A lua de Tossan












A noite chegou nua de estrelas. O vento trouxe consigo um frio inesperado. A lua cobria timidamente sua outra metade com nuvens chumbadas e agitadas. E eu, ainda esquecido do tempo, gozava da companhia de um livro e um bom vinho tinto português. O silêncio daquele ambiente somente era interrompido, pelo som das folhas passadas de quando em quando pelos meus dedos úmidos e tingidos.

A noite chegou cobrindo meu corpo com seu manto negro. Minha alma, acanhada, não queria ser refletida pelos aços polidos das peças expostas - fechei meus olhos para sentir-me verdadeiro. Tentei, mas não consegui escrever uma linha sequer - nada de poema, crônica e conto. Minhas mãos estavam mudas. Meus olhos não alcançavam além da vidraça da porta-corrida.  Restavam-me então o livro e o vinho.

Tudo estava calmo demais.  A monotonia surgida obrigou-me a querer barulho. O silêncio estava insuportavelmente irritante. Espalhei por toda casa, blues, jazz e outros sons que pudessem expulsar o medo invadido, que pudesse transformar o cinza em cores vivas.

Quando garoto eu cantava para espantar o medo. Ouvir a minha voz era escape pra disfarçar o meu coração acelerado e aflito.  Ainda canto, e cantarei sempre – mesmo que em silêncio – para disfarçar os terrores ainda existentes.

Voltei pra casa com a música de despedida nos meus ouvidos. Sabia que aprontaria assim que eu me afastasse de seu cenário inventado. Dito e certo.  Caminhou pelo lado obscuro do pântano tramado.  Gargalhei ao ouvir a música fúnebre que tocou por alguns dias em sua cabeça de anuro. Gargalhei por não ter sido agarrado por suas ventosas e cantei em sua homenagem um partido-alto – ela mereceu o samba rasgado.

Quando Björk invadiu minha sala, sorri um sorriso largo. Eu gosto de sua voz e o que canta. A música Moom me fez sair pra varanda à procura da lua. Não a encontrei, mas sabia que estava lá, envergonhada, escondida atrás das nuvens densas e escuras.

Gosto de ficar olhando a lua. Às vezes me pego parado, no meio do caminho, olhando pra ela como se nunca a tivesse visto. Talvez eu fique parado olhando pra ela quando a encontrar pela primeira vez. Talvez ela seja a minha lua, além de ser a minha flor.

Um dia desses uma amiga me perguntou se ainda tenho a lua pra admirar de minha cama. Claro que sim! Exclamei pra ela. Tenho a lua nos quatro cantos de minha casa. Tenho sim.

BjörK já não estava mais em minha sala. Outra cantora já ocupava o seu lugar. Mas a lua não saía de minha cabeça. Voltei à varanda a sua procura, mas ela continuava a esconder-se de mim. Promessas não cumpridas – algumas são assim: taciturnas, quase tristes.

A lua é o ponto que uni nossos pensamentos noturnos. Sim, a lua é o ponto de união entre nós dois; sim, a lua é testemunha de nossas vontades, é cúmplice de nossos anseios. Lua amiga que nos guia em vontades e caricias.

Minhas mãos continuavam mudas e cegas. Não sabia como jogar pra tela do computador os sentimentos represados daquela noite  - Eu estava travado, totalmente inibido. Estava como a lua: coberto, pela metade, por um manto cinza.

Mas de repente lembrei-me de um presente que ganhara há poucos dias – eu ganhara de um fotógrafo e poeta que lera um de meus textos, e num gesto único, complementou o seu comentário presenteando-me com uma de suas fotografias: uma lua majestosamente cheia. Abri a pasta e lá estava a lua de Tossan. Uma lua cheia, uma lua grávida de amor.

Olhei além da vidraça e percebi que estava começando a chover. O céu chorava suavemente molhando o outro lado da vida. Eu estava protegido das lágrimas celestes; eu estava protegido pela cortina molhada que descia do céu; eu estava abrigado pelo silêncio invasor.

Gosto dessas madrugadas molhadas que me obrigam a pensar.

Hoje, a lua não quis ficar comigo e minhas mãos se negaram a teclar qualquer coisa.

Hoje, eu me inventei em lembranças, músicas e vinho.

Hoje, eu queria tê-la, com ou sem a lua, como testemunha.

Hoje, eu queria tocar a sua pele com meus lábios apaixonados.

Gosto desses momentos não premeditados em que meu coração aflora este amor guardado.

A noite está indo embora como chegara – nua de estrelas. Mas deixou a certeza que a senhora prateada é minha amiga.

 Hoje o céu tentou escondê-la. Mas não adiantou. Recorri a minha gaveta e a resgatei através da fotografia presenteada pelo amigo Tossan.

Agora é sabido: Tenho-a no céu; tenho-a aqui na fotografia de Tossan.

Agora é sabido: Tenho você em meu coração.


Paulo Francisco

A visita

E esta chuva que não passa! Quem não já usou esta frase, pelo menos uma vez na vida.

Quando criança a primeira chuva do ano era sagrada – todos no quintal pulando de alegria – dizia minha mãe que dava sorte. Quando a chuva demorava a chegar, eu ficava olhando pro céu procurando uma nuvenzinha de esperança.

Brincar nas poças, fazer guerra de quem molha mais o outro – tudo vira brincadeira, quando se é criança.

Quando via que estava chovendo granizo, corria para o meu filho e gritava: ¨ Olha João,que lindo!¨ 

Tornava-me mais criança que ele. Granizo tem forma de infância; granizo é a prova que podia, também, chover canivetes. Você duvida? Eu não duvidava – acreditava. Acreditava que naquele momento de sol e chuva, uma viúva estava se casando. E como seria o casamento de viúva? me perguntava – ela usaria branco ou preto? Danava-me a rir.

Preto e branco. Até muito tempo a chuva para mim era branca. Mas, com o tempo, percebi que pra muitos a chuva era de cor escura, cinzenta, de cor preta. Mas não era aqui em nosso país - dizia para os amigos da escola – É lá ¨no¨ Estados Unidos, vocês nunca viram nos filmes que quando morre alguém por lá, logo chove?. E eles: ¨ehhhhhhh!¨

A chuva sempre foi mágica. Só consegui ver o filme que todos comentavam , quando criança, do ator dançando na chuva, depois de muito tempo. Fiquei na expectativa da chegada do ponto alto do filme - a dança. Confesso que fiquei frustrado e pensei: ¨ Poxa! É porque ainda não viram a gente aqui da rua dançando na chuva ¨

E esta chuva que não passa! Quem já não usou esta frase, pelo menos uma vez na vida. Eu mesmo, hoje, já a usei, impacientemente, umas três vezes. Já olhei para o relógio uma dezena de vezes; para o telefone umas tantas. É que hoje, já não danço; não faço barquinhos e sei que canivetes não caem do céu. É que hoje, sei que as viúvas não se casam – namoram e, que no final do arco íris não tem um pote de ouro. É porque hoje tenho pressa.

Mas como nem todo mundo se deixa contaminar, lá estava ela, ensopada, tocando a campainha.



Paulo Francisco