Para o meu bem querer
Estava tão distraído que não
percebi sua chegada. Quando dei por mim, seus braços e pernas estavam
enroscados no meu corpo. Tarde morna de pouca luz e pensamentos cinzas. Chegou
na hora certa. Salvou-me da tristeza que estava por vir. Esqueci tudo e recebi
seu carinho como um menino acalentado por quem o ama. Não disse nada,
simplesmente aqueceu meu corpo com o seu. Sabia que naquele instante o silêncio
pertencia-me e era necessário como o vento ao mundo. Deixou-me quieto na
particularidade da minha mansidão. Éramos poesia em construção. Paisagem a ser
colorida.
Os meus olhos sorriram
quando perceberam sua presença num sono tranquilo. A noite estampada de
estrelas, decorava a janela. A penumbra guiou-me para fora do quarto. Não
queria acordá-la. Torcia para que estivesse sonhando comigo - Exagero de quem
estava com fome de amor.
Estava tão bonita que não
parei de olhá-la. Fiquei de longe, de soslaio, sem dar bandeira. De quando em
vez, encarava-a por alguns segundos. Éramos dois estranhos naquele ambiente de
gente conhecida. Na claridade, éramos invisíveis. Revelávamo-nos somente com o
aparecimento da lua – nosso instante era crepuscular. Ficamos nessa condição
por muito tempo. Hoje, tudo mudou, somos dia, somos noite, somos todos os dias
se quisermos. Mas ainda assim, preferimos a lua e a invisibilidade. Liberdade
pra poucos. Concessão amorosa de quem sabe o que quer.
Furtou-me o ciúme e doou-me
a crença. Fico mais tranquilo assim. Na terça-feira passada (13 de novembro), o
celular vibra – era ela:
- Paulo, tudo bem?
- Tudo...
- Vi você, hoje à tarde,
entrando na loja O Boticário.
- Fui comprar uns mimos para
as moças do consultório do Marcos...
- E a moça que estava com
você?
- É uma colega do trabalho.
Foi comigo, me fez companhia...
- A gente se vê hoje?
- Você sabe que não...
- Ok, hoje é um dia
especial... dia de solidão...
- Verdade!
- A gente se vê amanhã
então.
- Beijo...
Na distração, prefiro o meu
silêncio, a minha capacidade de viajar entre nuvens e tingir-me de cores
guardadas no peito. Acho que ela tenta entender esse comportamento clandestino,
essa ausência de corpo presente, essa limpeza de feridas antigas. Mas não sei
até quando... Nesse feriado grande, desci para molhar os pés no mar. Ela
preferiu seguir outros caminhos.
Estava tão distraído que não
percebi sua despedida.
Lindas e intensas palavras que nos colocam a ver a cena...Feliz 2019 sem solidão! abrção,chica
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ResponderExcluirHoje, tudo mudou, somos dia, somos noite, somos todos os dias se quisermos. Simplesmente lindo!!
Beijos.