Abrigo


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Quando olhei para os seus olhos, os meus encheram-se d’água também. Havia um certo desespero em seu olhar que me deixou aflito por não saber o que fazer; e quando não tenho o que dizer, entrego meu corpo num abraço apertado. E foi o que eu fiz. Enlacei meus braços em seu corpo e, por um bom tempo, ficamos ouvindo os nossos corações. Cada um na sua cadência. Arritmia emocional.

Como era gostoso ser aconchegado por ela. Ficar encaixado até o sono nos transportar pra bem longe da realidade daquele momento. Eram abraços de amor, de vontade de ficar, de querer nunca mais largar. Era como se viajássemos com as asas do outro. Pura leveza.

No meio da aula, no fundo da sala, estavam dois adolescentes num abraço - amigo. Um abraço de consolo, de carinho. Eram cúmplices de algo que a minha mente antiga não alcançava. Enquanto a genética embaralhava as cabeças dos outros participantes do grupo, eles viajavam numa paisagem paralela, entre abraços e carinhos –  quase inalcançável se não fossem os dois corpos materializados no fundo da sala. Pureza, lindeza sem fim.

Quando menino, esperava o meu pai ir para o trabalho e corria para o seu lugar na cama. Ficava como um feto, todo encolhido com os braços de minha mãe protegendo meu corpo franzino. Acho que toda criança gosta de dormir com os seus pais. Não era por medo, era por carinho e proteção - saber que ao lado tem alguém que não vai te fazer mal. Era como se o cordão ainda existisse.

Meu filho quando pequeno gostava de dormir comigo. Usava seu quarto para brincar, estudar e até para tirar uma sonequinha à tarde. Mas na hora de dormir de verdade, nem perguntava se podia ou não, trazia seu cobertor e se instalava num lado da cama. Diferente de mim, sempre achei que tinha medo de ficar sozinho. Só dormia em seu quarto se tivesse companhia.

Talvez por achar o abraço a demonstração mais forte dos afetos, eu a abracei sem dizer uma única palavra. Sabia que naquele momento palavra não bastaria. Dei o calor do meu corpo. Era o que tinha para dar. E depois de um bom tempo ouvindo os nossos corações, o choro veio miúdo, sofrido, abafado pelo meu peito. Nenhuma palavra, somente soluços e suspiros longos.

Com o tempo veio a bonança. Faz parte da ordem natural das coisas. A noite sempre dará lugar ao dia, mesmo que você não queira.

Amanhã quem sabe o meu abraço não terá um outro significado. Mas no momento eu lhe peço: se perceberes que estou triste, abraça-me, abraça-me apertado. Não diga nada, apenas me abraça.


Fatal


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Não queira saber o que estou sentindo. Não me peça para revelar o que em mim está guardado por tanto tempo. Sou ave presa à espreita de uma fresta. Um dia, quem sabe, saberás o que em mim ficou e se sobrou alguma coisa de nós dois. Quando se olha para trás, perde-se o que está vindo. Sigamos! Mesmo que numa paralela. Revisito somente o que em mim deixou claridade. Não é o caso!

Nem sempre estamos preparados para darmos de cara com a Monga. Não é mesmo?! O espelho jamais revelará a alma. Fora tão superficial tudo aquilo, mas que só agora eu percebo a perda de tempo - fora tudo ilusão. Pura física. Nada além disso.

Às vezes para atravessar o desconhecido temos que nos equilibrar num fio não muito resistente – faz parte do perigo (ou da vida). Lá estava a aranha em sua teia, do outro lado do abismo, à espera de seu visitante. Depois de seu propósito, a morte é certa. Faz parte de sua natureza. Dela e de muitas outras.

Ela sabia que não era amor, mas fingiu ser. Ela sabia que não duraria, mas fingiu eternidade. Ela não tinha oito pernas, mas o enlaçava como se tivesse. Ela sabia o que queria, mas fingiu ingenuidade. E depois de seu propósito, diferente do aracnídeo, amputou os seus membros. Faz parte de sua natureza, abandonar quem lhe quer bem. No caso da aranha, o macho sempre sabe que não sobreviverá.

Como sei que nem sempre vou estar preparado para dar de cara com a mulher-gorila, evito o jogo de espelhos. Não me arrisco no desconhecido e prefiro o chão batido. Sempre há a esperança do nascer de uma flor. É da minha natureza acreditar.

Então, não me pergunte o que estou sentindo. Não me peça para revelar o que em mim está guardado. As virtudes são minhas, os defeitos são meus e os pecados eu pago depois. As gavetas já foram arrumadas, as paredes mudaram de cor e o jardim... este, está mais colorido – as flores são outras.

E agora, exatamente agora, termino o texto ouvindo fósforo queimado deitado na rede da minha varanda.


Sintonia




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Acordei com uma vontade danada de estar com você. De quando em vez tenho a sensação de que tudo está fora do lugar. Hoje, meus olhos demoraram a enxergar. Insistiram em querer sonhar. De olhos fechados enxergo melhor o invisível. Palpável somente dentro - a alma sabe afagar o que os olhos não alcançam. Sonho. E sonhando vou levando, transformando, imaginando outros sonhos e colorindo o que antes não tinha cor. Colorir a vida é necessidade básica, nesse momento tão incerto. Principalmente em tardes tristes como a de agora.

Ela estava sentada ao meu lado. Uma mistura de verdade e ilusão. Ainda continuo tímido na multidão. Esparramado somente em meu quarto. É nele que canto e danço bolero; que sorrio e choro; que falo o improvável e assopro palavras em corpos nus. Meu quarto, meu templo.

O dia ficara mais quente e mais claro quando ela chegou. O sábado se transformara em poesia de Vinicius. A minha boca, inexplicavelmente, tornou-se menos tímida que os meus olhos, e o silêncio fora quebrado e nos descobrimos em assuntos variados sem pé e sem cabeça. A diversidade fez o lugar e sorrimos juntos e bebemos juntos e fumamos juntos. Ela trouxe, de volta, um tempo que eu pensara ter perdido para sempre. Ledo engano.

Tem gente que consegue tatuar a nossa alma. Ela tatuou-me de primeira. Gosto disso! Tesão instantânea. Vontade de estar e querer ficar. Quereres sem fim. Plantar e esperar o fruto amadurecer.

Tem gente que consegue afastar pra bem longe o que é triste. As nuvens negras se foram levando com elas a desesperança. Deixando comigo a leveza do ser.  

Tem gente que consegue, somente com um sorriso, transformar um dia qualquer em domingo. Espreguicei-me em sonhos e possibilidades. A rede embalou-me até o sono chegar.

Tem gente que consegue voar em poesias. Agarrei-me em suas asas e viajei para bem longe dali em rimas e devaneios.

Tem gente que consegue nos deixar do avesso. Por alguns instantes tornei-me o mais canalha dos homens.

Tem gente que sabe chegar. A tarde se foi e ela também. Mas o céu afagou-me depois do crepúsculo com estrelas, lua prateada e feitiço.

Tem gente que consegue transformar um momento casual num futuro provável. Acordei com uma vontade danada de tê-la só para mim.


Sorte! Ela me deu o número do seu celular.

Esperança


Flower power. Acho que temos que começar a florir as nossas vidas novamente. Mas sem LSD, por favor! Hoje, psicotrópicos não combinam com a não-violência – estamos no século vinte e um. Que me perdoem os influenciados pelo poeta Allen Ginsber, mas se drogar não está com nada. Prefiro as sacadas floridas do Ziraldo, o poder das flores do Vandré e as rosas do Cartola.

Eu acredito no poder das flores.

Temos que florir e perfumar algumas cabeças que teimam em pensar somente no mal. Incensá-las com cheiro bom é mais que necessário, é vital. Chega de teorias de conspirações! Chega de transformar os mais ingênuos em massa de manobra para poderes escusos. Sejamos mais conscientes sem perder a alegria. Alegria que está no nosso DNA. A alegria só incomoda ao mal - amado. Quero mais textos e poesias de amor. Mas, por favor, sem a demagogia de uns e outros, que aparecem de bons moços, mas que na verdade não merecem o nosso respeito. Basta de violência aos mais frágeis. Que termine logo essa guerra de gênero. Um ípsilon não pode ser mais que um xis, ou vice versa.

Eu também acredito no poder das cores. Quando ela chegava com uma blusa colorida, estampada ou não, era sinal que estava tudo bem. Se abrisse um sorriso então, a noite foi boa e o nosso dia seria melhor ainda.  Agora, corra pra bem longe se o modelo apresentado fosse preto da cabeça aos pés. A bruxa estava solta e o melhor é não dizer nada. Contrariá-la era suicídio. O melhor era ficar em silêncio, na esperança de um amanhã mais colorido.

Flores e cores. Combinação perfeita para um dia bom. E que as cores de abril de Vinicius de Moraes estejam todos os dias e em todas as estações e principalmente em nossos corações.




A namorada

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Ela estava ali para ser admirada. Impossível não notá-la. Meus olhos brilhavam ao vê-la debruçada no muro de concreto. Sentia uma imensa vontade de contravir; de tirá-la de cima daquele muro frio e levá-la direto pra casa. Mas o que diria, quando me perguntassem onde a encontrei? Diria que infringi a norma da casa e a roubei do vizinho?  Não, não seria honesto com o vizinho e muito menos com quem me educava.  Então, passei a admirá-la mais de perto. Escalava o muro e a cheirava profundamente. Nunca uma rosa branca fora tão perfumada. O dono da casa e da rosa descobriu-me e acabou virando meu amigo. Contou-me a história da roseira – uma história mais linda que a flor.

Admiro aqueles que conseguem cultivar flores, que as tratam com carinho, doando seu tempo para mantê-las vivas e fortes. Uns dizem que é dom, outros dizem que é técnica. Prefiro dizer que são ambos misturados com amor. Acredito que sejam pessoas apaixonadas pela cor e pelo perfume delas, pessoas pacientes e sonhadoras. Não estou aqui enaltecendo os paisagistas – estes são profissionais. Estou me referindo aos domésticos que fazem o que fazem por hobby, os jardineiros amadores que fazem de um lugar monocromático um lugar perfumado e colorido. Um lugar todo deles.

De repente o terreno baldio ficou coberto por girassóis.  Sempre passava pela rua e reparava aquele lugar jogado, cheio de entulho e mato alto.  Mas alguém teve a delicadeza de limpá-lo e flori-lo com girassóis – os passarinhos agradeceram. O verão ficou mais florido.

Nunca fui bom em plantio. Não pela bobagem de ter ou não ter mão boa para isso. Mas pela falta de paciência, dedicação e técnica. Gosto do imediato, do agora. Não sei esperar.

Ela não estava ali somente para ser admirada. Meus olhos brilharam quando a vi pela primeira vez.  Senti uma imensa vontade de tê-la, de levá-la imediatamente comigo. Mas ela era mais que uma Rosa debruçada num muro de concreto. Levei-a comigo em meu coração. Desejo secretamente aflorado em arrepios e calafrios.  Não por muito tempo. Pois, depois de alguns encontros e desencontros, ficamos juntos fazendo história por uma estação.