Acordo

 


Em dias cinzas, o melhor é ficar em casa. Era sempre assim. A liberdade era ceifada com uma única frase. Quer coisa pior que não poder correr pelas ruas em brincadeiras inventadas? Tortura para um moleque que sempre estava com pressa. Infringia sempre. Apanhava sempre.

Hoje, o dia chegou cinza chumbo. Lembrei-me da frase tantas vezes repetidas. Hoje, gostaria de ouvi-la novamente, só para ficar em casa entrelaçado com os meus pensamentos.

Em dias tristes, aguados, gosto de ficar no meu quarto. Não estou nem aí se o que sinto está na lista dos sete pecados. Quero mesmo é estar com os meus pensamentos, com os meus segredos, com o meu silêncio quase solidão; gosto, nesses dias quase mortos, ressuscitá-los com os meus lápis de cor.

Hoje, o dia chegou, sussurrando em minha orelha, pedindo pra ficar na cama, transgredindo, sendo cúmplice de seus pecados.

Peguei o celular e mandei uma mensagem: - Por motivo de força maior, não poderei cumprir com o nosso compromisso. Vamos marcar, mais tarde, para uma outra hora.

Quer saber, em dias cinzas, o melhor é ficar em casa. Simples assim.

Estado de ...

 

E quando tudo está uma bosta?!  Acordei num espreguiçar malandro, sem a menor vontade de levantar. Tentei enganar o tempo cerrando os olhos e escurecendo o dia com o lençol amassado cobrindo a minha cara. Fiquei por uns minutos na posição fetal tentando expulsar a minha alma para um outro plano. Queria o levitar do sono; queria um sonho sem me importar com as teorias freudianas ou junguianas – só queria a paisagem de um sonho qualquer.  Precisava, com certeza, era ganhar tempo, mesmo que fosse com um pesadelo que me levasse para longe daquela realidade de merda.

Não funcionou. A realidade estava mais acordada que nunca. Tinha direção certa. A rota estava traçada.

Sentado à beira da cama, cocei a cabeça, contei as manchas antigas encrustadas no assoalho e, por um longo tempo, acreditei que estava sonhando. Mas se fora um sonho, ele acabara no momento em que a água morna batera nas minhas costas. O chuveiro sempre fora meu companheiro nas melhores e piores horas. Não diria o mesmo do espelho. Sempre frio e impiedoso. E foi nele que encarei a verdade.

Aqueci o corpo e tingi a alma com uma caneca de café. Assumi o meu fracasso; assumi a minha solidão e transformei a tristeza em esperança. Rasguei o silêncio com as minhas músicas preferidas. E como um alquimista amador, transformei a bosta em fertilizante.

Gritei:

- Obtuso é o caralho!

Certeza

 


O dia acompanhou a noite e a água continuou a lavar a terra e a alma deslavada dançou nua no acinzentado terreiro. Pés descalços, peito nu e sorriso escancarado. A esfinge que fingia ser uma simples mulher, batia suas asas criando um vendaval. Mas o corpo, quase nu, rodopiava lutando contra o vento que vinha do Sul e a falsa mulher sucumbiu-se, dobrando-se diante da pureza que rodopiava de braços abertos no centro da terra molhada. E a noite recebeu o dia encharcado de esperança.