Conspiração

O céu anilado anunciava dança de estrelas. A temperatura amena anunciava corpos aquecidos. Era uma noite de namorados. Tudo conspirava a favor se não fosse o relógio – ela estava atrasada.
Ela perderia a dança das estrelas por estar atrasada. Seu corpo não seria aquecido por estar atrasada. Ela não teria mais o namorado por estar atrasada. Por uma fração de tempo ela não iria mais ao seu encontro.
Não houve beijos; não houve abraços, não houve...
O céu anilado foi presenteado por brumas prateadas, não houve dança de estrelas. A temperatura cai bruscamente, não houve corpos aquecidos. Seria uma noite de namorados, tudo conspirava para ser, se não fosse o relógio – Ela estava atrasada, não chegou a tempo de vê-lo partir.


Paulo Francisco


O Fim




Eu te amei. Este é o tempo do verbo. Quando esta frase foi dita, senti o meu corpo tremer, retive as lágrimas, apertei as mãos em meus joelhos, balancei meu corpo num vai e vem frenético e invisível. Não acreditei. Eu te amei. Esta frase é a certeza de tudo. Não há ódio, resquício de um amor pendente. Não há frustrações. Simplesmente não há mais amor. Ele se foi. Acabou. O som daquela frase registrou que um dia existiu amor, mas que toda dedicação foi em vão, não foi o suficiente. Não foi dito: Eu não te amo mais; não quero mais amar você. Foi dito, em alto e bom som: eu te amei. Esta frase soa como derrota, como se alguém naquela sala, tivesse perdido a chance de amar e ser amado. Que aquele sentimento acontecera em mão única – e aconteceu. Dizer que amou é declarar que você está livre, que está limpo de um sentimento para com o outro. E, que pode seguir seu caminho em busca de outro amor. Quando esta frase foi dita, os cristais se quebraram; as luzes se apagaram e, os olhos, de quem as ouviu, embaçaram. Os olhos, de quem falou, embaçaram. Levantei e dirigi-me para a porta e, antes de abri-la, tornei a repetir: Eu te amei...



 Paulo Francisco

Medusa





Eu não estava olhando somente uma fotografia, eu estava olhando uma árvore que não existe mais; uma casa que não existe mais; um céu que não existe mais, uma paisagem que não mais existe em minha vida. Eu estava olhando para uma fotografia histórica! Nela, estava registrado um momento meu. Um momento em que tive de aprender, aos trancos, a arte da paciência; a arte de conviver a cada segundo. Não estava olhando somente uma fotografia amarelada, estava olhando um pergaminho valioso que me indicava o caminho da liberdade; o caminho da luz. Eu guardo a fotografia como o mais valioso dos documentos. Ela registra a minha primeira derrota épica. Ali não tem uma mulher somente; ali tem um ser mitológico que quase me transformou em pedra.

Paulo Francisco

A equilibrista







E ela vinha se equilibrando pelo risco do rejunte do piso. Era tão real o seu equilíbrio – ela fazia de tudo para não cair, pra não perder o foco, pra não sair da linha. A menininha, toda de rosa, concentrava-se ao máximo à tal tarefa. Tentei fazer o mesmo, imitando-a, mas logo percebi que não tinha tanta habilidade. Já não sabia andar na linha daquele jeito tão certinho, como o da menininha vestida para o balé.

Perder a linha. Quantas vezes perdemos a linha por tão pouco.

O mais inacreditável é o quanto podemos nos equilibrar numa linha invisível, respirar fundo, contar até dez e, acabamos nos deixando, por um milésimo de segundo, pela emoção e saímos da linha. Descarrilamos. Ficamos como um trem desgovernado e só paramos quando percebemos que não tem mais como prosseguir - empacamos.

Aí descobrimos que se tivéssemos continuado desde criança a nos equilibrar por uma linha invisível, talvez nunca nos encontrássemos no chão.


Paulo Francisco

Perdida





A Menina, sempre teve seus desejos realizados. Seus pais não mediam esforços para satisfazê-la. Seu quarto não comportava mais nenhum desejo. Hoje, crescida, dorme sozinha num quarto vazio. Não tem ninguém para realizar os seus caprichos.


Paulo Francisco