Misteriosas

Corri à sacada para observar as maritacas em algazarras no meu telhado. Adoro vê-las em voos rápidos e escandalosos. Saíram do telhado e foram para a copa da árvore do outro lado da rua. Abri um sorriso. As aves me fazem sorrir. Fico fascinado com o voo das aves de rapina que enfeitam o meu céu. Aqui de minha rede vejo-as em voos lentos, tranquilos – são donas, certamente do pedaço.

Uns tempos atrás, quando minhas noites eram regradas de cervejas e papos fiados, subia, ao voltar para casa, uma ladeira íngreme que encurtava o caminho até o meu doce lar. Na metade do percurso, já totalmente sem ar, parava. Numa dessas paradas encontrei uma coruja, no muro de uma casa, me olhando.

Fiquei ali observando a olhuda. Sempre que subia a ladeira, quase todos os dias, lá estava ela a me encarar. Batizei-a de Professora. Nunca entendi e nunca procurei saber, porque o símbolo do magistério é uma coruja. Será que é porque a ave tem olhos grandes e enxerga no escuro? Ou será por que assusta? (brincadeira!)

Gostava de vê-la pulando pelo muro, como se quisesse me acompanhar. Certa noite ela não estava mais lá – fiquei triste, já tinha me acostumado com a olhuda sem pescoço.

É sempre assim, quando vou me acostumando com elas, elas se afastam, às vezes em silêncio como a Professora, outras vezes em algazarra como as minhas visitantes.

Tudo bem... continuo aqui na minha rede, olhando pro céu, vendo as aves de rapina de um lado pro outro à procura de uma vitima; continuo aqui neste vai e vem provocado, só esperando, só esperando...



Paulo Francisco

Vento-ventania

O vento sofre. Esta é a sensação que tenho quando escuto, de meu quarto, os uivos do vento. São contínuos e intensos. Fico um tempo enorme decifrando seu lamento.

Talvez seja somente este vento que ouço daqui de minha cama um sofredor. Os outros não. O vento das manhãs solares, por exemplo, sacramenta meu viver. Traz luz e cor no verão. Gosto de sentir em minha cara o vento frio na minha pele quente – refresca como bala de menta.

As ventanias – as meninas ventanias - estas me fazem sorrir, gostam tanto de brincar que saem esbarrando em tudo, são afoitas. Não deixam nada no lugar quando entram em minha casa pelas janelas. Elas não têm, ainda, o controle total da sedução. E que assim seja. Todas elas seguindo seus cursos em movimentos de dançarinas. São aprendizes na arte da vida. Precisarão entrar em muitas janelas para obterem o título de brisa.

Brisa, ah! Ser que seduz; Ser que sabe dar na medida certa o carinho desejado. Sopra lentamente as velas dos barcos e levam mar adentro seus namorados.

A brisa canta as mais belas canções em nossa alma. Permite-nos sonhar. É senhora de nossa existência. Consegue com seus sopros contínuos e aveludados nos transportar para os sonhos mais distantes. Ela ressuscita a esperança. Traça em dedos de luva o caminho a ser percorrido. Engolimo-las como flocos de algodão-doce.

São tantos os ventos.

Os Cecilianos que carregam as palavras doces de suas poesias até nossos corações; os assustadores de Heloisa que nos esperam do outro lado da rua, e os que navegam espalhando os mais variados dos sentimentos nos versos de Claudia Lemos, num controvento-deseventora.

Aqui de meu quarto escuto o vento que sofre. Tenho a sensação que ele procura algo para aliviar sua dor. Bate em todas as portas e janelas à procura de algo que se perdeu. Será que procura por um amor que o abandonou?.

Na dúvida, pego carona em sua cauda e viajo por este mundo em dueto com seu canto, quem sabe não encontro o meu...quem sabe...




Paulo Francisco

Observador de estrelas

Sempre gostei de olhar para o céu. Faço isto até hoje. Não tem um dia que não olhe para ele e procure uma estrela ou se a lua está a observar-me.

Quando menino, o céu era tão maior, tão mais azul. Mas eu era menino, acreditava que podia ser astronauta, ou um guerreiro que surge entre nuvens e relâmpagos.

Hoje, eu ainda olho para o céu, procurando a estrela mais brilhante, converso com a lua – e como converso com ela!. Sei que posso ser astronauta em versos e prosas; sei que posso ser o guerreiro que quiser; e sei, também, que nem todos os céus são para serem tocados ou admirados.

Quando menino eu queria agarrar uma estrela, sair correndo atrás de uma estrela cadente e guardá-la em minha sacola. Quando via uma, cerrava os meus olhos fortemente e encolhia os ombros, na esperança que daquele jeito todo encolhido, os meus desejos chegassem até ela mais rápido. Sempre desejava a mesma coisa: que um dia ela caísse em minhas mãos.

Cresci e nenhuma estrela cadente chegou perto de mim, todas caíram no mar. Eu, morador de montanhas, fico no mais alto ponto, todo encolhido e de olhos bem abertos, olhando a planície lá longe e o céu. E quando vejo uma estrela cadente, não mais faço pedidos, simplesmente a admiro e sigo o seu percurso em direção ao infinito.

Mas confesso que às vezes gostaria de ser novamente aquele moleque sonhador e sair voando como um guerreiro invencível atrás da minha estrela cadente.

Ainda hoje eu vi uma estrela.

Paulo Francisco

Passarinho na janela

Um dia fui visitado por um passarinho. Acordei com ele cantando em minha janela. Observei que seu canto era, ao mesmo tempo, de felicidade por estar ali, livre e de lamento por não saber o que fazer – era um passarinho anelado e anilhado. Sim, era um pássaro de gaiola.

O que acontece com aquele que tanto deseja sua liberdade, mas não sabe o que fazer com ela? Torna-se um passarinho na janela? Fica com medo de voar, ou de ultrapassar aquele vão e se tornar de novo um prisioneiro?

Percebi, observando o cantador, que uma vez domesticado jamais teria sua vida selvagem de volta – o mundo lá fora é competitivo e cruel. Possivelmente seria uma presa fácil.

Quando já estava resolvido a capturá-lo, fui interrompido por palmas no meu portão – era um jovem de seus vinte anos. Notei que segurava uma gaiola de madeira – era, certamente, o carcereiro do fugitivo. Deixei o jovem ignorante entrar e fazer sua captura.

Pensei em textualizar sobre a preservação e o crime que é capturar e prender uma espécie silvestre, mas desisti – sabia que não adiantaria, não seria ouvido. O mais importante, naquele momento era a felicidade do penoso indeciso.

O jovem, estrategicamente, colocou a gaiola a certa distância do animal, colocando alpiste e água fresca no interior daquela prisão de madeira e se afastou em movimentos felinos.

Fiquei ali torcendo para que aquele frágil animal vencesse seu medo e voasse para longe pra nunca mais voltar. Mas, não é bem assim para quem tem medo do desconhecido. E, em pouco tempo, lá estava ele dentro de sua cela se refrescando numa banheira de água fresca.

Abri o portão e os companheiros se foram cantando caminho a fora.

Hoje eu acordei e fiz de minha janela um poleiro, danei-me a cantar.



Paulo Francisco

Céu de brigadeiro

Não gosto de surpresas. Hoje, o dia me surpreendeu - ficou chuvoso e esfriou rapidamente. Dias nublados me entristecem. É como se as nuvens, zangadas, não permitissem que o sol chegasse por completo com seus raios quentes. Em dias assim, eu sou o sol escondido.
Não consigo concentrar-me absolutamente em nada em dias acinzentados.
Acredito que seja porque a visibilidade não é total nem para ver o sol e muito menos para namorar a lua. E sem os meus banhos estelares a boêmia fica incompleta. Noite sem um céu anilado coberto por senhoras que brilham é o mesmo que viola sem seresta – fica vazio.
Quem gosta de olhar para nuvens carregadas de íons e prótons?
Quem gosta de luminosidade sem a presença do rei vermelho?
Quem gosta de namorar sem a lua como cúmplice?
Eu não gosto!
Eu gosto de céu azul: se dia, um azul que me lembre roupas de bebê; se noite, quero um céu azul de metileno decorado por constelações perfeitas.
Por isso gosto de seu céu, ele é assim, como descrevi . Ele me embala em canções doces.
No seu céu, eu sonho e desejo – torno-me romântico e engulo estrelas cobertas por açúcar de confeiteiro.
Com o seu céu me cubro por inteiro – me torno pescador de estrelas.




Paulo Francisco