Esconderijo


Tempestades






Era quase um evento quando as manhãs acordavam densas. Era como se estivesse num outro mundo. Agarrava a mão da minha mãe com medo de me perder no desconhecido. Ainda não sabia que iria morar num lugar que evento mesmo era ter o começo das manhãs douradas. Assim que cheguei à Teresópolis, fiquei maravilhado, mesmo sem saber na época desse sentimento. Era tudo tão grande, tão ainda mais colorido. Tinha mais flores e mais cores. As montanhas estavam próximas e mais verdes. O verão era agradável; a primavera se realizava aos nossos olhos; o inverno assinava o céu com a fumaça saída das chaminés - tinha a impressão que todos jantavam as sete. Mas fora o céu do outono que me fez a cabeça. O céu era mais azul, as estrelas se apresentavam mais brilhantes e em noite de lua era sempre uma surpresa.

Ainda não tive nesse outono, em minha cabeça, o sol do meio dia num céu azul típico da estação.  Adoro essa meia-estação de temperatura amena e surpresas durante o dia. Ora frio quase inverno, ora quente quase verão.

Na adolescência:

- Vai sair sem um casaco?
- Vou!
- Mas está frio lá fora...
- Mas depois esquenta e não gosto de ficar carregando casaco no braço.

Basta uma neblinazinha pra está todo mundo coberto. Depois o tempo abre e a elegância em tons de cinza e preto passa para o incomodo ensolarado.  O amarelo rei não perdoa.

Na semana passada:

- O que foi fulana? Está passando mal?
- Não estou aguentando de calor. Achei que hoje ficaria frio e coloquei essa blusa fechada.

Mentira! Ela não estava aguentando ver sua blusa nova pendurada no cabide. Aproveitou a primeira bruma no horizonte para saciar sua ansiedade.

No inverno passado:

- Paulo, tá frio por aí?
- Sim, abaixo dos dez graus...
- Ótimo, vou aproveitar para estrear o meu casaco novo que comprei mês passado.

Pronto! Lá estava eu passeando com ela e seu casaco novo pela cidade.  Sabia que não aguentaria vê-lo pendurado no closet.  E também não entendo comprar um casaco pesado quando se mora no Rio de Janeiro.

- Por que você comprou esse casaco?
- Ué, esqueceu-se que vou para o Chile e...
- Putz! Você vai mesmo viajar de novo? Acabou de chegar do Sul.

Risos

- E foi lá que comprei o casaco...

Hoje, a manhã acordou preguiçosa. Brumadinha. Desesperançosa de sol durante todo o dia. Não gosto de dias monocromáticos. Não gosto da certeza da inexistência da diversidade. No momento, a monocromia  é certeza de tédio.  Mas às vezes é necessário recolher o arco-íris dos olhos e retirar do armário o guarda-chuva.

Achei que teria um dia tranquilo. Um dia de paz. Mesmo com a presença de nuvens e vento molhado pela manhã.  Acreditei que o meu silêncio comporia a melodia do dia.  Esqueci, por completo, que estava num outono atípico. Esqueci que a adversidade existe; que determinadas bruxas gostam de trovões e raios; que elas não gostam de flores - preferem as ervas daninha; que o bem-estar é calo num sapato apertado.

Quando me vi no nevoeiro, sem casaco e com frio, não tive nenhuma mão amiga para me guiar. Senti-me uma presa no caldeirão, numa convenção de bruxas más.

Quando cheguei nessa cidade tudo era maior e mais colorido. Mas também, ainda não tinha totalmente crescido.

Paulo Francisco

Súbito



A temperatura baixou bruscamente. O dia ficou gelado, encolhido, seduzindo a preguiça.  Cobri-me com a penumbra da tarde e deixei guardado na caixa do tempo todos os compromissos.  Deitei-me na esperança de sonhar colorido. Eu não gosto de dias cinzas quando estou em casa. Principalmente quando eles vêm com chuva fina, impedindo-me de ficar na varanda. É dela que tenho a melhor vista. E é nela que encontro o meu horizonte.

A temperatura caiu tão rapidamente que não tive tempo de reagir. O dia surpreendeu-me com suas mãos frias e úmidas. Eu não gosto de surpresas geladas. Eu não gosto de sentir frio. Tornei-me a cabra-cega no meio do redemoinho. Perdi meu norte. Fiquei sem ninho.

A temperatura diminuiu tão bruscamente que paralisou o meu peito. Deixando o meu coração aflito. Eu não gosto dessa disritmia desesperada como se estivesse por um fio.

Foi tudo tão repentino que fiquei perplexo com tamanha frieza. 

Paulo Francisco

Primeiro de abril

Camuflagem
















Quando a capitão-do-mato, guiada pela luz, invadiu o ambiente, cerziu com seu voo lento as cabeças brancas dos sete companheiros cervejeiros que estavam encostados no balcão do bar, assustando-lhes pela surpresa da visita. Sorri com a cena. E quando ela pousou no teto com suas asas marrons unidas mostrando os seus ocelos que mimetizam folhas e troncos de árvores, eu a apanhei e a levei para fora, dando-lhe a oportunidade de assustar outros marmanjos em outra freguesia.  Pronto! Foi o bastante para ser bombardeado com perguntas entomológicas. Logo veio a primeira e tinha que ser do sacana do Wanderlei:

- Isso é um lepidóptero?

- Sim. Uma Ninfalídeo. Respondi sabendo que viriam outras.

João (dono do bar) solta uma pergunta marota:

- E o bicho-pau, qual o nome dele?

Respondo na mesma ironia:

- Depende de quem está vendo e da intimidade que se tem com ele...

Gargalhadas invadem o boteco e o Wanderlei insiste em mais uma:

- Professor (a maioria me chama assim), tira uma dúvida sobre camuflagem e mimetismo...

-  Baixinho (todos o chamam assim), vou lhe responder de uma maneira que você não vai mais esquecer. Você se lembra do filme o exterminador do futuro 2 que tinha aquela máquina assassina que ao encostar num ser humano transformava-se na sua vítima? Então... Aquilo era um mimetismo.  Inclusive, ele fora feito no futuro por um metal inventado chamado mimético.

- Saquei...

Continuo:

- Outra do Arnold Schwarzenegger.  Você se lembra do filme O Predador, quando ele nada até a margem do rio e se arrasta num tipo de mangue e sem querer se cobre de lama e encosta nos galhos de uma árvore e o alienígena não consegue vê-lo? Aquilo foi uma camuflagem.

- Legal! Tá vendo... Por isso que eu gosto de perguntar as coisas a quem entende do assunto...

Ufa! Pensei: sai da berlinda. Os meus exemplos deflagraram outro assunto- cinema.

Cada um falou do último filme a que assistira, e acabo comentando que tinha assistido na televisão ao filme Adivinha que vem para jantar? Com Sidney Pottier.  Falei que achava que era uma produção de sessenta e sete. 

Depois de alguns comentários sobre alguns filmes assistido. O nome do Leonardo DiCaprio surgiu  como um ator que evoluiu.  Quando estavam citando os últimos filmes que ele tinha trabalhado como Django Livre, O Grande Gatsby e o Lobo de Wall Street, caio na besteira de mencionar Eclipse de uma paixão produzido em noventa e cinco. Ninguém ali tinha assistido ao filme. Quando falei que era um filme baseado no relacionamento de dois poetas do século XIX e que DiCaprio fazia o papel do poeta Arthur Rimbaud, foi o suficiente para o assunto pular para arte, quando o Wanderlei  comenta sobre a era cubista.

Mas antes da discussão começar, as portas do bar foram abaixadas, anunciando que a nossa segunda-feira sem lei estava chegando ao fim. As segundas-feiras são sempre assim. Quando não é futebol o assunto, a diversidade impera. Afinal de contas, o José Francisco é Odontólogo,o  Levy é Contador,o Falcão é Advogado e Professor de história, O Carlão, Fisioterapeuta, o Antônio Carlos, Engenheiro, o Denilson é Matemático, Wanderlei, comerciário, Walmir é Farmacêutico, Renato é comerciante e muitos outros que não são frequentes mas que param para uma prosa curta.

Mas o que me deixa na bronca é que ninguém  é  bombardeado com perguntas  sobre as suas profissões do jeito que sou.  E quando não respondo as suas perguntas, principalmente do sacana do Wanderlei e do sacaninha do João, sou chamado, pelos dois,  de Biólogo genérico.

Sorte a minha que eles não sabem que eu gosto mesmo é de poesia.


Paulo Francisco