Planando




A sensação era de estar flutuando. Quantas vezes achei que podia voar. Não o voo migratório dos pássaros em busca da sobrevivência, mas de suas penas ao vento, sem direção, num flutuar empurrado por correntes termais. Um voo desconhecido e sem medo.  Não, nada de ser piloto de aeronaves, astronautas em viagens estelares. O meu céu estava em minhas mãos e a minha viagem sempre fora solitária em minha retina. Já andava com as minhas próprias pernas, os meus mergulhos eram infinitos e as minhas asas não eram de cera.

A sensação era de estar sempre flutuando. Um flutuar sem direção, sem controle, uma viagem aflita e sem chão. Dias, meses sem a menor previsão de aterrissagem.  Não era mais o voo da pena. Era apenas a cegueira da realidade. Era a incerteza no olho do furacão, no epicentro da indignação. E aquele céu que sempre estivera em minhas mãos, se desfez entre os meus dedos, se perdera de minha retina, e as estrelas nele existentes apagaram-se para sempre.

 O azul da pérsia que outrora estava cravejado de sonhos se fora tingido de negro, engolido pela boca da bruxa.

Ainda sonho; ainda flutuo. Mas a intensidade é outra. Não é mais um voo longo, ou um flutuar sem direção. E nem poderia. Os pés calejaram-se e os braços não se sustentam por tanto tempo no ar. Mas, mesmo assim, ainda sonho e flutuo num céu desenhado pelos meus olhos miúdos e menos fúteis.


Hoje, pela manhã, acordei com a sensação de estar pisando no ar. O meu corpo estava mais leve e os meus olhos desenhavam nuvens. Não era um voo de sonhos; um flutuar serenado. Não havia estrelas e o céu escureceu como num eclipse total. E quando a lua se foi, meus olhos enxergaram uma tarde azul e fresca. Uma nova sensação brotou da alma. O vento chegou à varanda da minha casa trazendo-me novos sonhos, novas cores. Um sentimento que há muito não sentia.  A sensação é de estar flutuando na direção certa.

Paulo Francisco

8 comentários:

  1. Lindo te ler e aparte final,bem animadora,alentadora.
    Novos voos esonhos! abraços praianos,chica

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  2. Estava me angustiando esse teu voo descompassado e quis, de alguma forma, tocar tuas asas.

    Ainda bem que, no final feliz, o voo se deu pelo jeito certo.

    Você proseia poesia.
    Beijo!

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  3. ...abri minhas asas e voei
    contigo sem medo por que
    sabia que o final seria
    feliz!

    beijos, poeta lindo!

    Vivi

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  4. Realmente é um lindo texto!
    Prazeroso de ler.
    Esse voo valeu a pena.
    Parabéns Paulo.É muito bom saber que está voando na direção certa!
    Beijinhos.

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  5. Amigo Paulo, que lindo texto/poema, a alma sempre quer alçar voos incríveis, ainda bem que podemos, sim, podemos, assim como fizestes aqui, ainda bem que bons ventos sempre chegam aí, na varanda de sua casa, levando com eles as lindas cores da vida!
    Abraços bem apertados!

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  6. Alguns penas arrancadas impedem lindos voos, até que um dia a alma sente uma sensação boa, as penas voltam a crescer, e novos voos acontecem naturalmente.
    beijo

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  7. Bom dia Paulo.

    Muito linda a sua prosa, eis que o voo se fez bem como a vida, precisou aprender equilibrar-se, seguiu em frente e venceu no final... Muito lindo mesmo, parabéns!
    Abraço, lu.

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