Coração tranquilo

Resolvi voltar pra casa andando. Meus pés, minhas asas. Assim, teria mais tempo para admirar os fantasmas em galhos e sombras. Gosto de imaginar personagens e objetos possíveis em árvores e muros manchados. Divirto-me e esqueço-me do tempo, da lua e das estrelas. Neste meu momento, não existe céu e, sim, um quadro negro para o meu imaginário. Rabisco, com giz invisível, rostos, invento palavras e construo castelos. Sigo o mesmo ritual do menino franzino, que andava em ruas escuras segurando a barra da saia de sua mãe. Volto num tempo que a minha inocência era o meu pote de ouro.

Andava lentamente, sem pressa, saboreando cada passada. Não sentia o véu orvalhado, que dançava em minha frente. seguia o mais lento possível, não queria chegar logo, queria que o tempo demorasse a distância em que o meu coração se encontrava.

A calçada brilhava – ela estava serenada.

Não estava frio, mas também não estava quente. Estava na temperatura de meu corpo. Mesmo que o termômetro insistisse em anunciar seis graus.

Eu precisava pensar e, pra mim, nada melhor que andar na madrugada silenciosa e fria.

Gosto do silêncio noturno. Silêncio, somente quebrado pelo piar da coruja e o barulho do vento. Mas eles não eram intrusos e, sim, parte de meu templo chinês.

Seguia conversando comigo mesmo. Podia até falar alto que não tinha uma viva alma para me censurar. E os mortos, certamente confabulavam, em total silêncio, o meu pensar.

Às vezes me pego falando alto em pleno passeio público. Fico totalmente sem graça, quando percebo que uma ou outra pessoa possa ter ouvido os meus lamentos. O mais engraçado é que só penso alto quando estou agitado, quando uma decisão importante está por vir.

Quando triste, chateado, fico silencioso, carrancudo.

Em casa, eu canto, converso com as minhas cadelas, falo comigo mesmo. E daí? Não tem ninguém para me censurar ou me chamar de louco. E quando me encolho debaixo das cobertas, cultivando o meu silêncio, também não tem ninguém que me tire as cobertas e me deixe no frio.

Ultimamente, não estou sentindo frio e, alto, somente o som das músicas que tento acompanhar desafinadamente. Coitados dos meus vizinhos que têm de ouvir a minha preferência musical.

Mas neste exato momento, não estou triste e nem tenho que tomar nenhuma decisão importante. Simplesmente estou feliz

Paulo Francisco

Guiado por um céu azul






Ontem foi um dia especial, traduzo-o como o mais azul dos últimos dias. Estava aqui em minha rede, em pleno ócio, olhando lá pra fora e me perguntando o que estava fazendo em casa com um dia tão lindo. Mas têm dias que eu prefiro admirá-los de longe, de soslaio.  Mas o sol estava convidativo, a brisa chegava acariciando o meu corpo com mãos de seda. Não resisti e acabei saindo sem destino, como barco a vela guiado pelo vento. Bermuda, chapéu, mochila e vontade de caminhar por aí. Encontrei vários rostos conhecidos, várias imagens foram registradas pela lente de minha máquina.  Segui até o Parque Nacional – gosto de me sentar próximo a cachoeira e ficar ali lendo e observando os corajosos banhistas.
Ontem foi um dia especial. Sem destino, ao vento, guiado pelos raios solares pude me encontrar com a natureza que tanto prezo.  Depois de um bom descanso à sombra daquela árvore secular, segui o meu caminho, segui pro meu objetivo - ir ao topo de uma das trilhas existente e contemplar lá de cima minha cidade e registrar aquele céu azul.
Mas ele ficou mais azul quando de repente encontrei-a sozinha seguindo o mesmo caminho que o meu. Sorrimo-nos, abraçamo-nos, e caminhamos juntos o percurso seguinte. Descubro, então, que o céu azul e a brisa refrescante, convidavam-me pra um encontro inesperado. Desde a morte de Ana Beatriz que não via nenhuma de suas amigas.
Às vezes é bom relembrar, viver e contar e recontar o que foi bom.
Ontem foi um dia especial. - olhei para o céu e ele estava a sorrir.
Ontem foi um dia daqueles  que a gente não se esquece nunca mais.
Amanhã eu parto pro  mar. Vou ver outra Ana e outra Maria. Amanhã estarei com o meu primeiro amor, Maria minha mãe, tantas vezes registradas nos meus pequenos relatos; amanhã estarei juntinho de Ana, a caçula de minhas irmãs.
Ontem foi um dia especial, amanhã, certamente, será muito mais.

A lua só existe para os sonhadores?





A lua só existe para os sonhadores? Ficar ali, na rede, namorando a lua é típico de mim.  Gosto e não nego. Sou um sonhador nato. Sonho com a possibilidade de um amor que me faça astronauta, que me faça flutuar até a lua. Tenho certeza que em algum lugar tem alguém olhando pra lua de maneira sonhadora, querendo este mesmo flutuar. A lua tem essa magia de nos hipnotizar e transformar-nos em viajantes estelares.


Estava escrevendo este texto quando o telefone toca e era uma  ¨ex-namorada¨  em prantos me cobrando uma atitude com relação a um poema que fiz. Acusando-me de dissimulado, cafajeste, sacana e sei lá o quê. Oras, eu não postei nada que pudesse denegrir  sua imagem ou seus sentimentos.

Demorei pra entender que na verdade ela ainda tinha a esperança de uma volta. Ela tinha, eu não. E o que eu postei foi um poema com relação a duas fotos de flores que ganhei de uma amiga do nordeste de quem gosto muito.

Pois bem, era isso que eu queria falar e não estava conseguindo me expressar de maneira clara a respeito: namoro a lua, gosto de contar estrelas, faço poemas bobos, escrevo sobre o amor da maneira mais singela, quase adolescente e, mesmo assim, sou chamado de cafajeste. Será que sou? Agora já não sei mais se sou ou não. Talvez eu seja. Sou um cafajeste que canta ao amor, que manda flores, que faz textos apaixonados e diz que ama quando ama. Sou um cafajeste que aceita acusações indevidas simplesmente pra não magoar o seu par. Sou cafajeste por sair de cena quando percebo que a relação se desgastou. Sou cafajeste porque acredito numa amizade depois do término de um namoro e, não admito picuinhas, intrigas - já passei da idade pra aceitar tais comportamentos infantis.

Não quero mais um amor neurótico onde a insegurança transforma o certo em duvidoso. Não sei ficar me desculpando com relação ao que não fiz, simplesmente pra espalhar a nuvem negra que paira em nossas cabeças. Isto cansa.

Não, não sou dissimulado, jamais consegui dizer ou fazer o que não estava pensando. Às vezes me faço silêncio, porque acho que dentro desse meu silêncio eu posso vir a gritar as minhas neuras. Ninguém tem que aguentar as minhas inseguranças, não vou jogar naquela que me ama a lama fétida de meu passado inseguro. Também não aceito que façam comigo.

Sou um viajante estelar, quero um amor que flutue comigo e não um amor que põem bolas de ferros em meus pés e me algeme com argolas da desconfiança e que tape minha boca pra que  meus textos não grite ao amor. Sou livre, a arte é livre, o pensamento é livre.

Gosto de me embalar na rede, num vai e vem de sonhos. Então, não tente empurrar o meu corpo, porque ele não está morto. Também sinto dor.

A lua não só existe para os que sonham. Mas, para os que não sonham, a lua é simplesmente um satélite.



Paulo Francisco

Arranhões

Não me julgues. Quando estou monossilábico é certo estar em outra dimensão. Quando estou assim, o melhor é não insistir. Guarde suas perguntas para mais tarde, porque não terás, não mais que um sim, um não ou um ok. Neste momento sou viajante de mim mesmo.

Se estou com sono, durmo. Então não critique o meu sono vespertino. Deixe o meu corpo recarregar, espere ele ficar pronto e minha mente sã.

Sou falante de natureza. Falo mais que devia, mas tem horas que papagaio precisa dormir.

Não tenho o poder de adivinhar – gostaria e muito ter este dom - mas se não falo o que quer ouvir na hora exata, sou insensível. Será que sou tão frio, ou estou fora de alcance? Possivelmente, estou num orbitador entre a Terra e o espaço. Espere eu descer.

Tenho algumas marcas adquiridas. Sim, marcas adquiridas na infância. Era um moleque que não andava – corria. Era extremamente feliz com as minhas pernas agitadas. Quando não estava correndo, estava no mundo da lua. Sim, eu vivia os extremos, ou muito agitado ou muito aluado. Quando aluado, pensador – mirim, era batata, algo iria acontecer, e acontecia, caso não fosse resgatado pelas minhas pernas felizes.

Tenho marcas por todo o meu corpo. Cortes em minha pele feitos pelo mais diversos dos acontecimentos. Cabeça rachada não era novidade. Pele cortada não era novidade. Minha derme era tingida por mercúrio-cromo e adornada por gazes e esparadrapos.

Não julgue o que não pode compreender. Se não falei o que queria ouvir é porque estava correndo em pensamentos ou estava viajando em sonhos. Se não respondi o que queria ouvir, ou se não falei o que queria sentir, é porque minha sensibilidade estava adornada por gazes e esparadrapos.

Hoje não enfeito minha pele de azul de metileno e nem de vermelho – mercúrio-cromo. Metileno só o meu céu e, vermelho, somente o meu coração.

Não me julgue. Se não tenho os seus olhos como posso compreender o seu coração?



Paulo Francisco

Às nove







Hoje, eu saí de minha rotina matinal. Geralmente não acordo cedo. Ninguém liga para mim antes das onze horas. Por outro lado, se um amigo tem insônia, recorre a mim – sabe que estarei aceso, cheio de gás.

Acordar cedo é verdadeiramente a morte. Arrasto-me durante todo o dia. Fico absolutamente grogue. Não produzo. Então, eu sempre me pergunto: ¨ Por que cismam de fazer reuniões aos sábados às nove horas da manhã?¨ Às nove da manhã... estou sonhando.

Às nove da manhã... meu céu ainda tem estrelas.

Às nove da manhã... ainda estou despindo a lua.

Aprendi num curso de pós- graduação – Cronobiologia – que eu não era o vagabundo que todos diziam. Eu-era-nor-mal! Ouviu gente!? Nor-mal!!!!!! Dormir de madrugada e acordar ao meio dia não dá titulo de vagabundagem - A cronobiologia explica.

Senti-me em casa, estava junto com vários profissionais, gente bacana do tipo: enfermeiros, pilotos de avião, aeromoças, professores de várias áreas, botânicos, zoólogos, farmacêuticos e muito mais. Era a glória, estar com tantos colegas que possivelmente eram também chamados, no mínimo, de preguiçosos.

Mas o que mais me chamou a atenção foi a história de um camarada que dizia estar ali na esperança de salvar o seu casamento. Ele estava em busca de uma solução para tanta discórdia em sua casa. Ouvi o seu relato e entendi, naquele momento, como era importante a sintonia, até mesmo no fato de dormir e acordar ao mesmo tempo com o seu par. Ele relatou que a qualidade do sexo estava inferior, que depois de um certo tempo, perceberam juntos que nunca estavam os dois realizados. Quando um ainda tinha fogo o outro já não tinha mais madeira pra queimar. Perceberam que tinham que achar um meio termo e acabaram conseguindo, mas não era a mesma coisa, segundo o relato do camarada para mim.

Fiquei com aquela conversa na cabeça e comecei a imaginar por que algumas pessoas mantêm relações extraconjugais mesmo gostando de seus cônjuges. Será que a cronobiologia explicaria também isto?

Hoje, eu saí de minha rotina matinal. Acordei com o telefone tocando para lembrar que eu tinha uma reunião. O telefone tocou justamente quando estava despindo a lua.




Paulo Francisco