Em Garde

Xeque-mate! Não jogo xadrez. Nunca me interessei por esse jogo. Talvez por não gostar de matemática e ser um péssimo estrategista. Mesmo não gostando do tabuleiro, sempre gostei da frase xeque-mate. A frase me chega como uma vitória classuda e para quem a ouve uma decepcionante derrota. É um jogo de cavalheiros e estrategicamente solitário.

Já a palavra touché é fulminante, acaba com o oponente com um golpe certeiro. O touché não tem o mesmo sentido que o xeque-mate. Ele elimina o adversário na sua inabilidade. É uma batalha individual na qual você não pode deixar ser tocado em suas áreas vitais. Caso contrário, será vencido. Sou distraído demais pra este jogo.

Já recebi muitos xeques-mates e muitos touchés por aí.

Quantas vezes a minha estratégia em chegar ao campo do meu oponente foi por água abaixo por um simples equivoco; por uma simples colocação errada de uma frase. Não adianta tentar voltar atrás. Já foi lançada e, o meu contrário, já a agarrou e, sem piedade vai me dizer: ¨Xeque-mate!¨ Quando isto acontece é como ficar sem roupa em plena missa de domingo – não tem desculpas. Perdi. Fui menos inteligente – dureza em aceitar.

Numa batalha vale tudo? Não sei. Mas numa esgrima vale a elegância de cada movimento e você deverá tocar o outro na sua vulnerabilidade. O touché imobiliza o rival sem a possibilidade de um contra-ataque. Touchè! Você acaba de ser tocado. Não tem jeito, ser atingido em áreas vitais impossibilita a reabilitação.

Não me conformei e desafiei para um duelo e não demorei muito pra ser atingido no coração. Não adianta, não sou bom em confronto. Distraio-me com facilidade. Sou um sonhador nato. As minhas guerras e batalhas não têm armas e nem invasão.


Paulo Francisco

Muito mais que romântico

Ela era tudo que eu tinha. Eu não entendia os meus sentimentos. Afinal, eu era tão menino ainda. Eu não consegui entender o porquê do tamanho daquele desespero. Afinal, era tudo tão proibido. E tinha em mim, um medo tão latente e verdadeiro de perdê-la antes de tê-la, que me fazia sofrer e ao mesmo tempo sonhar.

Ela era a senhora de meu bosque encantado; a feiticeira bonita que mudava, num zás, o meu corpo infanto-juvenil, num corpo de um homem aflito e impulsivo.

Aprendi desde muito cedo a velar e a segredar o proibido.

Ela era tudo que eu tinha – dor sem fim. Eu sabia que meus braços jamais a alcançariam de outra forma senão em abraços ternos. Minhas mãos jamais a pegariam senão em caricias secretas.

Contentei-me, por muito tempo, a existência de sua nudez vertiginosa em gozos roubados em tardes escondidas. Mas, um dia a gente cresce; um dia se descobre que nada é impossível quando há amor, quando há alma atrás da carne.

Ela era de uma forma ou de outra, o inalcançável, mesmo estando inteira em minhas mãos.

Meu primeiro amor, minha primeira dor. Meu primeiro pecado, minha primeira vertigem.

Até então, eu não sabia que a alma doía.

Hoje teclo neste computador a dor da alma. Minha alma dói, ela dói por não ser inexistente; ela dói por estar pálida; ela dói por não ser volátil; ela dói por estar compacta.

Minha alma dói, simplesmente dói.

Escrevo o que vem de mim, e o que vem não é o pensamento de ontem, não é o que virá de uma certeza medíocre, de uma rotina imposta, de um amanhã sabido. Teclo o que tenho hoje, teclo neste imediato confuso; teclo neste instante em que vivo; teclo neste agora registrado pelo barulho do dia, anunciando que em pouco tempo o sol irá embora.

Ela ficou triste com a minha partida repentina.

Minha respiração está fraca, muito fraca - é necessária que ela esteja assim – fraca, quase ínfima - para que o ar engolido pelo meu corpo não apague as marcas entranhadas em minha mucosa rubra e brilhosa.

Eu não quero isso nem aquilo. Quero muito mais ou tudo isto.

Cuidadosamente, eu a seduzi e me tornei seu pecado original. Foi belo, foi eterno, foi celestial. Todos os medos e todas as transgressões no olho de um furacão emocional.

Respiro lento, cuidadosamente lento, pra não desmanchar as cicatrizes pálidas que se encontram, em alto-relevo, na minha derme exposta.

Ainda tenho, em minha carne pálida, cortes abertos, feridas mortas, marcas de minha sobrevivência, sangue em efervescência. Eu tenho em minha carne registros de minha existência, tatuados em nomes invisíveis.

Nesta máquina gelada, transfiro o que há em meu peito, que por hora, encontra-se quente, em borbulhas de interrogações doidas. Ah! quem dera eu pudesse apagá-las!  Mas se apagadas, desintegro-me também. Sou a minha própria marca. Sou refém de mim mesmo.

Sim, você pode até achar que tudo isto é um lamento. E é. Sou construído de camadas, mas não sou casca; sou preenchido por fluidos – líquidos que transbordam sentimentos reversos.

Se eu tenho ódio? Sim. Se eu tenho amor dentro de mim? Claro que tenho! Tenho ódio e  amor  em convivência aflitiva e deles tento sobreviver neste exato instante. Turbulência caótica em desejar e amar; em querer e poder.

Sou gente e meu sangue é escuro e denso. Sou humano. Sou Homo sapiens de sapiência em construção.

Não me condene antes de saber de mim, se sou ou não o carrasco de seu viver. Não me aponte antes  de descobrir se a imagem vista é o seu real obscurecer.

Lá fora, chove neste final de tarde, água imprópria que cai em minha porta, impedindo-me de ver o cair do sol. Quero sair daqui e ao mesmo tempo, quero ficar. Quero terminar o que escrevo e ao mesmo tempo, tenho medo de que o texto chegue ao fim. Dicotomia vivida, encruzilhada perdida.

Escrevo palavras soltas, frases que não se encaixam, escrevo o que está dentro e fora de meus olhos.

Olho para as minhas mãos e percebo um leve tremor. Talvez seja o temor da dor, da insistência em querer ficar por aqui. Sinto dor.

Estou vivo. E é neste viver insólito que a minha alma dói. Dói neste exato instante de lucidez. Dores finitas que chegam, em fisgadas finas e quentes, à minha carne já enfraquecida.

Sou o homem são que ao ver o mundo, silencia-se para esquecê-lo.

Viajo em trilhas perigosas onde garras afiadas se armam para um futuro ataque.  Eu voo e escapo dos dardos envenenados deste mundo tramado.

Tu não me sabes, mas eu te sei.

Escorrego pelos fios da teia da aranha. Deslizo-me no ácido viscoso da mosca. Agarro-me no aguilhão do escorpião, adormeço no ninho da Naja.

Guardo na memória desta máquina fria o que transborda pelos meus poros: calor, dor, amor e paixão. Paixão pela vida; amor pelo próximo, mesmo a grandes distâncias.

Teclo em fúria produzida pelo descaso humano. Desnudo-me de mim. Torno-me o sereno que molha as calçadas por onde o vagabundo passou.

Em minhas mãos, desenho o punhal que cortará o cordão que liga as dimensões inequívocas entre nós.  E, aí, duas pontas surgirão e flutuarão no vácuo de nossa existência; dois cordões crescerão e se tornarão cabos de aço que sustentarão os vagões de nossas vidas. Eles se interligarão em outras dimensões: a dimensão da razão e a dimensão da emoção. Seremos um todo e como tal frutificaremos o nosso pomar.

Ela é tudo que eu tenho.  Teclo o meu imediato, o meu pensar e o meu pesar. Teclo e registro o óbvio: se não o faço, não vivo.

Ela é tudo que eu tenho – a esperança é tudo que eu tenho. Afinal, sou adulto e sei que com ela tudo é possível.


Paulo Francisco

¨Se você fosse minha namorada¨

Quando adolescente, ouvia uma determinada música e de imediato me lembrava da namoradinha do momento ou do passado. Acho que os jovens de agora não curtem este negócio de oferecer música para o seu amor.

Na minha juventude, respirávamos música.  Então, nada demais a música fazer parte de uma relação. Será que hoje os jovens respiram música? Acho que não tanto quanto antes.


Dançávamos juntinhos. A cabeça  em rodopios que entorpeciam, enquanto os corpos se aqueciam em lentos movimentos.

A luz negra, camuflando os sedentos pensamentos bons, fazia parte dos bailes de final de semana. Era assim que dançávamos. Hoje já não danço.


Mas permaneço a entorpecer-me e aquecer o meu corpo, ouvindo melodias em baixos decibéis à meia luz do abajur de meu quarto, ou não.


Dancemos em acordes invisíveis. Ouçamos corais de querubins! Mas se você fosse minha namorada, certamente, eu dançaria; dançaríamos nestas noites insones de madrugadas silenciosas, quando a música que nos embala é o desejo telepático. 


Ah, Se você fosse minha namorada!  Ouviríamos orquestras de cordas e sopros. E eu que não sou cantor, arriscaria em seu ouvido uma canção. Uma canção de amor.

Paulo Francisco

¨Eu sei que eu tenho um jeito...¨

Quero muito mais. Às vezes me torno exagerado. Gosto do excesso. Se não pode ser por inteiro, então não me serve. O que adianta um pedaço de pudim se estou de olho na travessa inteira? Uma taça de vinho é o começo pra chegar ao fundo da garrafa. Nem meia noite, nem meio dia. Quero o sol e a lua e, depois, a prorrogação. E no final quero empate. Pra mais tarde ter a decisão por pênalti. Chute a chute; gol a gol.

Tensão e felicidade.

Vivo a partir do exagero, do surreal. E daí? Sou espalhafatoso, mas a timidez me convida para uma dança no salão vermelho. Sou chorão, mas a alegria me convida a gargalhar.

Isto! Sou o que não veem. O retrato três por quatro é figurativo. Mas o borrão ao lado não.

Mas quem realmente está exposto por completo? O cara de batina? A farda de maior patente? O jeito pudico da moça? A boca vermelha da puta? A velha senhora com a sua sombrinha?

Este meu jeito exagerado de ser, confundido como dramático é, e sempre será, a minha marca. Marca de nascença, tão verdadeira como o sinal nas costas dela.

Não me contento em somente olhar, tenho que cheirar. Sou táctil, minhas mãos tem que escorrer entre suas pétalas. Só me conformo e me conforto quando percebo sua suavidade e seu aroma.

Exagero? Pode ser! Mas é assim que sou. Fui criado com duas sessões de cinema - numa Greta Garbo e na outra Marlene Dietrich.

Dramático? Quem sabe! Ouvia novelas no rádio.

Romântico? Sim! Escrevia carta de amor sem o menor pudor.

Eu sou assim:

Gosto de beijos demorados e apertados. – é assim que sei amar.


Paulo Francisco

Clic

Como se faz para uma pessoa desaparecer? Contrata um mágico ou um pistoleiro?

Já vi acontecer das duas formas. Confesso que nunca entendi nenhuma delas.

A mágica faz desaparecer, mas o retorno do desaparecido sem nenhum arranhão e sorrindo é fato.

O mágico é fascinante, ele passa certo mistério, certo medo, deixa-nos de olhos fixos em sua tarefa – é um desafio tentar descobrir como ele faz. Mistério!

Mas mágico que é mágico não deixa rastro.

O que faz uma pessoa mandar eliminar de vez outra pessoa? Nunca entendi bem. Foge-me à compreensão. Não sou nenhum santo, confesso, às vezes, sinto tanta raiva do outro, mas desejar sua morte está longe de mim, quanto mais mandar eliminar. Até porque a raiva passa.

Eu não consigo entender o prazer que uma pessoa tem em tentar eliminar a harmonia do outro. Acredito que pessoas assim não sabem o que é o amor. Não amaram e nunca foram amadas. Uma pena – amar é a coisa melhor do mundo.

Qual o benefício em desarmonizar? Será que existe algum beneficio? Prazer pessoal? Que prazer é este?
Por outro lado, também, não consigo entender uma pessoa que se deixa, tão facilmente se desarmonizar. Depois de uma certa idade, quando passamos por tantas coisa, temos mais que transcender e não acumular. 

Como se faz uma pessoa desaparecer?

Aqui, basta um clic...


Paulo Francisco