Vem!

Dance comigo!? Morro de medo deste pedido. Eu já não sei mais dançar. Admiro os casais que conseguem mostrar suas habilidades em um salão. Além da minha timidez, sou pé trocado, não tenho mais o ritmo de outrora.
Dance comigo!? A minha resposta será sempre a mesma: Eu não sei dançar. O pior que não saber dançar é vê no olho dela a cara de decepção. Naquele momento me sinto menos homem, menos cavalheiro, menos divertido.
Num lugar desses, eu não sou competitivo, não marco território. Sou turista com a máquina na mão. Num lugar desses, eu danço.
Dance comigo!? Antes que este pedido chegue até mim, arrumo um jeito de ficar invisível. Escondo-me por trás de um copo cheio de chope ou fico o mais longe daquela arena de pés mágicos. Não nasci para coreografar, nasci para observar.
Dance comigo!? Quando ouço este pedido entro em pânico. Fico em pane. Vou ao casamento, mas nunca à festa. Não saberia dançar com a noiva.
Mas, se um dia você me pedir pra dançar contigo, tomar-me-ei de coragem e responderei pra ti: Claro! Você me ensina?


Paulo Francisco

Faces ocultas

Às vezes me sinto tão mulherzinha. Faço mercado. Escolho frutas e verduras no hortifruti. Faço comidinha. Lavo louça. Lavo e passo as roupas. Varro e tiro pó da casa. E pra completar a Maria existente em mim, faço tudo isso ouvindo samba.
Só não fico uma mulherzinha completa, porque nada de lenço na cabeça e nada de avental. Faço quase tudo isto de cueca.
Às vezes me sinto tão machão. Não faço porra nenhuma em casa. Acumulo copos e pratos na pia, a máquina de lavar fica repleta de roupas sujas e, saio com as que tiro do cesto pra passar. Deixo as latinhas de cervejas na mesinha de centro e não tô nem aí para a toalha no chão do banheiro.
Às vezes estou tão normal que nem me reconheço, contrato uma diarista, recebo visitas e fico feliz.
Às vezes estou tão romântico, jantar a dois, feito por mim, vinho tinto, luz de vela e carinho até o fim.
Às vezes sou tão displicente, peço pizza e cerveja, ouvido na conversa e olhos no futebol.
Às vezes me sinto tão sozinho, fico a olhar pela janela os passarinhos a cantar.
Às vezes me sinto tão abelhudo, fico de olho na janela da vizinha só para vê-la passar.
Às vezes é tão complexo viver esta pluralidade que acabo inventando um novo ser.
O que eu posso fazer, com estes sujeitos loucos que cismam em me acompanhar?
Assim vou levando a vida, girando a manivela e vendo a noite chegar.



Paulo Francisco