Perfume




Um dia desses acordei querendo um abraço apertado. Um abraço daqueles que gruda e enlaça a alma. Acordar enlaçado por quem te quer bem é presente de Eros.  A carência acompanhou o Sol. Passei o dia querendo um afago; um afago lento; daqueles sem tempo pra terminar. Quem não gosta de um dengo? De massagem no ego? De chamego na alma? Passei o dia querendo um cheiro no pescoço; de ouvir segredos roucos e molhados – daqueles que arrepiam o corpo e nos fazem levitar. Quem não gosta de momentos amorosos e descompromissados, desregrados, despudorados do começo ao fim?  Eu gosto.

Acordei com vontade de voar. Mas o chão era o meu limite. Tinha que trabalhar. Segui o dia na certeza da rotina diária. Mas quem disse que passaria despercebido? Até os verdadeiros miméticos são descobertos por olhos espertos.

Uma colega no trabalho:

- Vamos sair pra uma cerveja?

-Não posso. Tenho outro compromisso.

- É por isso que você veio todo arrumadinho?

Gargalhadas

- Claro que não... Essa é minha roupa de sempre...

- Barba feita, cabelo cortado...

- Que tal amanhã?

- Hummmm... Amanhã... Tudo bem!

- Combinado então!

Melhor ser amigável, ceder alguns caprichos, que criar um mal-estar. Passei a tarde sendo seguido pela indiscrição. Se até os peckhaminanos são descobertos por olhos curiosos, porque acharia que um velho e comum mamífero passaria batido por olhos rapineiros num solo descampado.

A senhora da limpeza:

- Seu Paulo, o senhor fica bem melhor sem a barba.

A moça da cozinha que vive reclamando da minha cara suja:

- Com a cara limpa é bem melhor.

Fiquei pensando no que estava acontecendo. Qual seria a minha bandeira.  Porque eu estava na berlinda.  O cabelo e a barba foram feitos ontem. E ontem ninguém comentou. 

Não estava alegre e nem triste. Estava como sempre estivera.  Com as roupas de sempre, com o mesmo perfume, com o mesmo deboche na cara.  O que saía de meus poros que fazia com que as pessoas me notassem?  O que os meus olhos estavam dizendo sem a minha autorização?  Estava eu demarcando meu território por vontades aflitas? Ou por um desejo coletivo acordamos todos com a mesma intensão? Fiquei incomodado com tantas observações. Afinal, eu sou o observador daquilo que me rodeia.  Geralmente sou a seta a procura do alvo.

Acordei com vontade e não com saudade. Saudade é lembrança guardada. Vontade é desejo a ser adquirido. Dizem que vontade é uma coisa que dá e passa. Mas vontade de amar é coisa que chega e fica. Impossível controlar. E quando a noite se revelou e a Lua iluminou o caminho, descobri que a vontade não era só minha. E no outro dia, acordei abraçando apertado, enlaçando a alma de quem queria ficar.

Hoje acordei com vontade de beijar na boca. Não... hoje acordei com saudade dos beijos seus.


Paulo Francisco

23 de agosto


ceu

À Lua

A lua está quase inteira.  Chamada nesta fase de quarto crescente.  A lua só não é poesia quando ouço alguém confundindo-a com um planeta ou estrela. Aí a poesia é guardada na cabeceira e um pouquinho de conhecimento não custa nada a ninguém.  Esclareço:

- A lua é o satélite natural da Terra.

Adoro quando alguns engolem a saliva e exclamam:

- É mesmo! Estudei isso na quinta série do colégio.

Eu não sei se a mãe está certa ou não. Mas ela só corta o cabelo na lua crescente ou cheia, nunca na minguante.  Coitados dos cabeleireiros se essa crendice fosse comprovada cientificamente.

Com relação às mares, a lua acaba recebendo erroneamente todos os créditos.   O sol tem uma boa parcela de ¨culpa¨ aos tais efeitos. A relação entre eles, ou seja, se em oposição ou conjunção teremos as marés. Mas isso é papo pra ser falado na sala de aula. Eu prefiro falar dela de outra maneira. Prefiro ouvi-la nas canções; senti-la nos poemas e vê-la em seus olhos ou simplesmente da minha janela. Quando eu nasci a lua estava em quarto minguante. Berrei para o mundo às quinze horas de um domingo quente e sem chuva. E nesse dia não teve macarrão com galinha - comida de domingo preferida quando menino.  A noite chegou num céu marinho mostrando um pedaço da lua e um montão de estrelas. No outro dia, o deus da chuva lavou a terra e os degraus para que minha mãe pudesse caminhar comigo em seus braços até a sua pequena casa.

Quando olho pra cima e vejo a lua flutuando no escuro, respiro fundo num desejo sem fim. Sempre acho que ela está lá no alto olhando, tomando conta de mim. E as vezes me sinto tão intimo seu, que começo a contar os meus segredos e desejos. Só a lua mesmo pra entender e ouvir um louco como eu.


Paulo Francisco