Duas faces

Faça um circulo de fogo em volta de um escorpião que de imediato ele se suicida. Mentira! Este artrópode não tem esse sentimento guardado em seus instintos. Ele morre pelo calor do fogo, ele se desidrata e, automaticamente, seu aguilhão se curva como se estivesse sendo encravado em sua própria carapaça. Mas bem que a ideia de que o escorpião se suicida é bem interessante, é quase filosófico, guerreiro, poético ou qualquer coisa dessas inventadas pelo bicho-homem.

Quando a pessoa diz: sou um escorpião! Ela quer dizer o quê? Sou um suicida? Um ser peçonhento e vingativo? Uma pessoa que não leva pra casa desaforo, que não aceita perder?

Então vamos conhecer o outro lado deste grupo de aracnídeo: Ele é um dos mais românticos na hora de se acasalar. Depositam seus espermatozoides (guardados numa caixinha) num substrato limpo e numa corte nupcial ele dança pra fêmea, até hipnotizá-la por completo com o seu bailado sedutor, aí segura-a pelas pinças e a traz até a sua caixinha de amor que é sugada por ela. O escorpião é um cavalheiro que dança para a sua noiva.

Então, eu entendo, que quando se diz ser um escorpião, talvez seja pela fragilidade do ser, pela maneira de se defender e pelo amor que tem pela fêmea. Não vou entrar, neste texto, no mérito da partenogênese - deixo pra outro dia.

Faça um circulo de fogo da paixão em volta de mim, que de imediato, eu danço a dança do amor. Neste caso sou um escorpionídeo.



Paulo Francisco

Sobras




Ele estava totalmente perdido, perdido em seus pensamentos. Viajava pra mundos distantes, talvez para um único mundo – o dela.

Entre a realidade e o sonho; entre o vento e o sol; entre a sombra e a chuva, lá estava ela, sempre ela.
E num destes dias de outono, entre folhas amareladas e patativas insistentes em galhos adormecidos, ele escuta um cantar fino e melancólico. Não, não era uma das patativastristes, era um cantar feminino; era uma voz quase infantil de tão doce.

Admirado com a presença da mulher cantando e tocando violão, no gramado daquele parque, ele se perde em lembranças e sonhos.

Uma, duas, três músicas e, seu encantamento é desfeito, por um borrão contra o sol. Era o par da moça com sorriso de menina.

Enquanto o casal se beija, ele levanta daquele banco de madeira, assustando os pássaros por ali pousados.
O sonhador caminha em passos curtos em direção ao seu carro e, já dentro do veiculo, abre sua pasta e tira um aparelho e, em pouco tempo, lá estava ele de novo a sonhar, ouvindo a única coisa que restou dela – uma canção.