Sussurrar era necessário. Vivia,
pelos cantos, murmurando em segredos. Hábito adquirido pelo medo de não poder se
expressar em verdades. Época em que o sim e o não eram suficientes como
respostas. Opinar era impossível; debater nem pensar. A ignorância obrigava-o a
correr pelas ruas do bairro em gritos e tagarelices. Palavras e frases soltas
para muitos, mas de extrema importância para o moleque que adorava viver.
O silêncio era escudo. Proteção
que muitas das vezes era rasgado por gritos agudos causados por espancamentos
desmedidos de quem deveria proteger.
Bastava um olhar mal interpretado para o corpo franzino receber fios de
ferro – de- passar roupa, cinto com a fivela para machucar, tamanco português,
ou qualquer outro objeto que pudesse marcar a carne de quem nascera para ser
amado e não para ser açoitado. As nádegas eram bolsas de sangue pisado; as
coxas eram tatuadas pela fivela que fazia urinar de tanta dor. As costas eram
lanhadas em feridas vivas. Água com sal na bacia de alumínio era o unguento
para aliviar a dor; mas de quem?
O abandono foi um presente.
A pré-adolescência chegara com
o álcool e o fumo. De casa em casa,
buscava incessantemente por carinho. Abria os braços quando o sorriso era
sincero. Sorria, quando o aconchego era quente e seguro, sem se importar de
quem. A carência era tanta que qualquer palavra de bondade era agradecida com
um olhar brilhante e sem medo.
As cicatrizes eram profundas,
de quando em vez, jorrava o sangue guardado.
A solidão não o abandonara. O ardido da pele jamais passara, por mais
que a brandura do relento o cobrisse por inteiro.
Aprendeu disfarçar a tristeza;
a esconder as marcas; a enganar outros olhos. Aprendeu a sorrir. Tornou-se
adulto - mesmo faltando-lhe um pedaço - sobreviveu.
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