Era uma sala de espera comum. Mesinha de centro com revistas e jornal.
Cadeiras de palhinha e uma TV ligada num canal de documentários – naquele
momento era a vez das formigas cortadeiras. Seria uma sala como outra qualquer
se não fosse um menino sentado ao lado de sua mãe, divertindo-se com seus
brinquedos de plástico. Bonecos e carrinhos minúsculos passeavam em sua
imaginação.
Abri a mochila e tirei um livro que ganhara no Natal passado da amiga
Claudia Lemos. Fiquei com o livro na mão sem abri-lo, olhando para a televisão
infestada de saúvas. Ouvia o zummmmm do carrinho do menino enquanto sua mãe
falava ao celular e a voz melódica e dramática do locutor do documentário.
Quase tudo naquela sala era paisagem repetida em minha memória, exceto pelo
celular e pelas noticias da primeira página do jornal impecavelmente intacto
sobre a mesa de vidro.
Olhei para a cara redonda e vermelha da mãe ao celular, comparei os seus
traços com os do menino e por alguns segundos ouvi o locutor falar sobre a vida
das cortadeiras: sistema agrícola, mutualismo, praga, devoradoras... Fechei os
olhos pelo tempo de uma respiração profunda e esperançosa. Voltei ao livro. O
fio da palavra de Bartolomeu Campos de Queirós. Um livro de poucas páginas, mas
que me enganara na certeza de lê-lo na sala de espera de uma consulta
médica. Li e reli o primeiro texto:
¨ A vida é um fio,
a memória é seu novelo.
Enrolo - no novelo da memória –
o vivido e o sonhado.
Se desenrolo o novelo da memória,
Não sei se tudo foi real
ou não passou de fantasia. ¨
Voltei a fechar os olhos e fiquei com a escuridão mais tempo que o
suspiro. Só voltando com o ranger da porta e a aparição aflita do menino.
Ele levantou a almofada e apanhou uma caixa de madeira escura – possivelmente
era onde guardava o seu tesouro de plástico. Sorri com a surpresa do menino;
sorri com a surpresa do livro em minhas mãos. Parei nas páginas seguintes com
os dois anjos ocupando as duas folhas. Eram dois anjos dormindo.
Voltei pra casa lendo o livro e pensando na tal caixa de madeira. Olhei
para o céu acinzentado, típico céu de fim de tarde do mês de março – promessa
de tempestade e medo. E antes que eles chegassem, corri até o quarto. Com
auxilio de uma escada, recuperei uma antiga caixa de madeira.
Fiquei ali, sentado na cama, olhando para a caixa e lembrando-me do
menino.
Paulo Francisco
Adoro quando você desenrola o fio da memória. E este fio me enlaça.
ResponderExcluirAdoro!!!
Putz, o texto, a forma de escrever, me toma de emoção.
Aplausos e beijos para você.
obrigado Paulo pela visita e pela oportunidade de rever seus pensamentos. Gostei muito "os meninos".
ResponderExcluirEncantamento que nos emociona,Paulo! Beleza pura,muito doce te ler! abração,chica
ResponderExcluirQue lindo, sempre me lembro do meu tempo de menina em que pegava os pequenos brinquedos, os que me faziam ir "longe" em minha criatividade, seus textos me levam àqueles tempos!
ResponderExcluirAbraços apertados amigo querido!
Você faz-nos voltar aos tempos passados.
ResponderExcluirMuito bom!
Abração.
Sensibilizada, encantada!!! Quando puder.. passa lá. Sequestrei sua obra e publiquei em meu Blog. Espero que goste da surpresa, viu? Você é simplesmente FANTÁSTICO, GENIAL!!! BOM DIA!!! Beijooo
ResponderExcluirAlguns objetos marcam algumas pessoas para sempre.
ResponderExcluirAs recordações acabam por vir á superfície da Memória viva.É com prazer (e saudade) que damos seguimento a factos que marcaram (e marcam ainda) a nossa infância e juventude.
ResponderExcluirParabéns, Paulo.
Abraços
SOL
Quantas histórias acumulamos na memória quando realmente nos trouxe algum significado.
ResponderExcluirEu adoro escrever contos, tanto reais como de ficção.
Tenho um conto real que ninguém acreditou, diziam que era ficção. Seria bom que fosse, minha vida nunca foi uma ficção.
Obrigada pelo carinho e quanto cantei aquela música que gentilmente me ofertou.
Beijos no coração
Lua Singular
Paulo, querido, estou vendo um filme francês bem em sintonia com o que você acabou de narrar tão bem.
ResponderExcluirO máximo! Adorei!
Belo fim de semana para ti!
Beijos...
Nossas memórias... sempre aprisionadas numa caixa.
ResponderExcluirGostei muito Paulo.
Oi, Paulo!
ResponderExcluirMomentos vividos ou sonhados temperados com a magia tenue de querer reviver momentos em que a felicidade era morada. O que resta é a certeza de ter vivido uma boa fantasia.
Beijus,
Há textos que encantam a gente...o seu me encantou verdadeiramente! Parabéns pela primorosa criação! bjos..
ResponderExcluirMuito bom!
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