Adorava quando ela me chamava de
crioulo. O som de sua voz chegava aos meus ouvidos, doce como a própria
cana-de-açúcar na minha boca. Era um crioulo arrastado, cheio de charme e
manso. Preenchia a casa, vestia-me a alma. Era impossível não atendê-la de imediato.
E ela sabia que aquele chamado era ópio na veia. Deixava-me cheio de
vontade e aí conseguia tudo o que queria. Apanhava o pote que a danada
não conseguia alcançar no armário; abria os potes de conservas; entrava embaixo
da cama como uma serpente desengonçada para procurar a tachinha do brinco que
pulara de suas mãos. Era impossível negar qualquer coisa depois de ouvi-la com
aquela canção melosa e sedutora.
Nunca tive apelido na rua. No máximo
era chamado no diminutivo. Carioca adora esse sufixo afetivo - inho. Ela
também. Mas não para Paulinho, e sim para neguinho. Não neguinho como
pessoa indeterminada. Mas um neguinho apaixonado, doce, que chegava me deixar
em êxtase com o tanto de carinho declarado.
O mais gostoso de tudo, é que não era a
toda hora, a todo o momento. Era de quando em vez e quando estávamos
sozinhos. Do contrário, deixaria de ser uma coisa gostosa e se tornaria comum,
oportunizando as outras pessoas a me chamarem assim. Era um crioulo, um
neguinho, nunca gritado, mas cantado. Melodia amorosa e sedutora que me enchia
de tesão. A coisa ficava melhor ainda, quando as quentes palavras vinham
acompanhadas de cafuné na cabeça. Dedos raspando a cabeça era sinal de apelo
amoroso. Carioca herdou o chamego dos nordestinos, que por sua vez herdaram de
nossos índios. Filho de dois nordestinos, com um pé no terreiro africano e o
outro nas clareiras indígenas, tem que gostar de chamegar. Impossível não
gostar.
Dois episódios engraçados aconteceram
com essa coisa de apelidos amorosos. Um aconteceu com uma colega de trabalho
quando falava com seu marido ao telefone. Era sempre um tal de docinho
pra lá, um tal de docinho pra cá, que todos que estavam na sala se entreolhavam
sempre. Até o dia que o camarada foi apresentado para nós e não perdemos a
oportunidade de ficar o tempo todo chamando o homem de docinho. Nunca
mais ela o chamou assim na nossa frente. Carioca adora zoar.
O outro, menos engraçado aos olhos de
quem narra esse texto, foi quando num restaurante, reunido com alguns amigos e amigas,
depois de muitos risos e cervejas, chamei uma colega do trabalho de preta numa
conversa distraída. E, sem perceber, acrescentei gasolina na fogueira, quando
derrapou de minha garganta uma pretinha quase melódica. Não percebera a
mancada até receber em casa uma sandália na testa. O crioulo ficou roxo e
levou o seu galo para o terreiro. As cariocas são tão ciumentas.
Paulo Francisco