Comigo

Ultimamente, estou andando sozinho. Mas não o sozinho de caminhar por aí. Não, não é esse tipo de solidão que já faz parte de mim. É um sozinho de alma, de companhia amorosa, de estar com o coração acelerado pela ginástica de amar, de ficar bobo em outdoor, de andar nas nuvens e catar estrelas. Sim, ultimamente eu estou andando sozinho de amor.

A chuva me faz companhia, as estrelas me visitam, a lua me ilumina, mas ainda assim eu me sinto só.

O vento me lava o corpo, o sol me queima a pele, o mar me arrepia, mas ainda assim eu me sinto só.

Escrevo em prosa, tento na poesia, escuto canções, busco emoções, mas ainda assim eu estou só.

Grito mil vezes: Ela não te quer mais!

Grito mil vezes, mil vezes eu grito: Nunca mais! Nunca mais!

E mesmo assim ainda continuo só, triste, amorosamente triste e sozinho de amor.

Não me diga que estou valorizando a minha dor, que me torno ridículo quando falo desse amor abandonado. Não, não diga por aí que a minha tristeza e solidão são passageiras, pois, somente a minha alma sabe o peso da dor que ela carrega - dor da falta, do vazio, dor da perda. Somente a minha alma sabe o peso de tudo isso. Somente ela pode me dizer que tudo é passageiro. Somente ela pode me açoitar até a morte. Somente ela pode ressuscitar-me deste vazio de cor. Minha alma, minha vida.

Enquanto a tristeza permanece, e nada de novo acontece, eu fico aqui em frases desfeitas, espanando as cinzas do corpo, engolindo vento, dobrando o céu e guardando estrelas.

Enquanto ando por aí sozinho, caminhando pelo desconhecido, em trilhas sucateadas, procurando por outros corações açoitados, descrevo-me em cada rosto encontrado.

Enquanto eu estou sozinho, vou aproveitando a penumbra do tempo pra desenhar o meu relento. Meu corpo, meu sereno.

Afinal, quem nunca se sentiu vazio de amor?

Afinal, quem nunca sofreu de amor?

O amor preenche, transborda, alaga de emoções o coração e a vida.

O amor alivia, traz doçura, nos faz crescer. Ele pulsa.

Sem ele, o amor, ficamos alienados. Sozinhos, esquecidos, jogados na tela da vida.

Enquanto um novo amor não chega, vou aproveitando esse sentimento e experimentando a solidão em versos e prosas. Vou catarseando a dor em rimas. Expurgando o fel. Destruindo aos poucos a desilusão.

Enquanto o abandono vai saindo lento, fazendo pequenas aberturas na pele, fluindo e fazendo caminhos que se bifurcam para o rio, eu vou, silenciosamente, dizendo ao mundo, em metáforas imperfeitas, em gestos sem sentidos, em escritas tortas e indefinidas, a minha falta de amor. Vou dizendo ao mundo a falta que ele me faz.

Ah, é bom amar e ser amado. Quem não quer ser amado de verdade, sem exigências, sem punição, sem a maldita e cruel desconfiança. O amor completa.

Não, não quero um amor que me corte as asas. Preciso voar acompanhando o vento, flutuar em correntes quentes, olhar o mundo em várias direções.

Não, não quero um amor sofrido. Amor sofrido não é amor, é doença.

Cobranças! Já bastam as da caixa do correio.

Desconfiança?! Já basta a da policia na esquina.

Quem ama confia.

Quem ama entende.

Quem ama acredita.

Quem ama ama simplesmente.

Talvez eu esteja escrevendo muito rápido, sem pensar, sem procurar a palavra perfeita para a frase certa. Talvez esteja me precipitando em dizer que estou só. Poderia mentir. Disfarçar o meu sentimento com sorrisos e piadas. Mas o que adiantaria não ser verdadeiro?  Só evitariam olhares piedosos, lábios sarcásticos - a felicidade dos inimigos. E nada disso importa agora, nem mesmo o contrário disso.

Pensando bem, o que importa os outros? A dor é minha, a solidão é minha, o abandono é meu.  Não é o meu corpo que está carente. É a minha alma que grita por outra, que não aguenta a solidão existente, que precisa de céus claros pra seguir, que se alimenta de estrelas pra sobreviver e da lua pra descansar. O meu corpo não. Ele só precisa de outro corpo e isso é fácil de se obter.

Não é o meu corpo que grita. É a minha alma que chora.

Ultimamente, eu estou andando um tanto quanto sozinho. Mas mesmo assim, ouço canções de amor.




Paulo Francisco


Prazerosamente

















A chaleira apita lá na cozinha. Saio de minha mesa e vou preparar um café. Coloco o pó no coador e despejo lentamente a água quente sobre ele. Viajo naquela transformação. A água, que antes era inodora, insípida e translúcida, se transforma num líquido marrom e aromático. Desce do coador para o bule a minha vontade, a minha alquimia.

Mas a minha viagem não para na mistura do sólido ao líquido. Eu vejo que além desta transformação a água também muda seu estado físico – ela evapora – formando uma nuvenzinha dançante, frenética, quase transparente, escapando dos meus olhos e desejos. Não ligo. O que eu quero está aprisionado no bule.

Olho para a xícara e para a caneca e, resolvo apoderar-me da caneca. Ela cabe mais café e, eu, estou sedento de vontade.

Volto para o escritório e começo a sorver lentamente aquele líquido quente e marrom. Sorvo em goles pequenos. Degusto-o como se fosse o mais sagrado dos líquidos.

Nem amargo, nem muito doce – ele está perfeito no sabor e na temperatura. Deixo tudo que estava fazendo pra ficar ali soprando aquele liquido quente e admirando minha vista da janela lateral. Ali vejo casas, pessoas, carros, montanhas e um céu alaranjado.

Deixo o líquido aquecer minha língua e garganta, percebo quando chega a meu estômago. Cada gole, um dever cumprido, uma vontade saciada.

E no último gole a surpresa no fundo da caneca, aquele liquido, nem amargo e nem doce, se mistura ao açúcar que sobrara, ofertando-me, naquele último gole, uma pasta morena cheio de afeto.

Saciado, volto à cozinha e, devolvo a caneca ao seu lugar, mas antes, lavo-a com a mesma água que antes se transformara em café e vapor.



Paulo Francisco


¨



Esconderijo

Nesta manhã de nuvens chorosas me guardo em pensamentos. Dia de contemplação. Contemplo o teu olhar guardado em mim.

Em manhãs cobertas por véu de noiva me deito em sonho. Transpasso meu sentir e chego do outro lado do pote de ouro. Em manhãs assim, desvario. Faço e refaço caminhos. Chego até você.

Sempre fui um grande viajante do tempo. Minhas viagens eram transcendentais. Viajava em naves espaciais com ETs criados por mim – nunca eram tão feios como nos filmes. Conseguia me ver em grandes caravanas em zonas áridas – verdadeiros desertos.

Cresci e não consegui me livrar dessas viagens transcendentais. Passaram a ser mais coloridas, mais alegres - mas eram ainda minhas viagens.

Mais tarde, já adulto, pareceu-me que este lado aluado de pensar acabaria. Que nada, ele se transformou em pensamentos desejados. Vontades a serem adquiridas - Passei a escrever. Criava paisagens, sentimentos, rostos e amores. Criava, inventava. Era real dentro das minhas possibilidades. Minha invencionice tinha relevo, curvas, brilhos e muita, muita, muita cor. Tornei-me pintor de mim mesmo.

E nestas manhãs de nuvens chorosas me guardo em abrigos. Sou mais pó. Sou fácil de ser levado ao léu. E pra que isto não aconteça, penso em asas e correntes termais. Transporto-me para além das montanhas; pra além das nuvens densas. Para além de pensamentos esquálidos. Transporto-me em luzes suaves de ton-sur-ton. Chego ao meu destino em pouso tranquilo. Deito em seu colo. Durmo em seu peito.

Mas pra que tudo isto aconteça, em dias assim, tenho que ter o seu olhar dentro de mim.

Nestas dias de nuvens chorosas me guardo em ti.



Paulo Francisco

Secretamente sim

¨ Me Leva com você¨.

Ao ler o poema dela senti uma vontade imensa de responder. Mas não podia naquele exato momento expor os meus sentimentos – estava poluído. Sim, estava poluído de outras ideias e não queria que tais pensamentos interferissem no meu pensar.

Ao ler o seu poema, senti o desejo de estar bem juntinho dela, de seguir com ela em pensamentos coloridos; sorrir com os olhos, dizer baixinho em sua orelha palavras de amor.

Sim, senti uma tremenda vontade de responder aquele poema - responder de mansinho; seguir de mãos dadas em caminhos naturais de pedras. Passear em ruas de janelas e portas coloridas. Ah! Mergulhei em suas palavras e agarrei-me em seus pensamentos. Desejei tê-la, tê-la como o pássaro tem o céu; tê-la como os peixes têm o mar; tê-la só pra mim.

Quando li o seu poema, eu sorri. Sorri com os olhos. Abracei seu coração bem apertado. Vi a lua crescendo em cores, o mar em furta-cor, o céu azul carregado de estrelas. O ar, o ar me tocava da mesma forma que a tocava: man-sa-men-te.

Sim, caminhei em ruas de pedras, becos e esquinas pensando nela.

Sim, segurei sua mão e a levei para meu coração.

Sim, repeti baixinho suas palavras de amor.

Sim, gritei em seu silêncio e escorri pelas suas veias.

Sim, carreguei em meus braços e a trouxe para mim.

Quando eu a li, viajei no imaginário; viajei na poesia da alma; viajei em barco a vela. Caminhei em estradas floridas e mergulhei em águas frescas.

Tem poema que nos invade de maneira avassaladora. Tem poema que nos transporta para um mundo virtual e tão real. Tem poema que nos faz acreditar que foi escrito exclusivamente pra nós. Tem poema que nos acaricia com beijos. Tem poema que nos cobre em cores e grita o nosso nome ao mundo.

¨Me leva com você¨.

Ao ler o seu poema senti uma vontade imensa de dizer a ela:

- Sim, venha comigo, que eu te darei todas as cores e gritarei seu nome ao universo.

Leve-me também com você!



Paulo Francisco



Revés






Acordei e não estava em minha casa. Meu joelho direito doía, minha canela esquerda ardia. Sangue escorria perna abaixo. Meu ombro doía. Não era transparente a caixa em que dormia, não havia flores dentro dela. Havia terra em minha cara, minha boca doía. O ar não chegava com facilidade aos meus pulmões.
Levantei e tentei chegar do outro lado da rua. Era noite. Era madrugada. Estava frio e meu corpo ardia. Não conseguia me movimentar com a rapidez que desejava. A dor puxava meu corpo para baixo.
Sentei-me no degrau da escadaria. Urrei de dor, mas, ninguém me ouvia. Contraí todo o meu corpo sujo e manchado. Fechei os olhos e me esqueci do mundo.
Acordei aliviado.  Ainda me encontrava vivo. Andei lento e desesperadamente até o outro lado da cidade. Trôpego, tudo era grande e distante.  Não tinha tempo pra chorar, não tinha tempo pra lamentar. Queria chegar há algum lugar conhecido. A dor voltou, o ardor voltou, o desespero tomava conta de minha alma.
O céu estava negro. As ruas estavam escuras. Uma nuvem acinzentada distorcia a minha visão. Ninguém me lia.
Meus olhos inchados pediam socorro, minhas pernas pediam amparo. Ninguém me via.
Não era mais um sonho. Eu estava acordado e perdido. Zonzo, minha cabeça pesava. Era real a dor existente. Era real o sangue esvaído. Era real o sangue cuspido.
Sentei-me no banco de madeira. A caixa não era uma caixa. Era um caixão. Lembrei-me de algumas passagens anteriores ao fato ocorrido: Eu estava preso por um cordão, as flores não eram flores - eram folhas secas e quebradiças. Eu saíra de um caixão de madeira. Ainda sonhava – já não sabia.
Abri os olhos e me vi dentro de um táxi. Seguia para a minha casa. Meu corpo sofria. Procurei a chave, abri o portão, subi a escada em passos paralíticos. Engatinhei, rastejei até o meu quarto.
Urrei de dor. Desmaiei, talvez.
Acordei e percebi que estava caído no piso gelado do banheiro. Minha cabeça pesava, meu corpo pesava, minhas pernas ardiam.
Acordei e descobri que já era dia, o céu estava azul e o sol me invadia.
Acordei e descobri que tinha sido acidentado. Mas, não me lembrava em que dia.
Agora estou aqui deitado, tentando separar o delírio da realidade.
A única certeza, de tudo isso, é que tenho minhas pernas feridas, dor pelo corpo inteiro e, que acordei pra mais um dia de atropelos.


Paulo Francisco