Hibernação



Tudo nublado. Lá fora o tempo canta dia frio e apagado. Deito-me em protesto ao sol que não veio. Cubro-me para esconder-me do ar gélido que vem da janela. Todos sabem que eu não gosto de dias cinza. Torno-me mais preguiçoso que devia. Perco o meu dia entre cobertas e respiração em ar viciado.

Sou totalmente descompromissado comigo. Estou sempre no final da fila. Troco a minha senha com qualquer um que precise. Mas não me peça nada em dias opacos, cinzas e frios. Em dias assim, eu me cubro de mim mesmo, faço uma armadura medieval com a minha própria epiderme e, ninguém, mas ninguém mesmo consegue tirar-me de meu casulo.

Cumpro o mínimo de obrigações possíveis. Trabalho em pleno estado de letargia. Dou a mão aos meus amigos ursos, ouriços e morcegos - Eu hiberno. Sumo do mapa como os insetos.

Este estado meu de torpor faz-me ficar mais caseiro; consigo assistir a um filme inteiro na televisão; escuto mais; discuto menos; falo menos e obedeço mais.

Nestes dias cinza , sou mais anfitrião que visita. Tomo mais vinho que cerveja, como muito mais queijo e, em minha dieta, sempre haverá um caldo quentinho.

Neste dias frios, troco o meu quarto pela cozinha e sou capaz de até fazer um bolo e ficar ali, pertinho do forno lendo um livro.

Nestes dias em que o sol me abandona, minha dispensa fica colorida de caixinhas de chá; troco o bar pela confeitaria e um bolo de avelã substitui, sem cerimônia, petiscos apimentados.

O telefone tocou e fui atender – era a minha amiga Ascenção. Pra variar, reclamamos da ¨friaca¨ de hoje.

Neste dias de torpor, tenho sorte de ter alguns amigos que não suportam o frio de seus habitats e migram como as aves aqui pra casa que é mais quentinho.

Sabe de uma coisa! Até que não é tão ruim assim, dias nublados, cinzas e frios.

Teremos queijos e vinhos e muita música boa.

Paulo Francisco

Dádivas



Ganhei um cachecol. Minha amiga Marize Barros fez um cachecol lindo pra mim. Tinha me prometido no inverno passado, mas acabou fazendo este ano. É muito bom ter amigos que se lembrem da gente em momentos comuns, sem ser aniversário ou qualquer outra data comercial. Ganhar um cachecol é mais que um presente é um carinho. É uma preocupação com seu bem-estar.

Toda vez que uso o cachecol é como se ela tivesse me abraçando. O frio diminui na derme e o cachecol aquece o coração.

Amigo a gente guarda de várias maneiras. Eu os guardo em pequenos sachês de seda e fita vermelha. Tenho uma boa coleção de aromas.

Amigo tem cheiro bom. Tem cheiro de confiança; de verdade. Posso dizer que os meus amigos têm cheiro de flor do campo. Brisa tem cheiro? Tenho uma amiga que tem cheiro de brisa, quando ela chega refresca o meu rosto, me tranqüiliza. Outra, é pura margarida, vivemos no bem-me-quer e mal-me- quer, e certamente, sempre paramos no bem-me-quer.

Nos primórdios o homem utilizava mais o poder de seu nariz. Ele sentia ao seu redor pelo cheiro. Hoje, só os animais utilizam o cheiro para defender-se ou procriar-se – é o tal feromônio.

Mas acredito que a química do cheiro ainda exista em nós – uns mais e outros menos. Quantas vezes já nos pegamos admirados com casais tão diferentes. Ali, pode acreditar, tem cheiro, tem química.

Casais duradouros não estão preocupados com a visão da águia. Eles são borboletas, são atraídos pela beleza do cheiro.

O mais engraçado que minha amiga Marize é alérgica a cheiros fortes de perfumes. Ela tem cheiro de bebê – usa colônias fraquinhas. Este é seu cheiro.

Ganhei um cachecol com cheirinho de bebê.
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Paulo Francisco