Presente

 

Abro as minhas mensagens no celular e leio:

- Paulo, gostou da surpresa?

Pergunta corajosa pra quem sabe que surpresa não é pra mim. Principalmente no dia do meu aniversário. Sei que é difícil pra muitos que eu queira estar sozinho nessa data. Posso até festejar depois, mas o dia é só meu. Não sei  ou não me lembro de já ter escrito sobre este assunto. Mas não importa. O que importa é ter quem queira transgredir essa regra.

Mensagem de parabéns pelo celular? Talvez retribua a mensagem com atraso – vai depender do meu humor. Não, atoa, que muitos me chamam de ranzinza, rabugento e outros adjetivos. Quer saber: ¨Tô nem aí! ¨

Antes que você tente me analisar por esse texto, já vou lhe dizendo: Não vem que não tem!

Antes que  me chame de esquisito, já vou lhe dizendo: Não vem que não tem!

Antes de achar que eu fico isolado, triste, com pena de mim, já vou lhe dizendo: Ledo engano, pessoa!

O aniversário é meu. Faço dele um dia especial pra mim. Às vezes, dependendo do dia, vou ao cinema, teatro; faço uma caminhada no parque, saio pra tomar cerveja, converso com estranhos, ou simplesmente tomo uma taça de vinho, assisto a um bom filme ou maratono uma série. Por favor, não me acorde com congratulações. Continue me acordando com beijos quentinhos.

Mas por que estou escrevendo sobre isso? É que esse ano aconteceu uma coisa que não estava nos meus planos. Volto a pergunta do começo do texto. Quando recebi por mensagem a pergunta, quase fui mal-educado na resposta. Respirei, respirei profundamente antes de responder – técnica boa para não ter arrependimento depois.

A priori não gostei da transgressão, mas levei na flauta como um bom brasileiro. Depois de tanto tempo de insistência de muitos para comemorar a data de meu aniversário,  acabei entendendo que pra eles aniversário é festa, pra mim, reflexão.

Pois bem, uma amiga de muitos anos acabou se hospedando num hotel na minha cidade para fazer-me a tal surpresa. Ela sabia do risco que corria. E por pouco não conseguiu encontrar-me, porque estava temporariamente incomunicável – celular desligado. No entanto, como precisava confirmar um compromisso, acabei ligando o aparelho para ver se tinha mensagem. Daí a surpresa. Ela estava na cidade. Acabei indo ao seu encontro.

Agora, vou aproveitar esse momento para respondê-la com o coração aberto e no pé de sua orelha: Surpresas me incomodam, mas você não. Gosto de ficar sozinho, mas pra você sempre abrirei uma exceção.

Talvez, surpresa seria se eu não fosse ao seu encontro – sou óbvio demais.

Agora quem faz a pergunta sou eu:

- Gostou da surpresa?

 


Distração

 


Coisa boa está na varanda, deitado na rede, colocando a leitura em dia com músicas boas de fundo. Dane-se as louças na pia – mais tarde, certamente, serão limpas. Hoje, independentemente que dia seja, ele será o meu domingo: dia de procrastinar, deixar o compromisso pra outro momento.  Por ora estar com os autores preferidos, cantoras queridas e minha escrita esquisita é o que importa. Olhar o céu quase transparente; vagar em pensamentos até o cochilo ser interrompido pelas maritacas cantando; não ter hora pra nada é o que importa.

Hoje é dia de transgredir. Taça de vinho, comida por entrega e celular desligado. Pois a manhã será um novo dia – dia de labuta. A realidade sempre vem pra nos acordar.

Quando dei por mim, o azul, aos poucos fora se desfazendo, transformando-se em cinza que por sua vez dera lugar ao preto. A paisagem colorida sumira na mesma ordem. Lá estava o dia, lá estava a paisagem, escondidas pela noite sem estrelas. Torno-me, temporariamente cego, absorto em meus pensamentos tolos.

Acaso

 Do nada, ela vem com essa pergunta:

- Paulo, porque você nunca sorri nas fotos?

Respondi à pergunta citando Cecília:

- ¨Longe, num barco,

deixei meus olhos alegres,

trouxe meu sorriso amargo. ¨

Aí sim, sorri. Sorri não pela minha resposta, mas pela cara engraçada que ela fez. Dei um pulo da cama e fui até a estante, peguei o livro de Fernando Pessoa e recitei Sorriso audível das folhas:

¨Sorriso audível das folhas,

Não és mais que a brisa ali.

Se eu te olho e tu me olhas,

Quem primeiro é que sorri?

O primeiro a sorrir ri.

Ri, e olha de repente,

Para fins de não olhar,

Para onde nas folhas sente

O som do vento passar.

Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando

Onde não olha, voltou;

E estamos os dois falando

O que se não conversou.

Isto acaba ou começou? ¨

Ao término da declamação, o quarto transbordou-se de gargalhadas. Rimos numa inocência juvenil. Como é bom quando um sorriso chega inesperadamente. Ele sempre alivia, enaltece e fortifica a alma.

Claro que sorrio. Talvez, menos que outrora, mas ainda sorrio. Às vezes, o meu sorriso fica retido, represado no peito e vaza pelos meus olhos miúdos. Ontem mesmo aconteceu esse sorriso silencioso que me fortalece: estava indo pra casa e surpreso, vejo sentado em um banco do ponto de ônibus, entre duas senhoras, Manoel, marido de minha amiga Valéria. Continuei a viagem com sorrisos nos olhos.

Coisa estranha

 













Estávamos tontos, cambaleantes, caminhávamos tateando as paredes que de vez em quando sumiam dando lugar a aberturas que nos obrigavam a caminhar de quatro para não sermos engolidos pelo desconhecido. De repente rastejávamos como serpentes num chão úmido e gelado. Eu sussurrava para que ninguém mais pudesse ouvir. Perguntava, implorava, mas nem um som de volta a não ser o do meu medo ecoando pelo vazio.

Queria gritar, pedir por socorro... mas...a quem? Onde estávamos, como fomos parar ali? Sentia que tinha mais alguém naquele ambiente sinistro e aterrorizador. Era um predador, um caçador a nos observar? Fechei os olhos e tudo parou. Silêncio absoluto. Não sei por quanto tempo fiquei naquela posição de feto. Ao abrir os olhos, descobri que já era dia e que estava nu, cheirando estranho no meio da minha sala.

- E quem estava com você?

- Ninguém... talvez o meu outro que aparece de vez em quando.

- Cara! Que domingo estranho.

- Nada errado com um domingo nublado quando o que se deseja é o anonimato. 

- Verdade!