Sobressalto




Acordei assustado. Não gosto de acordar e sair da cama num salto mortal. Até porque não acordo – torno-me um ser sem direção, totalmente zonzo.

O meu acordar requer uma ducha quente e uma boa xícara de café. É no banho que coloco minha agenda mental em ordem e, é no café que leio as noticias de ontem.

A água que cai em meu corpo não só tira a impureza de minha pele, lava a minha alma. O café quente não só muda o gosto em minha boca, aquece-me por dentro.

Ultimamente ando acordando como se dormisse em cama elástica – quando me vejo já estou fora dela e em pé. Demorei pra descobrir que o motivo deste comportamento alucinado era ela. Geralmente, durmo depois de nos falarmos, saber como foi tudo com a gente durante o dia. Mas nas últimas noites ela não quer falar comigo – está zangada.

Sabe aquela história do mesmo lado da cama, a mesma poltrona de leitura, o mesmo lugar à mesa? Eu sou assim, não posso me acostumar que depois fica difícil pra desapegar. Fazer o que se sou assim? Sou cola de selo que gruda na mão.

Vivia andando assustado. As minhas noites não estavam ficando completas, a lua estava sempre pela metade e as nuvens cobriam sempre as estrelas. Acordava como um raio – como se estivesse atrasado para um compromisso qualquer. Não gosto de começar o dia em plena agitação – sou água fria que se prepara pra ferver.

O telefone tocou e o meu alô, ou melhor, o meu ¨- pronto!¨ Foi de acordo com o meu estado de espírito – rápido como um flash. A voz do outro lado da linha contrária a minha, era doce; era angelical. Meu pronto foi quebrado por um : ¨Alô Paulo, tudo bem?¨ Que há muito não escutava. Pensei: ¨Agora sim!¨. Mas respondi do meu jeito: "Tudo."

Descobri que o apego não só me pertencia. Descobri que também sou desassossego por aí – sou selo na mão de alguém.

Depois de uma conversa guiada em pista molhada, fui obrigado estacionar e esperar a pista secar. Dirigir em estradas perigosas é um risco que não quero passar. Mas aceitei continuar de maneira prudente a viagem.

Hoje, acordei assustado. Levantei e fui direto para o banho e fiquei em dúvida com relação a noite passada, não me lembrava de lua e estrelas – não abri a janela pra conferir.

Arrumei-me como um flash. E quando percebi, estava colhendo flores em pleno inverno.


Paulo Francisco

Territorial


Acordei e fui logo pro sol lagartear. Fiquei ali por pelo menos uma hora, lendo e absorvendo o sol de uma manhã de inverno. Se o inverno acorda com o sol e, se neste dia eu posso curti-lo, transmuto-me em réptil. Sento-me num banco de praça ou deito na grama e me aqueço em leituras.

Hoje moro na serra de Teresópolis. Troquei o mar pela montanha; o calor pelo clima ameno; a neurose pela tranquilidade. Posso dizer que o meu calmante é o meu lar. Aqui me sinto soberano. Faço o que quero e quando eu quero. As regras (quase nenhuma) criadas por mim podem ser quebradas a qualquer momento – não tenho sindico para me multar e nem vizinho para me dedurar. Sou livre em meu espaço. Minha casa, minha oca.

Aqui recebo quem eu quero e quando há invasão, é invasão permitida. Permito turismo com bilhete de chegada e partida. Nada de green card; nada de território livre; nada de fronteiras abertas. Minha casa, meu Estado.

Mercorsul! Só em beijinhos e carícias.

Preservo minha natureza com pequenas ementas, passíveis de uma redação maior.

Confesso que nada é pra sempre. Posso mudar minhas regras a qualquer momento. Sou livre pra isso. Vantagem adquirida. Mesmo que pra isto transforme meu território em Faixa de gaza. Aqui tenho o livre arbítrio.

Afinal, Paraíso só o bairro em que moro.

Mas, por enquanto, vou lagarteando em gramas e redes, só absorvendo, só anotando, só adquirindo energia e conhecimento.


Paulo Francisco



(Ainda sem conexão)