Arranjo






Ainda há flores em meu jardim.  Quando eu pegava uma flor não era para despetalá-la em mal-me-quer e bem-me-quer, e tampouco cheirá-la somente; quando  arrancava uma flor do jardim era para oferecer a alguém. Sempre presenteei com flores as mulheres amadas. Rosas, flores do campo, tulipas, orquídeas, margaridas e lírios. Flores de todas as cores para todos os meus amores. Levava flores ¨retiradas¨ do quintal da vizinha para professora- querida – fui, certamente, alfabetizado, para amar. Oferecia margaridas para a vizinha de olhos verdes, escolhia as rosas mais bonitas e esperava que a minha amada secreta as encontrassem no café da manhã – uma maneira aromatizada de dizer bom dia.

Acho que nunca vou deixar de mandar flores, salvo para aquelas que não gostam e se recusam a aceitá-las – a essas,  presenteio com doces: chocolate, por exemplo. Não ofereço flores em datas especiais – não gosto de competição - presenteio em dias comuns, em momentos distraídos. Gosto de assustar com flores.

Entrei na floricultura e escolhi uma orquídea branca, mandei entregar em sua casa na hora em que eu estava na estrada, voltando pra casa.  Saber que mesmo distante,  posso estar proporcionando alegria à mulher amada, é, também, prazeroso pra mim. Gosto de surpreender com flores.

Quando chegou e viu a sua sala enfeitada com flores do campo, telefonou-me gritando: - Te amoooooo¨. Era um amor momentâneo; era um ¨ te amo ¨ passageiro, mas o que valia era o instante daquele amor regado a pétalas e a aromas florais.  Chuva instantânea de pétalas amorosas.

Mandei entregar dois vasos de orquídeas, sem cartão, no dia de seu aniversário, na hora em que estava reunida com as amigas. Sabia que a reunião ferveria de mentes curiosas, querendo saber de quem veio as flores. Neguei que tinha sido eu até o último momento. Só para sentir a sua curiosidade. Amigo secreto escondido em seu jardim.

Mas nem todas as mulheres gostam de buquê de flores. Têm aquelas que não gostam delas cortadas, preferem as que podem ser cultivadas em vasos. Uma namorada me disse: ¨ - Ah, elas duram tão pouco em ramalhetes. Prefiro-as no vaso, assim eu posso cuidar delas por muito mais tempo e depois plantá-las no jardim¨;  Outras não gostam de flores de jeito nenhum. Essas, como eu já disse anteriormente, querem doces – não me perguntem o porquê da escolha. Amores com cobertura de chocolate.

Todo bobo, mandei entregar vasinhos com violetas em sua casa. Uma semana depois, todos os vasos  estavam secos e as flores mortas. Eu não sabia que cuidar de planta era tão sacrificante assim. Cultivar amor era um sacrifício e tanto. Coitada, está sozinha até hoje, pois, não consegue sustentar por muito tempo uma relação. Aula de jardinagem seria bem apropriado: arar, arejar o solo e deixá-lo rico em sais de amor. Caso contrário, a aridez é certa em seu coração.  

Gosto de sentir a maciez aveludada de suas pétalas. Seria Botânico se não fosse Zoólogo; seria Jardineiro se não fosse Entomólogo. Mas há interação entre elas. Há interação entre nós dois. Somos jardim e jardineiro em perfeita harmonia.

Não me importo se querem ou não, eu levo flores, gosto deste acompanhamento em minhas relações.  Gosto deste método de polinização.

Escolhi rosas, rosas de todas as cores e mandei entregá-las junto com o café da manhã. Gosto que sintam pétalas cristalizadas na ponta da língua.

Uma coisa é certa. Nenhuma delas me perguntou se eu gostaria de receber flores também. Ma se me perguntassem, eu responderia: - só não gosto de doces.

Mas tudo bem, ainda há flores em meu jardim.


Paulo Francisco

Amar




"Não ameis à distância!" A frase não é minha. É de Rubem Braga. Ele fala em sua crônica: ¨...a carta não diz o que a outra pessoa está sentindo, diz o que sentiu na semana passada.¨ Mas pensando bem, há relações que estão tão desgastadas em que o sentimento do outro chega tão atrasado que parece ter feito uma viagem de navio. Que o Rubem Braga pensaria dos sites de relacionamentos? Acredito que ele diria ¨Ainda assim, não se tem o olho no olho.¨ A imaginação humana é fértil. Podemos imaginar o que quisermos e acreditar nesta imaginação. Somos capazes de idealizar um amor e transformá-lo em nossa razão de vida.

Podemos quixotear por aí? Acredito que muitos que estão nestes sites de relacionamento estão  à procura de seu Dom Quixote ou de sua Dulcinéia. São pessoas que acreditam na possibilidade da alma gêmea; da outra metade da laranja.Outros procuram respostas por ter uma vida vazia, sem sentido. Muitos só por diversão.


Conversando com uma amiga ela me disse que encontrou um camarada,  ficou muito tempo de namoro na internet e depois passaram para o telefone e quando se conheceram de verdade, mesmo não sendo tudo aquilo que ela pensava dele, ficaram juntos por uns cinco meses. Ela ainda afirmou: ¨ Ele foi muito importante naquele momento, minha auto-estima estava baixa e com aquele envolvimento eu pude sair de uma crise. ¨ Pessoas, como essa amiga, não estão na internet pra brincar, pra fazer sacanagem. Estão ali para tentar diluir um sentimento ruim, uma fase negra.Acreditam na possibilidade de um amor. Acho válida esta aproximação através da máquina.


Num dia desses, acabei ouvindo uma conversa no ônibus de dois camaradas. Falavam de tudo, principalmente do negócio novo que os dois estavam entrando – seriam sócios num estabelecimento comercial. Papo vai, papo vem e acabaram entrando numa conversa sobre família e um deles acabou dizendo que conhecera sua esposa através de um site de relacionamento. Tinha uma filhinha e o casamento já durava três anos. Admirável a história do homem. O que o Rubem Braga diria deste caso? Ele continuaria com a mesma opinião? Acho que não, talvez com toda essa parafernália tecnológica, com o preço da passagem de avião mais barata que a do ônibus, dá para encarar uma aventura dessas sim.


Contrario Rubem Braga e lhes digo: Amem, amem de qualquer forma, de perto, à distância, porque o importante é deixar fluir este sentimento tão nobre e tão difícil de administrar. Assim,repito Vinicius de Moraes: ¨ E que seja eterno enquanto dure.¨ Não é mesmo?



Paulo Francisco