A chaleira apita lá na cozinha. Saio de minha mesa e vou preparar um café. Coloco o pó no coador e despejo lentamente a água quente sobre ele. Viajo naquela transformação. A água, que antes era inodora, insípida e translúcida, se transforma num líquido marrom e aromático. Desce do coador para o bule a minha vontade, a minha alquimia.
Mas a minha viagem não para na mistura do sólido ao líquido. Eu vejo que além desta transformação a água também muda seu estado físico – ela evapora – formando uma nuvenzinha dançante, frenética, quase transparente, escapando dos meus olhos e desejos. Não ligo. O que eu quero está aprisionado no bule.
Olho para a xícara e para a caneca e, resolvo apoderar-me da caneca. Ela cabe mais café e, eu, estou sedento de vontade.
Volto para o escritório e começo a sorver lentamente aquele líquido quente e marrom. Sorvo em goles pequenos. Degusto-o como se fosse o mais sagrado dos líquidos.
Nem amargo, nem muito doce – ele está perfeito no sabor e na temperatura. Deixo tudo que estava fazendo pra ficar ali soprando aquele liquido quente e admirando minha vista da janela lateral. Ali vejo casas, pessoas, carros, montanhas e um céu alaranjado.
Deixo o líquido aquecer minha língua e garganta, percebo quando chega a meu estômago. Cada gole, um dever cumprido, uma vontade saciada.
E no último gole a surpresa no fundo da caneca, aquele liquido, nem amargo e nem doce, se mistura ao açúcar que sobrara, ofertando-me, naquele último gole, uma pasta morena cheio de afeto.
Saciado, volto à cozinha e, devolvo a caneca ao seu lugar, mas antes, lavo-a com a mesma água que antes se transformara em café e vapor.
Paulo Francisco
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