Amigos

Caminhava totalmente absorto, de repente me deparei com um sorriso amigo. Recuperado do susto, gargalhamos como dois moleques arteiros.
A principio, conversamos amenidades, os nossos olhares não permitiam conversas duras. Já não nos víamos há mais de ano.
O sol debruçado sobre as montanhas e nós debruçados em cervejas e conversas.
Não estávamos mais sozinhos, nossas lembranças nos acompanhavam e a cada uma delas revelada, retirávamos um do outro pedaços de epiderme encourada pelo tempo.
Desnudamo-nos sem a vergonha do macho. Éramos, ali, seres frágeis compartilhando dor; éramos seres-crianças compartilhando felicidade.
A lua já a pino anunciava a metade da noite.
Hora da despedida, hora de revelarmos o quanto valeu a pena aquele encontro. Um abraço e um sorriso; outro abraço e a promessa de outros encontros.
Ele seguiu como surgiu – de repente.
Eu voltei a caminhar madrugada adentro absorto e leve.
Percebi que a amizade nunca acaba. Amigo a gente não escolhe. Amizade é uma coisa natural, sem genética, sem padrão. Basta alma.
Hoje, faz um ano, o nosso último encontro.



Paulo Francisco


Vem!

Dance comigo!? Morro de medo deste pedido. Eu já não sei mais dançar. Admiro os casais que conseguem mostrar suas habilidades em um salão. Além da minha timidez, sou pé trocado, não tenho mais o ritmo de outrora.
Dance comigo!? A minha resposta será sempre a mesma: Eu não sei dançar. O pior que não saber dançar é vê no olho dela a cara de decepção. Naquele momento me sinto menos homem, menos cavalheiro, menos divertido.
Num lugar desses, eu não sou competitivo, não marco território. Sou turista com a máquina na mão. Num lugar desses, eu danço.
Dance comigo!? Antes que este pedido chegue até mim, arrumo um jeito de ficar invisível. Escondo-me por trás de um copo cheio de chope ou fico o mais longe daquela arena de pés mágicos. Não nasci para coreografar, nasci para observar.
Dance comigo!? Quando ouço este pedido entro em pânico. Fico em pane. Vou ao casamento, mas nunca à festa. Não saberia dançar com a noiva.
Mas, se um dia você me pedir pra dançar contigo, tomar-me-ei de coragem e responderei pra ti: Claro! Você me ensina?


Paulo Francisco

Faces ocultas

Às vezes me sinto tão mulherzinha. Faço mercado. Escolho frutas e verduras no hortifruti. Faço comidinha. Lavo louça. Lavo e passo as roupas. Varro e tiro pó da casa. E pra completar a Maria existente em mim, faço tudo isso ouvindo samba.
Só não fico uma mulherzinha completa, porque nada de lenço na cabeça e nada de avental. Faço quase tudo isto de cueca.
Às vezes me sinto tão machão. Não faço porra nenhuma em casa. Acumulo copos e pratos na pia, a máquina de lavar fica repleta de roupas sujas e, saio com as que tiro do cesto pra passar. Deixo as latinhas de cervejas na mesinha de centro e não tô nem aí para a toalha no chão do banheiro.
Às vezes estou tão normal que nem me reconheço, contrato uma diarista, recebo visitas e fico feliz.
Às vezes estou tão romântico, jantar a dois, feito por mim, vinho tinto, luz de vela e carinho até o fim.
Às vezes sou tão displicente, peço pizza e cerveja, ouvido na conversa e olhos no futebol.
Às vezes me sinto tão sozinho, fico a olhar pela janela os passarinhos a cantar.
Às vezes me sinto tão abelhudo, fico de olho na janela da vizinha só para vê-la passar.
Às vezes é tão complexo viver esta pluralidade que acabo inventando um novo ser.
O que eu posso fazer, com estes sujeitos loucos que cismam em me acompanhar?
Assim vou levando a vida, girando a manivela e vendo a noite chegar.



Paulo Francisco

Perdidos e achadaos

Raramente encontro o que eu perco, aliás, quase nunca. Não me lembro de ter encontrado algo que tenha perdido. Das seis vezes que perdi a minha carteira, nunca consegui recuperá-la. Eu, em menos de dez meses, num certo ano de minha vida, perdi três vezes os meus documentos. Na época, vivia num mundo estressado, tinha que dá conta de várias coisas ao mesmo tempo: mestrado, pesquisa, trabalho e um relacionamento totalmente conturbado.
Lembro-me de que não tinha céu, não tinha estrelas, não via a lua – estavam perdidos em algum lugar.
Sempre precisava perder algumas coisas para recuperar outras. Nunca acumulei muita coisa.
Com relação aos meus amores, nunca fui capaz de guardá-los com segurança – sempre os perdia fácil. Mas neste caso, sempre ganhava outro.
Hoje já não perco documentos e carteiras, estou mais atento.
Tenho todo um céu pra mim. E os amores...bem...os amores serão sempre perdas e danos e é, certamente, uma outra história.


Paulo Francisco

¨I just call...¨

O som do telefone se confunde com o violão de James Taylor. A casa estava respirando sons dos anos setenta quando o telefone tocou – era ela.

- Pronto! Respondi sonolento. Era fim de tarde e estava descansando depois de um dia puxado de trabalho. Acordei muito cedo e ainda sentia a diferença em meu fuso horário – Todos sabem o quanto me custa acordar cedo.

A voz do outro lado indicava que algo acontecera. Não era comum telefonema àquela hora. Sua voz pequena e curta anunciava tristeza, chuva miúda numa tarde de outono.

Fiquei esperando o seu texto. Mas pra surpresa minha, ela só queria ouvir minha voz.

Verdadeiramente, ela não só queria ouvir a minha voz, ela queria ter certeza de minha existência – segundo ela.

Depois que ela desligou, fiquei pensando como uma voz pode ter o poder de acalmar. Naquele momento James Taylor ainda invadia os cômodos de minha alma.

A voz que mais me acalmava, quando criança, era a voz de minha mãe. A certeza de sua existência, ali pertinho, deixava-me tranqüilo, não tinha medo de fantasmas e nem de ladrão.

No Hospital, a agulha da injeção, ou o estetoscópio frio não me intimidava, porque a voz dela estava ali, me acalmando.

Cresci e a voz da garota da vez era a minha certeza. Hoje, a voz de meu filho é o meu melhor calmante e, a voz de alguns amigos me tira sorrisos.

O som acabou. O silêncio também faz parte de minha vida.

Peguei o telefone e liguei pra ela. A reciprocidade é verdadeira.


Paulo Francisco