à moda antiga

Acordei com uma vontade enorme de escrever algo neste blog que fosse a cara dela, que a deixasse totalmente de pernas bambas, que fosse mais que uma crônica; fosse, então, uma carta de amor. Carta..., pois é, quando eu fiz um texto falando de cartas de amor um tempo atrás, recebi o comentário de uma senhorinha, de seus setenta anos, dizendo-me que o texto estava lindo, mas o escrever carta, estava em desuso, se tinha outros meios de comunicação mais rápidos. Ri, simplesmente ri. A metáfora era verdadeira.

Escrevia bilhetes amorosos antes mesmo de ser alfabetizado. Não aprendi a frase que dizia a vovó viu a uva, aprendi que ela É uma uva – não a vovó é claro. Eu escrevia cartas de amor. Eu ainda escrevo cartas de amor, mesmo que depois eu as guarde na gaveta.

Voltando ao assunto que me faz escrever esta crônica

Eu queria, verdadeiramente, dizer algo que a fizesse feliz ou que mostrasse todo o amor que tenho por ela. Mas como dizer-lhe coisas ao pé do ouvido com todo mundo lendo? Como acariciar seus cabelos com todo mundo vendo? Sou tímido e as minhas metáforas já estão batidas e repetitivas. Agora, eu fico aqui com mais de 180 palavras escritas e ainda não disse nada que a deixasse de pernas bambas, que sentisse vontade de sair de onde estivesse pra abraçar-me e me encher de beijinhos, mesmo que telepaticamente.

Acho que vou escrever uma canção de amor. Não, melhor não. Já sei! Um poema! Não, não seria uma coisa inédita e, ainda, corro o risco de ela achar que foi feito pra outra pessoa. Não vou me arriscar.

Acordei com essa vontade enorme de escrever pra ela e, agora, não consigo dizer tudo que sinto. Às vezes, eu sou assim: um tanto quanto atrapalhado, perco-me diante das palavras.

Acho que vou mudar o ritmo dessa prosa e dizer o seguinte: Acordei com uma vontade enorme de gritar o seu nome e dizer o que eu sinto por você para o mundo inteiro ouvir. Fica mais fácil de executar, não terei nenhuma crítica escrita, estarei sozinho com a natureza e continuaremos guardando segredo de nosso amor secreto.

Com licença, vou colocar o meu tênis e ir ao lugar mais alto desta cidade pra fazer a minha declaração de amor a ela. Só espero que a senhorinha não venha dizer-me que é bobagem tudo isto, porque  hoje se tem o celular. Aí eu morro, morro pelo o amor que ainda me faz ser romântico, morro ipsis-verbis. Ah, morro sim!.


Paulo Francisco

Outubro

Cadê o Paulo? Adorava ficar escondido e ouvindo as pessoas me procurando. Quase sempre estava em lugares impossíveis de me encontrarem. Por que as crianças gostam de se esconder? Lembrei desta passagem em minha vida, quando vi um menino tentando se esconder de sua mãe no supermercado. Ele não estava escondido, ele simplesmente a evitava, rindo do ar de desespero da pobre mulher. A cada virada de trezentos e sessenta graus sua, um risinho contido do moleque. Parei a certa distância e fiquei a observar a arte versus o desespero em plena multidão frenética e alheia ao fato.

A mulher começa, repetidamente, dizer baixinho o nome do arteiro: Filipe, Filipinho, Filipe, filipinho. O nome escoava entre carrinhos e cestos de compras. De quando em quando alguém parava com a mão no ar, antes ou depois de pegar um produto e ficava olhando pra aquela mulher que não parava de dizer o nome do menino e ao mesmo tempo andava sem direção. Resolvi acompanhá-la imitando o menino.

O garoto era travesso. Ele sabia que aquele desespero podia chegar a histeria e chegou. Além de gritar o nome do capetinha, ela perguntava por ele para os alienados compradores de supérfluos, mas não obtinha nenhuma resposta.

Depois de algumas confusões, o arteiro chega com um pacote de biscoito na mão e com cara de choro dizendo: Por que você me abandonou? A mulher olha pro dissimulado e o abraça apertado dizendo: perdão meu filho! Mamãe está aqui.

No começo achei a cena hilária, mas no final ela se tornou assustadora.

Até hoje me escondo. Mas não fico à espreita observando. Escondo-me de maneira clara. Retiro-me de cena sim, mas deixando recado. Não quero ninguém desesperado a minha procura. Às vezes me escondo em minha própria casa. É necessário um balanço de quando em quando.

Aprendi, a duras penas, que desaparecer é preciso, mas avisar é obrigação. Lá pelos meus dezenove anos, numa plena sexta-feira saí com uns amigos (a minha turma da escola não estava, eram amigos paralelos) e fomos cair numa festa num dos morros da cidade e por lá ficamos bebendo -namorando, namorando - bebendo, bebendo – dormindo - namorando, namorando e dormindo.

Perdemos a noção do tempo. Quando me vi estava diante de minha mãe no portão desesperada em plena tarde de domingo. Nunca mais me escondi; nunca mais deixei de avisar que estava bem.

Aquele moleque do supermercado tem certa inclinação para o desaparecimento temporário.

Então, antes de desaparecer, deixo o seguinte aviso:

Se perguntarem por mim, diga que só volto semana que vem. Que fui namorar a lua, contar estrelas e molhar os pés no mar. Se insistirem em saber o endereço, diga que basta olhar para cima que verão no céu mais duas estrelas. Mas se estiver de dia, corram para o mar, quem sabe terão a sorte de me ver mergulhar até os corais.

Gosto desta coisa do sem destino. Muitas vezes, não sei ao certo pra onde vou. Mudo de itinerário no meio do caminho. Viajo à mercê do vento.

Mas desta vez sei o caminho a seguir e o endereço onde vou cair. Não seguirei o amigo vento. Não usarei mapas. Não baterei na porta. Não serei visita. Não serei turista acidental. Cavalgarei em terras prometidas. Explorarei trilhas cobiçadas.

Vou ao encontro da lua; Pisarei em estrelas; transformarei o céu em mantô e, em penumbras adquiridas, sentirei o odor da primavera, beberei o néctar da flor. Sentirei a brisa lua; molharei meus pés em águas marinhas.

Sim, não estarei escondido. Estarei exposto.

A gosto.


Paulo Francisco

Por e pra ela

Por que você é assim? Depois de uma maratona de descidas e subidas à Bienal, fechei a minha sexta-feira com uma quantidade boa de livros comprados e um tempo record de engarrafamentos acumulados. Estava cansado, a semana foi prazerosa e estafante ao mesmo tempo. Saí de minha rotina – coisa que me dá prazer - mas estava muito cansado – coisa que me angustia. Cheguei à minha cidade com lua e estrelas, e não fui direto pra casa – coisa que deveria ter feito – mas acompanhei Lúcia até o mercado, ela fora comprar cervejas. Disse-me ela, que estava com vontade de ficar em casa de pernas pro ar – coisa de que eu duvidava -. Ela tem dois filhos pequenos. Compramos o seu líquido sagrado e nos despedimos. Ela foi para um lado e eu para o outro. Resolvi, então, parar no João (meu botequim preferido). chegando, encontrei o Valmir e o Wanderlei numa prosa animada. Cumprimentei-os, sentei numa mesinha perto da porta, pedi uma cerveja e senti um prazer enorme de missão cumprida: Os meninos se comportaram como gente grande. Brincaram sadiamente – coisa que na minha época de moleque não acontecia - éramos levados demais para fazermos uma viagem tranquila – zoávamos com todos e com tudo.

Mostrei o que comprara naquele dia para o Wanderlei e discutimos alguns autores.

O bar estava vazio, somente a gente. Percebo o João e o Valmir parados nos olhando... ouvindo.

De repente o Valmir me sai com a seguinte frase: ¨ Paulo, por que você é assim?¨ Cai na gargalhada. Valmir é um farmacêutico dos bons. Minhas conversas sérias com ele rendem aprendizados na área de bioquímica que não tive na faculdade. Antes de ir ao médico converso sempre com ele e o camarada nunca errou um diagnóstico. Mas ele não é das letras, não lê, não gosta e, possivelmente, só lê livros técnicos e certamente no jornal, a página dos esportes. Fazer o quê? Nada.

João, velhinho esperto, carrega consigo a malandragem dos tempos áureos e a aspereza dos tempos duros. Mas é um coroa que gosta de música e consegue lê as entrelinhas de uma letra de música, mesmo tendo pouco estudo.

Já o Wanderlei, é um camarada que passou várias vezes para as faculdades públicas e não cursou nenhuma. Motivo: medo de sair e enfrentar o desconhecido. Ele é daqueles que a cada ano tenta quebrar algo que o prende ao chão. Tem medo de voar.

Talvez, eu seja o estranho no ninho daquele lugar.

Mesmo sendo um local de total descontração, temos um dia para transformá-lo praticamente em nosso – a segunda sem-lei quando pode sair uma bacalhoada, um pato ao tucupi, por exemplo. Neste dia, discutimos sempre assuntos sérios, ou simplesmente nos tornamos pessoas alienadas e bebemos e gargalhamos sem o menor constrangimento.

Pois bem, saí daquela sexta-feira com a frase do Valmir em minha cabeça: Por que você é assim? Sei que ele sempre a usa, quando não consegue se vê na pele do outro.

Por que me lembrei deste dia justamente agora, algumas semanas depois? Simples, ontem ela bateu com o telefone em minha cara por duas vezes. Estava irritada comigo, estava irritada com o meu comportamento, estava irritada com o mundo.

Não sei o que acontece comigo. Há momentos que eu deveria ficar com a boca fechada; deveria ficar somente ouvindo e de quando em quando sair com um ¨hum - hum¨ou ¨Ok¨. Mas não! cismo em abrir a boca pra contradizer. Sei que vai dar problema, mas não tomo jeito, vou e digo o que penso. Pronto, cara amarrada, silêncios eternos, telefone batido na cara, ou um tempo enorme pra me explicar, esclarecer o que eu disse.

Mas como o Valmir mesmo perguntou: Paulo, por que você é assim? Respondo: Não sei.

Gosto dela. Pra ela, sei pedir perdão, mesmo não sendo eu o culpado.

Gosto dela. Pra ela, sei refazer um sorriso, mesmo triste.

Gosto dela. Pra ela, sei onde está o tesouro, mesmo não tendo o mapa.

Gosto dela. Pra ela, sei ser paciente, mesmo não tendo paz

Gosto dela. Pra ela, sei ter certeza, mesmo na mais clara incerteza.

Gosto dela. Pra ela, sei me fazer silêncio, mesmo com o coração gritando.

Gosto dela. Pra ela, sei dizer com o olhar, mesmo não querendo dizer.

Gosto dela. E isto me basta.



Paulo Francisco

Perfume de flor

O vento trouxe um cheiro novo. A porta da sacada estava aberta e o seu quarto foi invadido por um delicado aroma. Era uma mistura de vários cheiros - alguns reconhecíveis, outros não. Ora pétalas de rosas, ora uma fraca alfazema. Jasmim? Lavanda? Almíscar ou Patchouli? - Ele começou a se perguntar, intrigado com tanto cheiro de felicidade.

Junto com os cheiros adocicados, vieram as lembranças. Imagens de uma época quando a fragrância entranhava em sua pele

Adorava ser lambuzado pelas peles macias e aromáticas daquelas com quem jurava amor. A lembrança do cheiro feminino em sua mente era mais forte que as suas próprias imagens.

Maníaco!? Quem poderia dizer? Ele não guardava fotografias, ou nenhum tipo de souvenir de seus antigos amores. Ele preferia ficar com a lembrança do cheiro de cada uma delas. Fotografia envelhece, souvenires se perdem, mas o cheiro, guardado em frascos memoriais, não se perderia nunca.

O quarto cada vez mais invadido pelo frescor dos aromas do passado. E ele, cada vez mais rejuvenescido.

Um nome, uma flor. Uma flor, um cheiro.

E quando seu jardim já estava completo por flores e anjos; por deusas e aromas, ele agradeceu a Deus com um silencioso sorriso pálido e dormiu.

Foi coberto por cravos brancos e amarelos



Paulo Francisco


- Bota outra!!!!!

Começo do fim. Sempre acreditei na possibilidade de um novo amanhecer. Nunca durmi achando que lá fora está negro. Pra mim estaria sempre azul. Mesmo com minhas manias exageradas em alguns aspectos, sempre dormia pensando que teria bons ventos e dia claro ao amanhecer. Acordava e a primeira coisa que olhava era pro céu. Verificava sempre se o céu estrelado de ontem correspondia a certeza do prenuncio de um dia bom do hoje. Era batata, dia bom. Tomava o meu café rapidinho. Trocava de roupa e pegava os meus apetrechos: linha enrolada numa lata de leite em pó e duas pipas por garantia. Esquecia-me da vida olhando pro alto. Ficava ali horas com a pipa no ar. Comunicávamo-nos através de fios e imagens.

Guerreávamos através de linha, bambu e seda. O importante era eliminar o outro, pegar o seu espaço, tornarmo-nos donos do pedaço. Ou você elimina o outro e deixa seguir perdida no ar, onde sempre terá um observador à espreita que fará de tudo para conquistá-la, ou você vence e traz pra si a sua presa totalmente dominada – neste caso, você é obrigado a deixar o espaço para admirar o seu troféu e uma outra ocupará o vazio.

Pipa voada é de qualquer um. Ganha quem é mais rápido nas pernas e braços. Mas nem toda pipa voada chega ao chão. Algumas ficam a vagar por aí, umas ficam presas em galhos altos, fios e telhados alheios, outras passam de mão em mão.

Dificilmente saía de casa desprevenido. Muito raramente carregava somente minha lata de linha, tinha sempre comigo, pelo menos, uma pipa confeccionada por mim. Não gostava de nada pronto, fascinava-me fazê-las – tinha tempo pra perder. Construir uma pipa é imaginar seu tamanho, suas cores e suas possibilidades. Pipa pronta, geralmente tem defeito, foi passada por outras mãos em sua construção – tem vícios e sempre é uma surpresa. Bom pra quem só quer se divertir sem maiores objetivos – não se importa em perdê-la.

Uma no ar e outra no chão. Estratégia de não ficar com a mão abanando. Se a minha saísse voando por aí, aparecia com outra no ar rapidinho, para que ninguém pegasse o meu espaço – não chorava pelo leite derramado, a que voou estava livre pra fazer o que quiser: cair onde quiser, ficar presa em algum galho de árvore ou vagando em outros céus.

O bom daquilo tudo era a surpresa de cada dia. Nunca sabíamos como seria o nosso céu. No final da tarde, poderíamos estar com uma coleção de pipas ou somente com a que levantamos voo no começo do dia ou simplesmente com a lata de linha na mão. Qualquer uma destas opções fazia parte do jogo.

Mas o fim era sempre o começo de um novo dia. O importante era não perder a esperança de um próximo dia bom, porque sempre terão pipas no céu.

Então eu dizia que a temporada de pipas no céu era sempre o começo do fim, por isso nunca deixei de sorrir.



Paulo Francisco