Água e sabão

O que para muitos é sacrifício, para mim é terapêutico.  Faço de algumas tarefas domésticas a minha terapia ocupacional. Lavo louças, ouvindo música. Tornou-se um hábito transformar a minha cozinha a extensão de minha varanda. Faço dela meu templo budista.

Acordei e fui direto para a área de serviço: roupas na máquina, algumas de molho com alvejante - tarefa que aprendi com a minha mãe – lembro-me da boneca de anil , das roupas  dançando no varal e o corre – corre no quintal, quando o céu se transformava em cinza. Achava engraçado o ¨tchoque-tchoque¨ da água espirrada com as mãos, tirada da bacia, para deixar a roupa sempre molhada enquanto quarava. Não entendia o tamanho sacrifício daquelas mulheres que entre a água e o sabão riam das conversas codificadas, difíceis de serem decodificadas por mim. ¨ Lençóis brancos, corpos limpos. ¨

Saí da área de serviço e fui direto pra cozinha. Sorri, quando me deparei com as cubas lotadas de louças.  



Ensabôo os utensílios e a minha alma. Tiro as impurezas dos objetos e de carona os meus pensamentos embarcam entre espumas e água corrente.

A metodologia empregada segue o ritual aprendido desde criança. A primeira etapa são os copos seguidos dos pratos e travessas de vidro. Os copos são ensaboados com uma esponja especial e exclusiva. É sempre assim: esqueço-me em bolhas de sabão. Volto no tempo e preencho as lacunas existentes em pensamentos que flutuam. É lavando louças, que ponho em ordem a minha agenda mental; é lavando louças, que converso comigo mesmo e discuto assuntos pendentes. Coloco em ordem a desordem existente entre copos em carreirinha.

Não me dê uma vassoura, dê-me uma esponja – faça-me feliz.
Quando criança não via nenhum homem ajudando nas tarefas domésticas – Era coisa de mariquinhas – diziam os machistas nos seus jogos de sinuca e carteado.

Hoje, os meus amigos, entre uma partida e outra de futebol, aspiram, lavam, dão banho em seus filhos e muitos são os chefes de suas cozinhas. Tarefa repartida, noite mais divertida.



Perco-me entre os saponáceos. Encontro-me na imagem refletida do aço lustrado. Sou egoísta nessa tarefa:

- O que você está fazendo?



- Lavando as louças...



- Mas por quê?



- Porque aqui é a minha casa, oras!

Ela achou que deveria fazer as tarefas domésticas por estar ali. Mas se eu quisesse uma doméstica, contrataria uma diarista, no mínimo. Escrava somente aquela parada em minha cozinha – branca e gelada.

Entre em minha casa e sinta-se à vontade – a casa é sua; mas não mexa na minha pia.

Estava na casa de praia de minha amiga Ascensão, conversando depois do almoço, quando percebi que ela estava indo em direção a pia. Bateu-me um desespero. Sabia que ela tinha levantado pra lavar a louça, e, eu, não teria a chance de viajar entre os copos e os pratos alheios. Imediatamente me ofereci para tal tarefa. Ganhei o dia. Surfei em ondas biodegradáveis e naveguei em barcos redondos.

Ontem, fui visitar o Marcos e a Sandra – um casal de amigos. Depois de um verdadeiro rodízio de pizza pra criançada, paramos pra conversar na cozinha. Enquanto conversávamos, Sandra lavava a louça. Eu fiquei ali olhando suas mãos sendo envolvidas pela espuma do detergente. Fiquei com água na boca. Não gosto muito de pizza, mas adoro o que vem depois – a louça.




Paulo Francisco

Um instante, por favor

Não tenho mais que alguns instantes. Nunca gostei de ter somente um instante pra qualquer coisa. Gosto de conversas longas ao telefone, por exemplo – de preferência, deitado de perna pro ar. Nada de um instante, de um minuto. Quero muito; quero tudo. Nada de um instantinho. Não! um instantinho é pra matar qualquer um. Se o instante é ínfimo, imagina um insntantinho!. Mulher fresca e homem muito educado - mas muito educado mesmo, adoram usar: Um instantinho e, para piorar, completam com um por favor. Quando ouço: Um instantinho por favor, eu quase enfarto.

Se tem pressa, não me pergunte como estou. Porque se pergunta por uma questão de educação, se arrependerá por toda sua vida. VAI OUVIR TUDO.

Não venha com abraços e tapinhas nas costas. Gosto de abraços longos que transfiram calor; que aconcheguem. Que demonstrem afeto de verdade. Tapinhas nas costas somente numa emergência de um descuido de ter engolido a azeitona no ultimo gole do drinque. Aí sim, naquele instante, vale a porrada nas costas, porque por um instante pode-se sufocar e bater as botas – e ninguém quer, mesmo que por um instante, esta experiência, não é mesmo?

Fulano saiu nesse instante! Mentira, se ele tivesse saído nesse instante, eu teria esbarrado com ele na portaria. Se ele estava neste instante, daria tempo de pegá-lo no elevador e passaria o recado que eu liguei.

Esta palavra virou desculpa pra tudo – não gosto de um instante. Gosto de muito; de fartura. O instante é demasiadamente pouco.

A palavra ESPERA dito de maneira incisiva dá uma condição de que você vai ter que esperar mesmo, aí o jeito é pegar um livro na bolsa e ler alguns capítulos, até que voltem e digam: pronto! É a sua vez.

Ouvir dela um instante significa, pelo menos, meia hora de espera, o único jeito é relaxar, afrouxar a gravata e pegar uma dose de uísque com gelo pra ficar brincando com as pedras dentro do vidro. E quando ela se apronta você tem que correr, porque a sessão de cinema não espera; as cortinas do teatro se abrirão com ou sem você.

Quando estamos conectados e, ela me manda esperar, é certo, vai ao banheiro, passa pela cozinha pra um copo d’água, uma conversa paralela com quem está lhe solicitando e, eu, ali esperando, como os guardas do palácio de Buckiingham, sem reclamar, sem piscar, sem me coçar, simplesmente, porque ela disse espera e não um instante.

Fico imóvel pelo tempo que for preciso. Pois não posso pensar nem por um instante em perdê-la.


Paulo Francisco