Amar




"Não ameis à distância!" A frase não é minha. É de Rubem Braga. Ele fala em sua crônica: ¨...a carta não diz o que a outra pessoa está sentindo, diz o que sentiu na semana passada.¨ Mas pensando bem, há relações que estão tão desgastadas em que o sentimento do outro chega tão atrasado que parece ter feito uma viagem de navio. Que o Rubem Braga pensaria dos sites de relacionamentos? Acredito que ele diria ¨Ainda assim, não se tem o olho no olho.¨ A imaginação humana é fértil. Podemos imaginar o que quisermos e acreditar nesta imaginação. Somos capazes de idealizar um amor e transformá-lo em nossa razão de vida.

Podemos quixotear por aí? Acredito que muitos que estão nestes sites de relacionamento estão  à procura de seu Dom Quixote ou de sua Dulcinéia. São pessoas que acreditam na possibilidade da alma gêmea; da outra metade da laranja.Outros procuram respostas por ter uma vida vazia, sem sentido. Muitos só por diversão.


Conversando com uma amiga ela me disse que encontrou um camarada,  ficou muito tempo de namoro na internet e depois passaram para o telefone e quando se conheceram de verdade, mesmo não sendo tudo aquilo que ela pensava dele, ficaram juntos por uns cinco meses. Ela ainda afirmou: ¨ Ele foi muito importante naquele momento, minha auto-estima estava baixa e com aquele envolvimento eu pude sair de uma crise. ¨ Pessoas, como essa amiga, não estão na internet pra brincar, pra fazer sacanagem. Estão ali para tentar diluir um sentimento ruim, uma fase negra.Acreditam na possibilidade de um amor. Acho válida esta aproximação através da máquina.


Num dia desses, acabei ouvindo uma conversa no ônibus de dois camaradas. Falavam de tudo, principalmente do negócio novo que os dois estavam entrando – seriam sócios num estabelecimento comercial. Papo vai, papo vem e acabaram entrando numa conversa sobre família e um deles acabou dizendo que conhecera sua esposa através de um site de relacionamento. Tinha uma filhinha e o casamento já durava três anos. Admirável a história do homem. O que o Rubem Braga diria deste caso? Ele continuaria com a mesma opinião? Acho que não, talvez com toda essa parafernália tecnológica, com o preço da passagem de avião mais barata que a do ônibus, dá para encarar uma aventura dessas sim.


Contrario Rubem Braga e lhes digo: Amem, amem de qualquer forma, de perto, à distância, porque o importante é deixar fluir este sentimento tão nobre e tão difícil de administrar. Assim,repito Vinicius de Moraes: ¨ E que seja eterno enquanto dure.¨ Não é mesmo?



Paulo Francisco

Comigo

Ultimamente, estou andando sozinho. Mas não o sozinho de caminhar por aí. Não, não é esse tipo de solidão que já faz parte de mim. É um sozinho de alma, de companhia amorosa, de estar com o coração acelerado pela ginástica de amar, de ficar bobo em outdoor, de andar nas nuvens e catar estrelas. Sim, ultimamente eu estou andando sozinho de amor.

A chuva me faz companhia, as estrelas me visitam, a lua me ilumina, mas ainda assim eu me sinto só.

O vento me lava o corpo, o sol me queima a pele, o mar me arrepia, mas ainda assim eu me sinto só.

Escrevo em prosa, tento na poesia, escuto canções, busco emoções, mas ainda assim eu estou só.

Grito mil vezes: Ela não te quer mais!

Grito mil vezes, mil vezes eu grito: Nunca mais! Nunca mais!

E mesmo assim ainda continuo só, triste, amorosamente triste e sozinho de amor.

Não me diga que estou valorizando a minha dor, que me torno ridículo quando falo desse amor abandonado. Não, não diga por aí que a minha tristeza e solidão são passageiras, pois, somente a minha alma sabe o peso da dor que ela carrega - dor da falta, do vazio, dor da perda. Somente a minha alma sabe o peso de tudo isso. Somente ela pode me dizer que tudo é passageiro. Somente ela pode me açoitar até a morte. Somente ela pode ressuscitar-me deste vazio de cor. Minha alma, minha vida.

Enquanto a tristeza permanece, e nada de novo acontece, eu fico aqui em frases desfeitas, espanando as cinzas do corpo, engolindo vento, dobrando o céu e guardando estrelas.

Enquanto ando por aí sozinho, caminhando pelo desconhecido, em trilhas sucateadas, procurando por outros corações açoitados, descrevo-me em cada rosto encontrado.

Enquanto eu estou sozinho, vou aproveitando a penumbra do tempo pra desenhar o meu relento. Meu corpo, meu sereno.

Afinal, quem nunca se sentiu vazio de amor?

Afinal, quem nunca sofreu de amor?

O amor preenche, transborda, alaga de emoções o coração e a vida.

O amor alivia, traz doçura, nos faz crescer. Ele pulsa.

Sem ele, o amor, ficamos alienados. Sozinhos, esquecidos, jogados na tela da vida.

Enquanto um novo amor não chega, vou aproveitando esse sentimento e experimentando a solidão em versos e prosas. Vou catarseando a dor em rimas. Expurgando o fel. Destruindo aos poucos a desilusão.

Enquanto o abandono vai saindo lento, fazendo pequenas aberturas na pele, fluindo e fazendo caminhos que se bifurcam para o rio, eu vou, silenciosamente, dizendo ao mundo, em metáforas imperfeitas, em gestos sem sentidos, em escritas tortas e indefinidas, a minha falta de amor. Vou dizendo ao mundo a falta que ele me faz.

Ah, é bom amar e ser amado. Quem não quer ser amado de verdade, sem exigências, sem punição, sem a maldita e cruel desconfiança. O amor completa.

Não, não quero um amor que me corte as asas. Preciso voar acompanhando o vento, flutuar em correntes quentes, olhar o mundo em várias direções.

Não, não quero um amor sofrido. Amor sofrido não é amor, é doença.

Cobranças! Já bastam as da caixa do correio.

Desconfiança?! Já basta a da policia na esquina.

Quem ama confia.

Quem ama entende.

Quem ama acredita.

Quem ama ama simplesmente.

Talvez eu esteja escrevendo muito rápido, sem pensar, sem procurar a palavra perfeita para a frase certa. Talvez esteja me precipitando em dizer que estou só. Poderia mentir. Disfarçar o meu sentimento com sorrisos e piadas. Mas o que adiantaria não ser verdadeiro?  Só evitariam olhares piedosos, lábios sarcásticos - a felicidade dos inimigos. E nada disso importa agora, nem mesmo o contrário disso.

Pensando bem, o que importa os outros? A dor é minha, a solidão é minha, o abandono é meu.  Não é o meu corpo que está carente. É a minha alma que grita por outra, que não aguenta a solidão existente, que precisa de céus claros pra seguir, que se alimenta de estrelas pra sobreviver e da lua pra descansar. O meu corpo não. Ele só precisa de outro corpo e isso é fácil de se obter.

Não é o meu corpo que grita. É a minha alma que chora.

Ultimamente, eu estou andando um tanto quanto sozinho. Mas mesmo assim, ouço canções de amor.




Paulo Francisco


Prazerosamente

















A chaleira apita lá na cozinha. Saio de minha mesa e vou preparar um café. Coloco o pó no coador e despejo lentamente a água quente sobre ele. Viajo naquela transformação. A água, que antes era inodora, insípida e translúcida, se transforma num líquido marrom e aromático. Desce do coador para o bule a minha vontade, a minha alquimia.

Mas a minha viagem não para na mistura do sólido ao líquido. Eu vejo que além desta transformação a água também muda seu estado físico – ela evapora – formando uma nuvenzinha dançante, frenética, quase transparente, escapando dos meus olhos e desejos. Não ligo. O que eu quero está aprisionado no bule.

Olho para a xícara e para a caneca e, resolvo apoderar-me da caneca. Ela cabe mais café e, eu, estou sedento de vontade.

Volto para o escritório e começo a sorver lentamente aquele líquido quente e marrom. Sorvo em goles pequenos. Degusto-o como se fosse o mais sagrado dos líquidos.

Nem amargo, nem muito doce – ele está perfeito no sabor e na temperatura. Deixo tudo que estava fazendo pra ficar ali soprando aquele liquido quente e admirando minha vista da janela lateral. Ali vejo casas, pessoas, carros, montanhas e um céu alaranjado.

Deixo o líquido aquecer minha língua e garganta, percebo quando chega a meu estômago. Cada gole, um dever cumprido, uma vontade saciada.

E no último gole a surpresa no fundo da caneca, aquele liquido, nem amargo e nem doce, se mistura ao açúcar que sobrara, ofertando-me, naquele último gole, uma pasta morena cheio de afeto.

Saciado, volto à cozinha e, devolvo a caneca ao seu lugar, mas antes, lavo-a com a mesma água que antes se transformara em café e vapor.



Paulo Francisco


¨



Esconderijo

Nesta manhã de nuvens chorosas me guardo em pensamentos. Dia de contemplação. Contemplo o teu olhar guardado em mim.

Em manhãs cobertas por véu de noiva me deito em sonho. Transpasso meu sentir e chego do outro lado do pote de ouro. Em manhãs assim, desvario. Faço e refaço caminhos. Chego até você.

Sempre fui um grande viajante do tempo. Minhas viagens eram transcendentais. Viajava em naves espaciais com ETs criados por mim – nunca eram tão feios como nos filmes. Conseguia me ver em grandes caravanas em zonas áridas – verdadeiros desertos.

Cresci e não consegui me livrar dessas viagens transcendentais. Passaram a ser mais coloridas, mais alegres - mas eram ainda minhas viagens.

Mais tarde, já adulto, pareceu-me que este lado aluado de pensar acabaria. Que nada, ele se transformou em pensamentos desejados. Vontades a serem adquiridas - Passei a escrever. Criava paisagens, sentimentos, rostos e amores. Criava, inventava. Era real dentro das minhas possibilidades. Minha invencionice tinha relevo, curvas, brilhos e muita, muita, muita cor. Tornei-me pintor de mim mesmo.

E nestas manhãs de nuvens chorosas me guardo em abrigos. Sou mais pó. Sou fácil de ser levado ao léu. E pra que isto não aconteça, penso em asas e correntes termais. Transporto-me para além das montanhas; pra além das nuvens densas. Para além de pensamentos esquálidos. Transporto-me em luzes suaves de ton-sur-ton. Chego ao meu destino em pouso tranquilo. Deito em seu colo. Durmo em seu peito.

Mas pra que tudo isto aconteça, em dias assim, tenho que ter o seu olhar dentro de mim.

Nestas dias de nuvens chorosas me guardo em ti.



Paulo Francisco

Secretamente sim

¨ Me Leva com você¨.

Ao ler o poema dela senti uma vontade imensa de responder. Mas não podia naquele exato momento expor os meus sentimentos – estava poluído. Sim, estava poluído de outras ideias e não queria que tais pensamentos interferissem no meu pensar.

Ao ler o seu poema, senti o desejo de estar bem juntinho dela, de seguir com ela em pensamentos coloridos; sorrir com os olhos, dizer baixinho em sua orelha palavras de amor.

Sim, senti uma tremenda vontade de responder aquele poema - responder de mansinho; seguir de mãos dadas em caminhos naturais de pedras. Passear em ruas de janelas e portas coloridas. Ah! Mergulhei em suas palavras e agarrei-me em seus pensamentos. Desejei tê-la, tê-la como o pássaro tem o céu; tê-la como os peixes têm o mar; tê-la só pra mim.

Quando li o seu poema, eu sorri. Sorri com os olhos. Abracei seu coração bem apertado. Vi a lua crescendo em cores, o mar em furta-cor, o céu azul carregado de estrelas. O ar, o ar me tocava da mesma forma que a tocava: man-sa-men-te.

Sim, caminhei em ruas de pedras, becos e esquinas pensando nela.

Sim, segurei sua mão e a levei para meu coração.

Sim, repeti baixinho suas palavras de amor.

Sim, gritei em seu silêncio e escorri pelas suas veias.

Sim, carreguei em meus braços e a trouxe para mim.

Quando eu a li, viajei no imaginário; viajei na poesia da alma; viajei em barco a vela. Caminhei em estradas floridas e mergulhei em águas frescas.

Tem poema que nos invade de maneira avassaladora. Tem poema que nos transporta para um mundo virtual e tão real. Tem poema que nos faz acreditar que foi escrito exclusivamente pra nós. Tem poema que nos acaricia com beijos. Tem poema que nos cobre em cores e grita o nosso nome ao mundo.

¨Me leva com você¨.

Ao ler o seu poema senti uma vontade imensa de dizer a ela:

- Sim, venha comigo, que eu te darei todas as cores e gritarei seu nome ao universo.

Leve-me também com você!



Paulo Francisco