Transparência



Já amei em segredo. Hoje não mais. Meu amor é escancarado. Quando amo confesso. Estou mais sem vergonha, mais descarado para o amor. Sei que o não já existe em tudo e, o que tenho que fazer é vencê-lo com um sim. Nunca aceito um talvez. O talvez, pra mim é um não disfarçado. Não perco tempo com a incerteza. Prefiro o sim, mesmo que ele se transforme depois num não. Pelo menos tentei.

Se quero, digo. Não permito rodeios quando a questão é o amor. Não existe meio amor, meia paixão. Estes sentimentos quando vem, vem por inteiro, como chuva de verão, de uma única vez, sem promessas e pequenos avisos e nos deixa encharcados de felicidade.

Ele pode até estar embrulhado no papel de Sonho de valsas que desenrolamos com a delicadeza de um artefato sagrado. Sabemos com certeza da existência de um bombom redondo, com uma camada fina de chocolate e um biscoito crocante cheio de açúcar e aroma.

O amor é como um bombom desejado que derrete em nossa boca e envolve a nossa língua na mais pura calda de sentimento – quente, cheiroso e úmido. Comemos salivando, sentimos descer numa deglutição lenta, quase num slow motion.

Guardamos o papel brilhante, como prova que devoramos o mais gostoso dos sabores. Guardamo-los dentro de cadernos ou livros. Guardamo-los aberto como se quiséssemos preservá-los por inteiro. Papel brilhante de bombom entre páginas de um livro é registro de presente amado; é afeto em rosa e preto; é marcador de um capitulo sem fim.

Ontem ao pegar um livro na estante, datado de algumas décadas atrás, encontrei em cada capítulo um marcador em preto e rosa. Sorri. Foi um sorriso lento de passado. Deixei-os lá, nas mesmas páginas, intactos, brilhantes, vivos.

Já amei em segredo. Hoje não mais. E os livros que leio registram apenas minhas digitais. E os sonhos acompanhados com vinho são devorados em valsas de noivas, deixando no ar aromas derretidos em paixão.


Paulo Francisco

Pais e filhos





















Todos pensam que o bar é minha biblioteca. Confesso que botecos de quinta são bons sebos. Mas a minha sala de leitura é de céu aberto - não há silêncio; tem muita gente e cada um tem o seu jeito peculiar de ser. São exemplares únicos. Cada qual no seu formato. São raros e não tem fim. Adoro pontos de ônibus. Neles uso, muita vezes, a minha caneta e o meu bloco de anotações. É ali que consigo ter uma variedade de almas, pensamentos diversos e metas diferentes. Sou um abelhudo num ponto qualquer. Não me incomodo em esperar – nunca tenho pressa quando estou à espera de um ônibus e de uma história.

Hoje, em particular, fiquei um tempo enorme observando um garoto e seu pai. Pela quantidade de porquês, o moleque não passava de oito anos. Ele estava ávido por respostas. O menino, agitadíssimo, tentava tirar o máximo de proveito daquele interrogatório. O pai era a sua biblioteca; a sua internet.

Clica no pai e aparecerá uma resposta e a imaginação fluirá.

Parei a minha leitura e fiquei silencioso, atento às perguntas do menino:

- Pai, por que não temos mais dinossauros?

Fiquei esperando a resposta do camarada, que estava de cócoras, encostado ao muro, bem próximo ao filho.

- Bem...a tartaruga e o jacaré são dinossauros sobreviventes...

- Sããããão!?

- Sim, naquela época eles já existiam e eram enormes.

- Masss pai, o tiranossauro rex era um cachorro?

O pai ficou mudo. Não soube responder ou entender a piada do moleque.

O menino completa:

- Ele parece um cachorro com aquelas patinhas da frente (risos)

Mais perguntas:

- Pai, por que os dinossauros morreram? Eles eram tão grandes!.

Nenhuma resposta. O homem olhou pra o menino, mexeu em seu casaco, colocou a mão em seu queixo, como se quisesse dizer: ¨- Passo! Manda outra!¨

Estava ficando agoniado com as perguntas jogadas ao vento. O Google naquele momento estava fora do ar - a net estava lenta.

Mais outra, no mesmo assunto;

- Pai, se os animais pequenos conseguiram sobreviver, por que os dinossauros não? – o menino insistia. Ele queria que o seu herói respondesse ou, simplesmente confirmasse que a professora estava certa.

A cada pergunta do curioso, eu respondia silenciosamente. Sabia tudo sobre aquele assunto. Mas sabia também que não podia responder àquele exercício entre pai e filho.

O ônibus chegou e eles partiram.

Sorri. Era um sorriso de satisfação e de recordações. Não me lembro dos meus porquês. Sabia que não tinha ninguém que me responderia sobre céu e estrelas. Acho que eu não era um menino perguntador e sim um pequeno observador.

O meu filho nunca se interessou por dinossauros; nunca teve interesse pelo mundo animal ou vegetal e nem tampouco olhou para o céu. Ele é eletrônico. Enfeita-se de telas, joysticks, pendrives e botões com start, play e pause. E as nossas conversas de iguais, só acontecem após uma peça, um cinema ou um show.

E eu agora estou aprendendo sobre futebol.

Um dia desses, ele estava atrás de mim, lendo o que escrevia em meu laptop e disse:

- Sabe, tô até gostando de poesia!.

Olhei para trás e respondi:

- Que bom, bacana! Que bom... quer fazer uma comigo?

Ele respondeu:

- Ainda não, não estou preparado ainda.

Voltou para o puff e começou a apertar aquele objeto cheio de botões coloridos.

Apertei o meu play e viajei num texto.


Paulo Francisco