A sensação era de estar flutuando. Quantas vezes achei que
podia voar. Não o voo migratório dos pássaros em busca da sobrevivência, mas de
suas penas ao vento, sem direção, num flutuar empurrado por correntes termais.
Um voo desconhecido e sem medo. Não,
nada de ser piloto de aeronaves, astronautas em viagens estelares. O meu céu
estava em minhas mãos e a minha viagem sempre fora solitária em minha retina.
Já andava com as minhas próprias pernas, os meus mergulhos eram infinitos e as
minhas asas não eram de cera.
A sensação era de estar sempre flutuando. Um flutuar sem
direção, sem controle, uma viagem aflita e sem chão. Dias, meses sem a menor
previsão de aterrissagem. Não era mais o
voo da pena. Era apenas a cegueira da realidade. Era a incerteza no olho do
furacão, no epicentro da indignação. E aquele céu que sempre estivera em minhas
mãos, se desfez entre os meus dedos, se perdera de minha retina, e as estrelas
nele existentes apagaram-se para sempre.
O azul da pérsia que
outrora estava cravejado de sonhos se fora tingido de negro, engolido pela boca
da bruxa.
Ainda sonho; ainda flutuo. Mas a intensidade é outra. Não é
mais um voo longo, ou um flutuar sem direção. E nem poderia. Os pés
calejaram-se e os braços não se sustentam por tanto tempo no ar. Mas, mesmo
assim, ainda sonho e flutuo num céu desenhado pelos meus olhos miúdos e menos
fúteis.
Hoje, pela manhã, acordei com a sensação de estar pisando no
ar. O meu corpo estava mais leve e os meus olhos desenhavam nuvens. Não era um
voo de sonhos; um flutuar serenado. Não havia estrelas e o céu escureceu como
num eclipse total. E quando a lua se foi, meus olhos enxergaram uma tarde azul
e fresca. Uma nova sensação brotou da alma. O vento chegou à varanda da minha
casa trazendo-me novos sonhos, novas cores. Um sentimento que há muito não
sentia. A sensação é de estar flutuando
na direção certa.
Paulo Francisco