Um instante, por favor

Não tenho mais que alguns instantes. Nunca gostei de ter somente um instante pra qualquer coisa. Gosto de conversas longas ao telefone, por exemplo – de preferência, deitado de perna pro ar. Nada de um instante, de um minuto. Quero muito; quero tudo. Nada de um instantinho. Não! um instantinho é pra matar qualquer um. Se o instante é ínfimo, imagina um insntantinho!. Mulher fresca e homem muito educado - mas muito educado mesmo, adoram usar: Um instantinho e, para piorar, completam com um por favor. Quando ouço: Um instantinho por favor, eu quase enfarto.

Se tem pressa, não me pergunte como estou. Porque se pergunta por uma questão de educação, se arrependerá por toda sua vida. VAI OUVIR TUDO.

Não venha com abraços e tapinhas nas costas. Gosto de abraços longos que transfiram calor; que aconcheguem. Que demonstrem afeto de verdade. Tapinhas nas costas somente numa emergência de um descuido de ter engolido a azeitona no ultimo gole do drinque. Aí sim, naquele instante, vale a porrada nas costas, porque por um instante pode-se sufocar e bater as botas – e ninguém quer, mesmo que por um instante, esta experiência, não é mesmo?

Fulano saiu nesse instante! Mentira, se ele tivesse saído nesse instante, eu teria esbarrado com ele na portaria. Se ele estava neste instante, daria tempo de pegá-lo no elevador e passaria o recado que eu liguei.

Esta palavra virou desculpa pra tudo – não gosto de um instante. Gosto de muito; de fartura. O instante é demasiadamente pouco.

A palavra ESPERA dito de maneira incisiva dá uma condição de que você vai ter que esperar mesmo, aí o jeito é pegar um livro na bolsa e ler alguns capítulos, até que voltem e digam: pronto! É a sua vez.

Ouvir dela um instante significa, pelo menos, meia hora de espera, o único jeito é relaxar, afrouxar a gravata e pegar uma dose de uísque com gelo pra ficar brincando com as pedras dentro do vidro. E quando ela se apronta você tem que correr, porque a sessão de cinema não espera; as cortinas do teatro se abrirão com ou sem você.

Quando estamos conectados e, ela me manda esperar, é certo, vai ao banheiro, passa pela cozinha pra um copo d’água, uma conversa paralela com quem está lhe solicitando e, eu, ali esperando, como os guardas do palácio de Buckiingham, sem reclamar, sem piscar, sem me coçar, simplesmente, porque ela disse espera e não um instante.

Fico imóvel pelo tempo que for preciso. Pois não posso pensar nem por um instante em perdê-la.


Paulo Francisco

¨Apenas mais uma de amor¨

Hoje, eu estou naqueles dias de desejos. Naqueles dias de sentir sabores excêntricos; de experimentar algo já vivido. Hoje acordei assim, um tanto ontem; um tanto amanhã. Tem dias que a gente não sabe por que levantou. O céu continua ali estampado em azul e branco, os raios se espalham em leque e, você ainda não sabe como respirá-los.

Costumo dizer que a minha tristeza é volúvel, logo, logo, ela arruma alguma coisa pra fazer. Mas hoje eu não acordei triste. Acordei com vontades: vontade de ontem; vontade de sentir cheiros que ainda não experimentei; vontade de fechar os olhos e cair em algum lugar já conhecido, já vivido – mesmo que seja vivido em vontades.

Hoje eu acordei com vontade de você.

Acho que hoje eu queria ter a surpresa de uma carta. Uma carta perfumada, escrita à mão com letras desenhadas e que começasse assim: Meu amado Paulo... É, hoje acordei com vontade do tempo de cartas, do tempo em que a resposta demorava uma semana. Que a sensação da espera era sempre uma batalha interna. E o prazer estava no perfume do papel.

Sei lá...

Hoje eu acordei estranho, esquisitão mesmo. Ouvi músicas antigas, fiz a barba à navalha, me arrumei para ir lá fora e acabei no sofá com o livro de Fernando Pessoa.

Hoje, eu acordei com uma vontade danada de receber carta de amor.


Paulo Francisco

Café da manhã

Rasguei o pão e o levei a caneca de café com leite. Estávamos sentados à mesa da cozinha para tomarmos o nosso café. O meu ritual de um único cafezinho pela manhã, não existe quando ele está comigo. João me olhou e fez uma cara de nojo com a minha atitude de rasgar o pão e molhar no café com leite. Sorri e perguntei: você nunca fez isso? Ele respondeu com uma cara estranha, como se aquilo que tivesse visto fosse a coisa mais nojenta de sua vida.

Fiz-lhe outra pergunta: Você nunca colocou o pão no leite quente com bastante açúcar? Ele novamente balançou a cabeça e mais uma cara de nojo. Ri de novo.

Não entrei em detalhes com ele. Sei que um dia ele vai repetir este gesto e vai lembrar-se de mim.

Toda vez que molho o pão no café com leite lembro-me de minha infância. Adorava molhar o pão repleto de manteiga no café quentinho. Minhas irmãs me olhavam e diziam em coro: que nojo! O meu filho também exclamou por dento.

Não sei se acontece com todo mundo, mas tenho atitudes que trago de minha infância. Era proibido, por exemplo, levar pra casa qualquer coisa que não fosse nossa, mesmo que achássemos no chão. Tentava argumentar com minha mãe, mas vinha logo a velha frase: "É seu? Não! Então deixe aí."

A nossa pasta escolar era vistoriada quase que todos os dias. Tínhamos que estar com tudo em ordem. Não existiam desculpas de uma borracha ou um lápis emprestado de um amiguinho na pasta – era castigo na certa.

Assim eu fui sendo moldado.

Mas eles se esqueceram de me dizer que no amor era diferente. Quando encontrado tinha que ser levado. As minhas paixões até então eram platônicas. Escrevia clandestinamente cartas de amor e deixava nas pastas das meninas que me fascinavam – não tínhamos sites de relacionamento. Demorei pra transgredir.

Ainda sou tímido. Mas tenho dois amigos que andam comigo e me ajudam nestas horas de extrema timidez. Os meus olhos delatam-me.

Rasguei minha timidez e a molhei em palavras – faço poemas.


Paulo Francisco

A lua de Tossan












A noite chegou nua de estrelas. O vento trouxe consigo um frio inesperado. A lua cobria timidamente sua outra metade com nuvens chumbadas e agitadas. E eu, ainda esquecido do tempo, gozava da companhia de um livro e um bom vinho tinto português. O silêncio daquele ambiente somente era interrompido, pelo som das folhas passadas de quando em quando pelos meus dedos úmidos e tingidos.

A noite chegou cobrindo meu corpo com seu manto negro. Minha alma, acanhada, não queria ser refletida pelos aços polidos das peças expostas - fechei meus olhos para sentir-me verdadeiro. Tentei, mas não consegui escrever uma linha sequer - nada de poema, crônica e conto. Minhas mãos estavam mudas. Meus olhos não alcançavam além da vidraça da porta-corrida.  Restavam-me então o livro e o vinho.

Tudo estava calmo demais.  A monotonia surgida obrigou-me a querer barulho. O silêncio estava insuportavelmente irritante. Espalhei por toda casa, blues, jazz e outros sons que pudessem expulsar o medo invadido, que pudesse transformar o cinza em cores vivas.

Quando garoto eu cantava para espantar o medo. Ouvir a minha voz era escape pra disfarçar o meu coração acelerado e aflito.  Ainda canto, e cantarei sempre – mesmo que em silêncio – para disfarçar os terrores ainda existentes.

Voltei pra casa com a música de despedida nos meus ouvidos. Sabia que aprontaria assim que eu me afastasse de seu cenário inventado. Dito e certo.  Caminhou pelo lado obscuro do pântano tramado.  Gargalhei ao ouvir a música fúnebre que tocou por alguns dias em sua cabeça de anuro. Gargalhei por não ter sido agarrado por suas ventosas e cantei em sua homenagem um partido-alto – ela mereceu o samba rasgado.

Quando Björk invadiu minha sala, sorri um sorriso largo. Eu gosto de sua voz e o que canta. A música Moom me fez sair pra varanda à procura da lua. Não a encontrei, mas sabia que estava lá, envergonhada, escondida atrás das nuvens densas e escuras.

Gosto de ficar olhando a lua. Às vezes me pego parado, no meio do caminho, olhando pra ela como se nunca a tivesse visto. Talvez eu fique parado olhando pra ela quando a encontrar pela primeira vez. Talvez ela seja a minha lua, além de ser a minha flor.

Um dia desses uma amiga me perguntou se ainda tenho a lua pra admirar de minha cama. Claro que sim! Exclamei pra ela. Tenho a lua nos quatro cantos de minha casa. Tenho sim.

BjörK já não estava mais em minha sala. Outra cantora já ocupava o seu lugar. Mas a lua não saía de minha cabeça. Voltei à varanda a sua procura, mas ela continuava a esconder-se de mim. Promessas não cumpridas – algumas são assim: taciturnas, quase tristes.

A lua é o ponto que uni nossos pensamentos noturnos. Sim, a lua é o ponto de união entre nós dois; sim, a lua é testemunha de nossas vontades, é cúmplice de nossos anseios. Lua amiga que nos guia em vontades e caricias.

Minhas mãos continuavam mudas e cegas. Não sabia como jogar pra tela do computador os sentimentos represados daquela noite  - Eu estava travado, totalmente inibido. Estava como a lua: coberto, pela metade, por um manto cinza.

Mas de repente lembrei-me de um presente que ganhara há poucos dias – eu ganhara de um fotógrafo e poeta que lera um de meus textos, e num gesto único, complementou o seu comentário presenteando-me com uma de suas fotografias: uma lua majestosamente cheia. Abri a pasta e lá estava a lua de Tossan. Uma lua cheia, uma lua grávida de amor.

Olhei além da vidraça e percebi que estava começando a chover. O céu chorava suavemente molhando o outro lado da vida. Eu estava protegido das lágrimas celestes; eu estava protegido pela cortina molhada que descia do céu; eu estava abrigado pelo silêncio invasor.

Gosto dessas madrugadas molhadas que me obrigam a pensar.

Hoje, a lua não quis ficar comigo e minhas mãos se negaram a teclar qualquer coisa.

Hoje, eu me inventei em lembranças, músicas e vinho.

Hoje, eu queria tê-la, com ou sem a lua, como testemunha.

Hoje, eu queria tocar a sua pele com meus lábios apaixonados.

Gosto desses momentos não premeditados em que meu coração aflora este amor guardado.

A noite está indo embora como chegara – nua de estrelas. Mas deixou a certeza que a senhora prateada é minha amiga.

 Hoje o céu tentou escondê-la. Mas não adiantou. Recorri a minha gaveta e a resgatei através da fotografia presenteada pelo amigo Tossan.

Agora é sabido: Tenho-a no céu; tenho-a aqui na fotografia de Tossan.

Agora é sabido: Tenho você em meu coração.


Paulo Francisco

A visita

E esta chuva que não passa! Quem não já usou esta frase, pelo menos uma vez na vida.

Quando criança a primeira chuva do ano era sagrada – todos no quintal pulando de alegria – dizia minha mãe que dava sorte. Quando a chuva demorava a chegar, eu ficava olhando pro céu procurando uma nuvenzinha de esperança.

Brincar nas poças, fazer guerra de quem molha mais o outro – tudo vira brincadeira, quando se é criança.

Quando via que estava chovendo granizo, corria para o meu filho e gritava: ¨ Olha João,que lindo!¨ 

Tornava-me mais criança que ele. Granizo tem forma de infância; granizo é a prova que podia, também, chover canivetes. Você duvida? Eu não duvidava – acreditava. Acreditava que naquele momento de sol e chuva, uma viúva estava se casando. E como seria o casamento de viúva? me perguntava – ela usaria branco ou preto? Danava-me a rir.

Preto e branco. Até muito tempo a chuva para mim era branca. Mas, com o tempo, percebi que pra muitos a chuva era de cor escura, cinzenta, de cor preta. Mas não era aqui em nosso país - dizia para os amigos da escola – É lá ¨no¨ Estados Unidos, vocês nunca viram nos filmes que quando morre alguém por lá, logo chove?. E eles: ¨ehhhhhhh!¨

A chuva sempre foi mágica. Só consegui ver o filme que todos comentavam , quando criança, do ator dançando na chuva, depois de muito tempo. Fiquei na expectativa da chegada do ponto alto do filme - a dança. Confesso que fiquei frustrado e pensei: ¨ Poxa! É porque ainda não viram a gente aqui da rua dançando na chuva ¨

E esta chuva que não passa! Quem já não usou esta frase, pelo menos uma vez na vida. Eu mesmo, hoje, já a usei, impacientemente, umas três vezes. Já olhei para o relógio uma dezena de vezes; para o telefone umas tantas. É que hoje, já não danço; não faço barquinhos e sei que canivetes não caem do céu. É que hoje, sei que as viúvas não se casam – namoram e, que no final do arco íris não tem um pote de ouro. É porque hoje tenho pressa.

Mas como nem todo mundo se deixa contaminar, lá estava ela, ensopada, tocando a campainha.



Paulo Francisco