23 de agosto


ceu

À Lua

A lua está quase inteira.  Chamada nesta fase de quarto crescente.  A lua só não é poesia quando ouço alguém confundindo-a com um planeta ou estrela. Aí a poesia é guardada na cabeceira e um pouquinho de conhecimento não custa nada a ninguém.  Esclareço:

- A lua é o satélite natural da Terra.

Adoro quando alguns engolem a saliva e exclamam:

- É mesmo! Estudei isso na quinta série do colégio.

Eu não sei se a mãe está certa ou não. Mas ela só corta o cabelo na lua crescente ou cheia, nunca na minguante.  Coitados dos cabeleireiros se essa crendice fosse comprovada cientificamente.

Com relação às mares, a lua acaba recebendo erroneamente todos os créditos.   O sol tem uma boa parcela de ¨culpa¨ aos tais efeitos. A relação entre eles, ou seja, se em oposição ou conjunção teremos as marés. Mas isso é papo pra ser falado na sala de aula. Eu prefiro falar dela de outra maneira. Prefiro ouvi-la nas canções; senti-la nos poemas e vê-la em seus olhos ou simplesmente da minha janela. Quando eu nasci a lua estava em quarto minguante. Berrei para o mundo às quinze horas de um domingo quente e sem chuva. E nesse dia não teve macarrão com galinha - comida de domingo preferida quando menino.  A noite chegou num céu marinho mostrando um pedaço da lua e um montão de estrelas. No outro dia, o deus da chuva lavou a terra e os degraus para que minha mãe pudesse caminhar comigo em seus braços até a sua pequena casa.

Quando olho pra cima e vejo a lua flutuando no escuro, respiro fundo num desejo sem fim. Sempre acho que ela está lá no alto olhando, tomando conta de mim. E as vezes me sinto tão intimo seu, que começo a contar os meus segredos e desejos. Só a lua mesmo pra entender e ouvir um louco como eu.


Paulo Francisco


22 de agosto (Pressentimento)





Hoje, acordei e permaneci coberto de saudade. Não era uma saudade de tristeza. Mas também não era de alegria. Era uma sensação que de quando em vez bate e fica por um tempinho e depois se dispersa dentro do peito.  Mas hoje foi diferente, ela chegou e ficou por mais tempo em mim. Eu sempre digo que têm coisas que a gente não controla. A raiva a gente controla; a euforia a gente controla; mas a saudade é quase que impossível de se controlar.

Cecília escreveu:  De que são feitos os dias?/ De pequenos desejos/ Vagarosas saudades /Silenciosas lembranças. 

Pessoa escreveu: Eu amo tudo o que foi /Tudo o que já não é /A dor que já não me dói /A antiga e errônea fé /O ontem que a dor deixou /O que deixou alegria /Só porque foi e voou /E hoje é já outro dia.

Talvez eu tenha acordado com pequenos desejos porque hoje é um outro dia. Não sei. Não sei que sensação foi essa que acordou comigo e permaneceu por todo o meu dia.
Têm dias (e que são muitos) a saudade rasga a pele e crava a alma. É dor que acorrenta e escraviza. É dor que quer ficar.

Chico escreveu e cantou: Que saudade é o pior tormento/ É pior do que o esquecimento/ É pior do que se entrevar.

Eu sei que saudade é essa que fica guardada na penumbra do dia, que se esconde num suspiro disfarçado querendo escapar.  Eu sei que saudade é essa que o chão se desnivela querendo derrubar. Eu sei que saudade é essa que a paisagem fica num tom  acinzentando querendo enganar.

Hoje, acordei e fiquei como aquela poesia que um dia escrevi:

 Chove
- não muito
Chove intermitentemente
uma chuva fina e sem vento
Não estou com frio
Mas estou triste
Muito triste como Campos no século passado
Muito triste como Caetano em seu quarto
Chove intermitentemente
E eu, à janela, de repente esqueço-me do dia de hoje.
Porque estou me sentindo triste como Caetano e Álvaro de Campos.


Talvez essa sensação que não é saudade, que não é tristeza e tampouco euforia, seja apenas um vaticínio que sempre acontece na segunda metade de agosto.

Talvez toda essa coisa abstrata seja uma predição de como estará a minha alma daqui alguns dias. Porque sei que no dia vinte e seis estarei triste. Eu sei.

Paulo Francisco