Estacionando











Outono. Não temos árvores peladas nesta estação e tampouco tapetes de folhas amarelas e quebradiças. O nosso outono não fica pálido – se mantém verde. Só sabemos que estamos nele, porque temos as visitas do verão não querendo ir embora e do inverno marcando território. Esta indecisão é sinônimo do outono. Ele não é constante, marcante, como em outros lugares; podemos chamá-lo de estação hiperativa - levada mesmo.
As noites outonais são de céu anilado e rendado por estrelas volúveis. A manhã, sempre uma surpresa, ora nublada, ora ensolarada – não tente adivinhá-la.
Nunca se sabe como será o dia, então, o melhor é ter sempre um abrigo na bolsa, para aqueles dias de indecisões: sol e chuva.
O sol pode ser de extremo verão ou simplesmente brando, agradável. As chuvas já não são mais em monções e, sim, numa cortina repentina quase invernal.
As sombras são convidativas e refrescantes, principalmente ao meio dia ensolarado.
O nosso outono é quente, latino. Tem flores, frutos e sementes.
Se eu tivesse que comparar a minha vida com uma estação, certamente, seria o outono.



Paulo Francisco




Resquícios







Fechava os meus olhos na esperança de alcançar. Não perdia a mania de achar que os meus pensamentos tinham superpoderes.  Achava que se desejasse com força e do fundo do meu coração alcançaria o que queria. Poucas foram as vezes que o desejo acabou em decepção.

Acho que essa mania de ¨superpoderes¨ veio das brincadeiras de criança. Lembro-me bem de uma técnica infalível de conseguir tirar boas notas nas provas bimestrais ou de pelo menos delas não serem tão baixas. Antes de deitar-me, sentava em minha cama e fazia em pensamento, a rotina do dia seguinte. Imaginava todo o meu itinerário indo e vindo do colégio.  Construía uma calmaria enfeitada de coisas boas e sorrisos. Como eu não era tão ruim como aluno, acabava acreditando que o meu pensamento era poderoso.

Depois, já quase adulto, fechava os olhos na esperança de voltar a ter aquele poder de alcançar. Ah, quantas vezes eu acreditei inutilmente que era capaz.  Cerrava os olhos tão forte que ao abri-los ficava zonzo e cego por alguns segundos. E quando tudo voltava à realidade, meus olhos marejavam em decepção e claridade.

Mais tarde, já não pensava em alcançar somente com os meus pensamentos infalíveis – agia com a razão que em mim foi construída as duras penas pelo tempo – ir à luta pra conquistar. Vida humana ainda de capa e máscara. Ninguém escapa de sonhar.

Resquícios são resquícios – ficam.

Permaneceu em mim a ingenuidade de achar que os meus pensamentos chegariam à lua, que as estrelas dançariam com a minha canção de amor. Cheguei a acreditar que ela me ligaria por nada, simplesmente porque estava pensando em amá-la naquele momento. O telefone continuou mudo até que eu tomasse a iniciativa – pura realidade adulta e amores infantis. Ninguém escapa da criança que um dia já foi.

Hoje, fechei os meus olhos na esperança de alcançar. Voltei no tempo e recriei um novo caminho.   Não sei se vou conseguir. Mas se não tento como sabê-lo?


Paulo Francisco