muros velhos e craquelados. Ladrão de frutos alheios. Vapor dissipado para não ser encontrado. Ave volátil que migra à procura de novos ninhos. Confuso? Ambíguo? Contraditório? Talvez... Nunca me achei perfeito. O meu espelho deixou de ter aço há tempo. Prefiro olhar-me através de outras retinas – torno-me verdade e amor.

Hoje, aprisiono-me em pensamentos. Guardo o meu desejo na alma. Quem sabe um dia, tudo isso acabe e eu volte a flutuar? Que o fim esteja longe e eu encontre, nesse ínterim, outros caminhos para voar na direção do meu querer. Estou carente de ar; carente de amor; carente de você. Quero voltar a sonhar-te, mesmo que seja no calor do meio dia. E que a dor futura valha a pena depois da efemeridade do amor vivido.

Não quero permanecer tanto tempo no escuro, tenho medo de nunca mais enxergar.





Às quatro Marias



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Tem gente que entra e sai das nossas vidas sem fazer estrago. Com ela não foi diferente, aconteceu tudo tão de repente que não acreditamos estar, descaradamente, fazendo juras de amor. Ríamos daquela situação porque sabíamos que não ficaríamos juntos por muito tempo. Tínhamos os nossos planos e esses não nos incluíam. Enquanto juntos, deixamos a fita solta, nada de criar laços. E o vento que a trouxera num dia de sol, levou-a numa noite de lua e a fita que nos unira flutuou no mar levada pela brisa. Foi muito bom viajar em suas asas e conhecer outros caminhos. Ainda somos amigos.

Tem gente que entra em nossas vidas como furacão. Quando percebi, estava no meio da sala gritando a famosa frase: Meu Deus! O que foi que eu fiz para merecer isso? Também, o que esperar de dois seres descompensados discutindo a relação. Nunca foram calmos os nossos encontros e muito menos as despedidas. Não tínhamos a fita para fazer o laço. E da mesma forma que tinha chegado, partiu - como um furacão batendo a porta com toda sua fúria. Encolhi-me todo ao escutar o barulho.
- Ai! a porta era de vidro.

Tem gente que chega pra alegrar. Conhecemo-nos num hotel. E em pouco tempo ela estava na minha cidade, na minha casa, na minha cama e no meu coração. Éramos gargalhadas sem fim. Entre um gozo e outro, as risadas rebatiam nas paredes frisadas do quarto voltando aos nossos corpos nus. Divertíamo-nos com a sinceridade um do outro. Éramos amantes de nós mesmos. Deixávamos o pudor para os moralistas e ríamos as gargalhadas das sacanagens construídas. Éramos safados, despudorados, vadios e felizes. Não tinha tempo perdido. Não foi fácil a despedida. Mas continuamos amigos e haja o que houver estamos sempre rindo.

Tem gente que vem para ficar, há algumas que somente passam, outras que deixam marcas. Era vontade de querer pra sempre, de estar junto pra nunca mais largar. Reconhecíamo-nos pelo brilho do olhar. Olhar que penetrava até a alma. Visão amorosa emoldurada por gestos gentis. Como era bom estar perto, como era bom sabermo-nos. Ela me trouxe de volta o céu marinho, a lua cheia e a coragem de viver. Com ela tornei-me mais leve, mais centrado e menos vadio. Quando ela se foi, não me entristeci - entendi que fora preciso. Nunca mais a vi. Ela deixou saudade.

Hoje, não há nenhuma Maria na minha vida. Fico por aqui ouvindo músicas, lendo livros, escrevendo no ar um outro nome. Aqui no meu esconderijo, o tempo é o meu único amigo. Crio paisagens, desenho sorrisos e viajo de carona na cauda do vento. Nesse instante de silêncio coberto por estrelas, não tenho muito para dizer-te a não ser que:

-  O meu amor está ilhado no peito; está guardado na sombra do querer.