Ícaro





Homens maus não sabem voar. Era um deus nos acuda na hora de escolher a personagem. Todos queriam ser o herói que voava com a sua capa mágica. A brincadeira demorava pra começar - ninguém queria ser o vilão. Mas, numa brincadeira de bandidos e mocinhos, um grupo terá que usar a máscara preta do bandido.

Ela não voava. Não conseguia pegar carona nas asas dos meus delírios. Ria muito quando eu era forçado a aterrissar em solo firme. Não deveria ter sido nada fácil aturar-me naquelas viagens insólitas e solitárias. Ela era a minha heroína de máscara preta que tentava, a todo custo, puxar-me pra realidade. Demorei pra guardar a capa do sonhador; demorei pra descobrir que homens bons também sabem caminhar em solos pedregosos.

Às vezes eu ficava imaginando como seria a vida, a minha vida, sem a fantasia da incerteza. Não me ensinaram que a realidade é sólida como uma rocha, e que os sonhos são nuvens em construção. E como não tinha aprendido, no tempo certo, discernir um do outro, desenvolvi a síndrome do sonhador. Eu era, e não me envergonhava de ser, um sonhador nato. Usava as rochas duras da realidade para me puncionar em voos solitários e coloridos.

Certamente não me enquadrava em seu mundo perfeito e concreto. Enquanto ainda pensava que podia voar, ela já estava com os dois pés fincados em seus objetivos práticos e certeiros. Eu não estava nem de longe próximo ao seu alvo. Ela me enxergava, eu a sonhava.

Ainda continuo sonhando. Ainda continuo evitando as rochas pesadas e sombrias. Talvez eu nunca consiga caminhar por muito tempo em solo firme. Talvez nunca deixe de pensar que ainda posso voar.  Pois mesmo com os dois pés atolados ao chão a minha cabeça continua no mundo da lua.

Dizem por aí que homens maus não conseguem voar. Não sei se eles voam, se eles ao menos flutuam; só sei que viajar em brancas nuvens me faz muito bem.

Sentado no banco de trás do carro da Malu, depois de um happy hour com vinhos e risos, viajei com a canção que estava tocando – Billy Paul é tudo de bom.


De repente o celular toca acordando-me de um sonho não tão impossível. Ao desligar o aparelho, penso: Homens maus não devem voar.


Paulo Francisco

8 comentários:

  1. Que lindo, também não gosto de ficar fincada com meus pés no chão, amo voar, tanto que criei o meu blogue "levitar em brancas nuvens", pois eu escolho as minhas nuvens, tem então o "sem peias", pois é, tudo a ver comigo, sem peias e voando criando o meu paraíso!
    Meu amigo, agradeço imensamente a sua dica, pedi ao meu neto para me ajudar e ele resolveu o problema do meu computador, bem assim, quem não se comunica...Amei poder trocar ideias com você!Obrigada amigo sempre querido!
    Agora está tudo bem, acabaram as palavras sublinhadas que incomodavam!
    Abraços apertados!Boa noite! Boa semana!

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  2. É sempre bom sonhar;Afinal quem não sonha.Mas eu prefiro meus pés no chão.Viajar em brancas nuvens,é tudo de bom!Mas á realidade é bem melhor.
    Lindo texto Paulo.
    Boa tarde.

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  3. "mas como chegar até as nuvens, com os pés no chão"... Cantou Renato Russo.

    Lindo de viver, isso de voar, de sonhar.

    O celular, então, foi o seu gato no telhado a lhe despertar do melhor do sono sonhado? Lástima!

    Se te fiz rir, já valeu as letras de hoje.

    Abraços!

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  4. Homens maus não conseguem voar por não ter a sensação do amigável, da integração, da cooperação, não compartilham como Ícaro fazia talvez!
    Grande texto amigo. Abraço

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  5. Estou conhecendo essa dura realidade agora. Madurecer é um processo doloroso, nossos sonhos se chocam nas paredes, virando chumaça.

    Homens maus não devem voar. Não mesmo!!

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  6. Homens maus não voam porque não têm a sensibilidade do sonhar, do soltar os pensamentos no ar.Como é bom sonhar e poder voar de vez em quando! Faz bem à alma!
    Abração.

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  7. Mas as nuvens são a minha morada. talves eu seja a alma feminina de Peter Pan... Vivo mergulhada em sonhos e até mesmo quando meus pés se fincam no chão, encontram a suavidade da agua, e mergulho nessa profusão de encantamentos que se chama viver...E ai novamente alço voo! Obrigada pelo carinho em meu blog. Bjos achocolatados

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  8. Bom dia Paulo.
    Lindo texto, sereno, reflexivo e muito bem orquestrado, amei, parabéns!
    Adoro construir nuvens, rs...
    Abraço, lu.

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