Questão de gosto



















Sorvete de abacaxi com coco - mistura que me apetece. Tem algumas misturas que são uns achados. Coisa que a gente faz e, mesmo não tendo um visual bonito, tem um sabor ímpar. Quando falo em mistura, não falo somente em sabores e cores, falo também de mistura de gente. Aquela mistura nos bares no fim de tarde, onde se encontram pessoas sedentas por chopes e, numa confraternização alucinada, só se percebe alegria e muitas gargalhadas, é um exemplo – gosto deste jeito carioca de se misturar que encontramos em todos os bares do Brasil.

Já frequentei com mais assiduidade locais que na época não pertenciam a minha geração – adorava madrugadas em serestas e violão. Causava estranheza aqueles senhores e senhoras, vendo uma pessoa tão jovem sentado num balcão, tomando uma cerveja e cantando todas de Assis Valente, Lupicínio e Dolores Duran. Quantas e quantas vezes saí de um show progressivo e caí nas graças de um bar pra ouvir um violão ou um piano e muita bossa nova. Sempre gostei de me misturar. Nunca andei em linha reta.

Hoje, prefiro admirar a fazer parte de confraternização com mais de quatro pessoas – estou mais para jantarzinho, cineminha, teatrinho e aconchego do lar do que qualquer coisa – mas, já tive os meus momentos de tribo; de alucinações grupais e momentos totalmente zen.

Gosto da espuma do mar se misturando em borbulhas efervescentes na areia e os dedos de meus pés curvados para baixo, cavando displicentemente esta areia molhada; gosto da beleza misturada, embolada, de suas pernas nas minhas.

O cheiro de eucalipto tão próximo ao urbanismo é uma mistura que minha cidade tem. A dama da noite que me acompanha em minhas madrugadas, misturando-se aos meus pensamentos, é uma mistura inconfundível. Gosto da mistura de nossos perfumes, o meu seco se adocicando ao dela. Gosto da mistura de gostos que fica em minha boca depois de estarmos juntos.

A mistura de sol e chuva me fascina da mesma forma que sorvete de abacaxi com coco me apetece. Os raios do luar banhando uma taça de morango e seus olhos iluminando os meus, são desejos misturados que me ambicionam.

Paulo Francisco



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Incompatíveis



As palavras sobrevivem ao amor. Já me apaixonei algumas vezes, já falei, gritei palavras de ordem, já me agarrei aos adjetivos e deles fiz poemas. Declamei e declarei-me aos seus olhos. Mas como eu sou melhor com as mãos do que com as palavras, e isto é certo, faço das carícias minhas palavras soltas e com os meus beijos frases perfeitas.

Meu silêncio amoroso é a minha constituição.

Estava eu ali, calado, em perfeita harmonia com os meus sentimentos. Aquele quarto de hotel se transformara em minha varanda, a cama em minha rede e ela a brisa que me impulsionava em desejos e sonhos. Deixei a realidade lá fora.

Vermelho era o seu beijo.

Vermelho era o seu céu.

Vermelha era a sua paixão.

Vermelhos éramos nós.

De repente a palavra rasgou o silêncio existente e o que era belo se transformou num inferno.

Ela exigia de mim o que eu não podia lhe dar:

Ela queria palavras ditas, eu só tinha palavras sentidas.

Ela queria ouvir, eu queria sentir.

A transparência ditava as regras e nós sabíamos. O que fazer quando o que ela queria era o que eu não tinha pra lhe dar?

Enquanto pra mim, naquele momento, os desejos sobreviviam a tudo, pra ela,  as palavras  sobrevivem sempre.

E o silêncio se fez presente: ela de um lado e, eu do outro.

Vermelhos eram os seus olhos.

Vermelho era o meu ódio por não saber mentir.

Pois é, descobri que as palavras, mesmo falsas, sobrevivem a tudo, até mesmo ao caos.

Eu queria sexo. Ela queria sonho.




Paulo Francisco



Arranjo






Ainda há flores em meu jardim.  Quando eu pegava uma flor não era para despetalá-la em mal-me-quer e bem-me-quer, e tampouco cheirá-la somente; quando  arrancava uma flor do jardim era para oferecer a alguém. Sempre presenteei com flores as mulheres amadas. Rosas, flores do campo, tulipas, orquídeas, margaridas e lírios. Flores de todas as cores para todos os meus amores. Levava flores ¨retiradas¨ do quintal da vizinha para professora- querida – fui, certamente, alfabetizado, para amar. Oferecia margaridas para a vizinha de olhos verdes, escolhia as rosas mais bonitas e esperava que a minha amada secreta as encontrassem no café da manhã – uma maneira aromatizada de dizer bom dia.

Acho que nunca vou deixar de mandar flores, salvo para aquelas que não gostam e se recusam a aceitá-las – a essas,  presenteio com doces: chocolate, por exemplo. Não ofereço flores em datas especiais – não gosto de competição - presenteio em dias comuns, em momentos distraídos. Gosto de assustar com flores.

Entrei na floricultura e escolhi uma orquídea branca, mandei entregar em sua casa na hora em que eu estava na estrada, voltando pra casa.  Saber que mesmo distante,  posso estar proporcionando alegria à mulher amada, é, também, prazeroso pra mim. Gosto de surpreender com flores.

Quando chegou e viu a sua sala enfeitada com flores do campo, telefonou-me gritando: - Te amoooooo¨. Era um amor momentâneo; era um ¨ te amo ¨ passageiro, mas o que valia era o instante daquele amor regado a pétalas e a aromas florais.  Chuva instantânea de pétalas amorosas.

Mandei entregar dois vasos de orquídeas, sem cartão, no dia de seu aniversário, na hora em que estava reunida com as amigas. Sabia que a reunião ferveria de mentes curiosas, querendo saber de quem veio as flores. Neguei que tinha sido eu até o último momento. Só para sentir a sua curiosidade. Amigo secreto escondido em seu jardim.

Mas nem todas as mulheres gostam de buquê de flores. Têm aquelas que não gostam delas cortadas, preferem as que podem ser cultivadas em vasos. Uma namorada me disse: ¨ - Ah, elas duram tão pouco em ramalhetes. Prefiro-as no vaso, assim eu posso cuidar delas por muito mais tempo e depois plantá-las no jardim¨;  Outras não gostam de flores de jeito nenhum. Essas, como eu já disse anteriormente, querem doces – não me perguntem o porquê da escolha. Amores com cobertura de chocolate.

Todo bobo, mandei entregar vasinhos com violetas em sua casa. Uma semana depois, todos os vasos  estavam secos e as flores mortas. Eu não sabia que cuidar de planta era tão sacrificante assim. Cultivar amor era um sacrifício e tanto. Coitada, está sozinha até hoje, pois, não consegue sustentar por muito tempo uma relação. Aula de jardinagem seria bem apropriado: arar, arejar o solo e deixá-lo rico em sais de amor. Caso contrário, a aridez é certa em seu coração.  

Gosto de sentir a maciez aveludada de suas pétalas. Seria Botânico se não fosse Zoólogo; seria Jardineiro se não fosse Entomólogo. Mas há interação entre elas. Há interação entre nós dois. Somos jardim e jardineiro em perfeita harmonia.

Não me importo se querem ou não, eu levo flores, gosto deste acompanhamento em minhas relações.  Gosto deste método de polinização.

Escolhi rosas, rosas de todas as cores e mandei entregá-las junto com o café da manhã. Gosto que sintam pétalas cristalizadas na ponta da língua.

Uma coisa é certa. Nenhuma delas me perguntou se eu gostaria de receber flores também. Ma se me perguntassem, eu responderia: - só não gosto de doces.

Mas tudo bem, ainda há flores em meu jardim.


Paulo Francisco

Amar




"Não ameis à distância!" A frase não é minha. É de Rubem Braga. Ele fala em sua crônica: ¨...a carta não diz o que a outra pessoa está sentindo, diz o que sentiu na semana passada.¨ Mas pensando bem, há relações que estão tão desgastadas em que o sentimento do outro chega tão atrasado que parece ter feito uma viagem de navio. Que o Rubem Braga pensaria dos sites de relacionamentos? Acredito que ele diria ¨Ainda assim, não se tem o olho no olho.¨ A imaginação humana é fértil. Podemos imaginar o que quisermos e acreditar nesta imaginação. Somos capazes de idealizar um amor e transformá-lo em nossa razão de vida.

Podemos quixotear por aí? Acredito que muitos que estão nestes sites de relacionamento estão  à procura de seu Dom Quixote ou de sua Dulcinéia. São pessoas que acreditam na possibilidade da alma gêmea; da outra metade da laranja.Outros procuram respostas por ter uma vida vazia, sem sentido. Muitos só por diversão.


Conversando com uma amiga ela me disse que encontrou um camarada,  ficou muito tempo de namoro na internet e depois passaram para o telefone e quando se conheceram de verdade, mesmo não sendo tudo aquilo que ela pensava dele, ficaram juntos por uns cinco meses. Ela ainda afirmou: ¨ Ele foi muito importante naquele momento, minha auto-estima estava baixa e com aquele envolvimento eu pude sair de uma crise. ¨ Pessoas, como essa amiga, não estão na internet pra brincar, pra fazer sacanagem. Estão ali para tentar diluir um sentimento ruim, uma fase negra.Acreditam na possibilidade de um amor. Acho válida esta aproximação através da máquina.


Num dia desses, acabei ouvindo uma conversa no ônibus de dois camaradas. Falavam de tudo, principalmente do negócio novo que os dois estavam entrando – seriam sócios num estabelecimento comercial. Papo vai, papo vem e acabaram entrando numa conversa sobre família e um deles acabou dizendo que conhecera sua esposa através de um site de relacionamento. Tinha uma filhinha e o casamento já durava três anos. Admirável a história do homem. O que o Rubem Braga diria deste caso? Ele continuaria com a mesma opinião? Acho que não, talvez com toda essa parafernália tecnológica, com o preço da passagem de avião mais barata que a do ônibus, dá para encarar uma aventura dessas sim.


Contrario Rubem Braga e lhes digo: Amem, amem de qualquer forma, de perto, à distância, porque o importante é deixar fluir este sentimento tão nobre e tão difícil de administrar. Assim,repito Vinicius de Moraes: ¨ E que seja eterno enquanto dure.¨ Não é mesmo?



Paulo Francisco

Comigo

Ultimamente, estou andando sozinho. Mas não o sozinho de caminhar por aí. Não, não é esse tipo de solidão que já faz parte de mim. É um sozinho de alma, de companhia amorosa, de estar com o coração acelerado pela ginástica de amar, de ficar bobo em outdoor, de andar nas nuvens e catar estrelas. Sim, ultimamente eu estou andando sozinho de amor.

A chuva me faz companhia, as estrelas me visitam, a lua me ilumina, mas ainda assim eu me sinto só.

O vento me lava o corpo, o sol me queima a pele, o mar me arrepia, mas ainda assim eu me sinto só.

Escrevo em prosa, tento na poesia, escuto canções, busco emoções, mas ainda assim eu estou só.

Grito mil vezes: Ela não te quer mais!

Grito mil vezes, mil vezes eu grito: Nunca mais! Nunca mais!

E mesmo assim ainda continuo só, triste, amorosamente triste e sozinho de amor.

Não me diga que estou valorizando a minha dor, que me torno ridículo quando falo desse amor abandonado. Não, não diga por aí que a minha tristeza e solidão são passageiras, pois, somente a minha alma sabe o peso da dor que ela carrega - dor da falta, do vazio, dor da perda. Somente a minha alma sabe o peso de tudo isso. Somente ela pode me dizer que tudo é passageiro. Somente ela pode me açoitar até a morte. Somente ela pode ressuscitar-me deste vazio de cor. Minha alma, minha vida.

Enquanto a tristeza permanece, e nada de novo acontece, eu fico aqui em frases desfeitas, espanando as cinzas do corpo, engolindo vento, dobrando o céu e guardando estrelas.

Enquanto ando por aí sozinho, caminhando pelo desconhecido, em trilhas sucateadas, procurando por outros corações açoitados, descrevo-me em cada rosto encontrado.

Enquanto eu estou sozinho, vou aproveitando a penumbra do tempo pra desenhar o meu relento. Meu corpo, meu sereno.

Afinal, quem nunca se sentiu vazio de amor?

Afinal, quem nunca sofreu de amor?

O amor preenche, transborda, alaga de emoções o coração e a vida.

O amor alivia, traz doçura, nos faz crescer. Ele pulsa.

Sem ele, o amor, ficamos alienados. Sozinhos, esquecidos, jogados na tela da vida.

Enquanto um novo amor não chega, vou aproveitando esse sentimento e experimentando a solidão em versos e prosas. Vou catarseando a dor em rimas. Expurgando o fel. Destruindo aos poucos a desilusão.

Enquanto o abandono vai saindo lento, fazendo pequenas aberturas na pele, fluindo e fazendo caminhos que se bifurcam para o rio, eu vou, silenciosamente, dizendo ao mundo, em metáforas imperfeitas, em gestos sem sentidos, em escritas tortas e indefinidas, a minha falta de amor. Vou dizendo ao mundo a falta que ele me faz.

Ah, é bom amar e ser amado. Quem não quer ser amado de verdade, sem exigências, sem punição, sem a maldita e cruel desconfiança. O amor completa.

Não, não quero um amor que me corte as asas. Preciso voar acompanhando o vento, flutuar em correntes quentes, olhar o mundo em várias direções.

Não, não quero um amor sofrido. Amor sofrido não é amor, é doença.

Cobranças! Já bastam as da caixa do correio.

Desconfiança?! Já basta a da policia na esquina.

Quem ama confia.

Quem ama entende.

Quem ama acredita.

Quem ama ama simplesmente.

Talvez eu esteja escrevendo muito rápido, sem pensar, sem procurar a palavra perfeita para a frase certa. Talvez esteja me precipitando em dizer que estou só. Poderia mentir. Disfarçar o meu sentimento com sorrisos e piadas. Mas o que adiantaria não ser verdadeiro?  Só evitariam olhares piedosos, lábios sarcásticos - a felicidade dos inimigos. E nada disso importa agora, nem mesmo o contrário disso.

Pensando bem, o que importa os outros? A dor é minha, a solidão é minha, o abandono é meu.  Não é o meu corpo que está carente. É a minha alma que grita por outra, que não aguenta a solidão existente, que precisa de céus claros pra seguir, que se alimenta de estrelas pra sobreviver e da lua pra descansar. O meu corpo não. Ele só precisa de outro corpo e isso é fácil de se obter.

Não é o meu corpo que grita. É a minha alma que chora.

Ultimamente, eu estou andando um tanto quanto sozinho. Mas mesmo assim, ouço canções de amor.




Paulo Francisco