Lágrimas


Quando olhei pra fora da janela, percebi uma cortina fina e silenciosa de chuva. Um choro miudinho escorrendo do véu da noiva – Pensei."Casamento de viúva!" Exclamei quando vi o sol rasgando a cortina de lágrimas. Mas, subitamente, o sol se foi e o choro miúdo se transformou em berros e soluços. "O noivo não compareceu!" disse rindo da frase inesperada.
É sempre assim, chove e eu me encolho, não de medo, mas para observar o seu bailado. Adoro ficar olhando para ela. Imagino-a bailarina.
Bailarina que me hipnotiza, bailarina que me fascina; Carmem e seus amores.
Como era de se esperar, choro exagerado, alívio imediato.
O sol novamente desponta. Seus raios refletidos nas poças criam manchas coloridas, manchas que aos poucos desaparecem; machas surgidas nas poças de lágrimas da noiva

Paulo Francisco

Pé-de-moleque

Pé-de-moleque. Foi assim que chamei uma mangueira repleta de meninos e meninas uniformizados perto de uma escola.
Lembrei-me, também, de minha infância, quando subíamos nas árvores frutíferas e fazíamos uma farra danada. Ficávamos pulando de galho em galho à procura das frutas mais maduras. Poderia ser uma caramboleira, uma cajamangueira, um jamelão, uma mangueira de carlotinha ou espada. As goiabas e os jambos eram roubados silenciosamente da vizinha rabugenta.
Hoje minhas reuniões não são mais em árvores frutíferas, mas em lugares mais apropriados para homens de minha idade - nos reunimos em bares. A algazarra é quase a mesma, principalmente em dias de futebol. As frutas foram substituídas por cervejas, vinhos e outras etílicas.
Os galhos que são pulados agora, são os empregos, sempre à procura de um mais resistente, que não quebre com tanta facilidade. E as frutas roubadas foram substituídas por cargos de chefia cobiçados.
Quando olho para trás, vejo tantos futuros perdidos, tantos futuros em lápides prematuras.
Quando olho para trás vejo meu futuro se construindo através de livros, castigos e sonhos.
Hoje, não reclamo do pouco que tenho, porque sei que é muito diante de tantos moleques perdidos entre armas e drogas.
Quando olho para a mangueira que mais parece um pé-de-moleque, penso qual deles sobreviverá para relembrar das frutas furtadas.





Paulo Francisco

Companheiros

Não faço nada quando chego em casa enquanto não encontro os meus amigos. Eu sou assim. Dano a procurá-los. Não tiro a mochila das costas nem os sapatos, vou direto ao encontro deles. Olho para um, flerto com outro - volúvel? Eu sei. Fico sempre indeciso, mas acabo escolhendo o mais próximo da minha necessidade momentânea - certo egoísmo? Com certeza. Geralmente, o escolhido é aquele que vai me dizer o que eu quero ouvir – unilateral? Também. Depois da escolha, aí sim, coloco a bolsa no lugar, tiro os sapatos, afrouxo o cinto e ali, naquele sofá vermelho, converso com eles ou simplesmente os ouço. Eles são ótimos.
Hoje, quero agradecer a esses companheiros invisíveis que estão sempre à minha espera. Obrigado: Chico, Caetano, Paulinho, Gil , Oswaldo, Edu, Tom, João,Vinicius, Ney, Zeca, Djavan, Jorge, Luis, Martinho, Nora, Maysa, Bethânia, Nana, Gal, Simone, Adriana, Zélia, Rita, Ivone, Elis, Maria, Leci, Ana e tantos outros, obrigado... obrigado por existirem.

Adoro os meus discos!


Paulo Francisco

Elas

Tenho que ir ver a minha comadre da cidade. Sim, tenho duas, uma é urbana e a outra é rural.
Amo-as de forma diferente. A da cidade é um amor a luz neon – brilhamos quando estamos juntos. A da área rural é um amor de cheiro – cheiramos a ervas medicinais.
Não é mesmo Márcia e Mônica?


Paulo Francisco

Elas

Conceição  era a mais famosa das quatro irmãs. Famosa por ser a única com faculdade, por ter namorado muito e se casado cinco vezes. As outras três vivem a falar que Conceição fez o que elas não conseguiram, exceto por uma coisa, todas têm netos, Conceição, coitada, não. Só esqueceram-se de dizer que é por opção e não por rejeição. Conceição anda por aí, desfilando em seu carro importado com sua nova namorada e feliz.  

Vilma gostava de seus cabelos negros e compridos, passava horas diante do espelho escovando-os.  Certo dia, num lampejo de loucura, cortou-os sem pestanejar.  Hoje, livre, leve e solta, anda por aí, esbanjando sensualidade com seus cabelos curtos e ruivos. Agora o espelho é ela.

Vanessa adorava curtir a noite.  Não, ela não era baladeira. Era sonhadora. Conversava com as estrelas. 

Tiana, abreviatura carinhosa de Sebastiana, ficara acamada por dias. Sozinha no mundo por opção, ela precisou, por necessidade, pedir a sua irmã um prato de sopa, pois estava fraca. Quando recebeu o recado que não teria o que comer, Tiana disse com toda força que ainda lhe restava: ¨ Eu morro de fome, por não ter como fazer, ela, morrerá por ter e não poder comer. ¨ Tiana morreu semanas depois.

Sua irmã morreu mais tarde, bem mais tarde. Não é preciso dizer como.


Paulo Francisco