Descontínuo





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Era quentura de derreter. Os corpos encharcados suplicavam por uma ducha gelada. Mais tarde, a água escorria pelos nossos corpos quentes na esperança de lavar a salinidade produzida e diminuir a temperatura provocada. Permanecemos por muito tempo agarrados naquele cubículo ladrilhado e aquático. Com os olhos na cor de sangue, voltamos para a cama as gargalhadas, sorrindo de tudo – crianças grandes fazendo amor e arte. Era boa aquela despretensão amorosa. Aproveitamo-nos o máximo o nosso pecado. Pois sabíamos que depois da transa era vida que segue sem pudor – gente grande que na vertical veste-se conforme o tempo.

Era muito bom estar com ela, gostava daquele jeito aberto de dizer-me coisas sérias de maneira divertida; tínhamos tudo para sermos mais que amigos. Quando disse-me rindo, que eu era o seu crusch, fiquei sem saber o que dizer. Pois não sabia o sentido da palavra naquele contexto - desconfiava:

- Eu sou totalmente encanada quando estou numa relação. Se não atende o telefone quando ligo, já vou logo achando que a relação está esfriando, que pode estar com outra. Fico paranoica.

- Xiiii... que coisa... vivo com o celular desligado, não gosto de atender em qualquer lugar... se tivesse uma namorada com esse seu jeito não duraria uma semana...

Risos

- Vai vendo! E você é meu crusch...

Fomos interrompidos e mudamos a conversa, dando atenção as outras pessoas que estavam na sala.
Gostava de estar com ela, da nossa amizade. Mas tem gente que não consegue esperar. Tem urgência. Tornamo-nos fiapos na ponta dos cílios.

Hoje, o céu encontra-se nublado, há vento, mas o barco está vazio.

Paixão



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À sua presença, desmanchava-se em sorrisos. Desconstruída, tornava-se pluma levada ao vento.
À sua presença, a intensidade definia-se em longos suspiros. O silêncio era o seu mundo.
O sonho: futuro!

Enredada



Achava-se esperta, conhecedora dos sentimentos alheios; tão implacável na arte de enganar que acabara esquecendo-se da própria identidade.
Ficou presa na teia construída.


Perdão


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Na ponta do cílio, a última gota de um sentimento guardado. O sorriso veio leve, os olhos desembaçaram-se com um esfregar de mãos, e a vida seguiu o seu fluxo margeado por flores, bichos alados e poucas intempéries. No chão, pés descalços. Na cabeça, nuvens.
Voltou a sonhar.

Ela



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Para o meu bem querer

Estava tão distraído que não percebi sua chegada. Quando dei por mim, seus braços e pernas estavam enroscados no meu corpo. Tarde morna de pouca luz e pensamentos cinzas. Chegou na hora certa. Salvou-me da tristeza que estava por vir. Esqueci tudo e recebi seu carinho como um menino acalentado por quem o ama. Não disse nada, simplesmente aqueceu meu corpo com o seu. Sabia que naquele instante o silêncio pertencia-me e era necessário como o vento ao mundo. Deixou-me quieto na particularidade da minha mansidão. Éramos poesia em construção. Paisagem a ser colorida.

Os meus olhos sorriram quando perceberam sua presença num sono tranquilo. A noite estampada de estrelas, decorava a janela. A penumbra guiou-me para fora do quarto. Não queria acordá-la. Torcia para que estivesse sonhando comigo - Exagero de quem estava com fome de amor.

Estava tão bonita que não parei de olhá-la. Fiquei de longe, de soslaio, sem dar bandeira. De quando em vez, encarava-a por alguns segundos. Éramos dois estranhos naquele ambiente de gente conhecida. Na claridade, éramos invisíveis. Revelávamo-nos somente com o aparecimento da lua – nosso instante era crepuscular. Ficamos nessa condição por muito tempo. Hoje, tudo mudou, somos dia, somos noite, somos todos os dias se quisermos. Mas ainda assim, preferimos a lua e a invisibilidade. Liberdade pra poucos. Concessão amorosa de quem sabe o que quer.

Furtou-me o ciúme e doou-me a crença. Fico mais tranquilo assim. Na terça-feira passada (13 de novembro), o celular vibra – era ela:

- Paulo, tudo bem?

- Tudo...

- Vi você, hoje à tarde, entrando na loja O Boticário.

- Fui comprar uns mimos para as moças do consultório do Marcos...

- E a moça que estava com você?

- É uma colega do trabalho. Foi comigo, me fez companhia...

- A gente se vê hoje?

- Você sabe que não...

- Ok, hoje é um dia especial... dia de solidão...

- Verdade!

- A gente se vê amanhã então.

- Beijo...

Na distração, prefiro o meu silêncio, a minha capacidade de viajar entre nuvens e tingir-me de cores guardadas no peito. Acho que ela tenta entender esse comportamento clandestino, essa ausência de corpo presente, essa limpeza de feridas antigas. Mas não sei até quando... Nesse feriado grande, desci para molhar os pés no mar. Ela preferiu seguir outros caminhos.

Estava tão distraído que não percebi sua despedida.