Deixe-me em paz!
É bom acordar com a brisa
segredando na orelha. É muito bom acordar com a felicidade iluminando o quarto
e desejando bom dia. Acordei com a esperança vestida de flores. Por mim, ficaria
aninhado no colo do dia e jogaria os compromissos para o alto e deixaria o
vento encarregado de levá-los para bem longe. Mas como no meu jardim não há
somente flores, e as daninhas existem e têm seus significados, levantei para
mais um dia.
Às vezes temos que driblar o
inimigo, usando a sua própria arma:
- Bom dia, Paulo!
- Booom diiiiia!
Gosto de quebrá-lo na incerteza.
Deixe-me em paz!
Não é uma regra, mas há dias em que
prefiro ficar sozinho. Nada de gente, nada de conversas fiadas. Quem me conhece
de verdade sabe. O silêncio me basta.
Mas como entender o outro não é para qualquer um; ela acha que vivo isolado
demais, que não dou oportunidade de conhecer alguém legal e que o meu castelo é
cercado por um fosso cheio de crocodilos. Talvez ela esteja certa. A ponte
levadiça está, na maioria das vezes, levemente erguida. Mas de quando em vez
o salão nobre é aberto e as festas são demoradas e o meu Burg se transforma num autêntico
schloss, enfeitado de flores e cortinas vermelhas.
Já gostei mais dessas semanas guardadas em
convites e vinhos. Às vezes era melhor mentir pra não ferir.
- Onde é que você estava?
- Aqui!
- Liguei pra ti e nada.
- Estava naqueles meus dias de
reclusão
- Entendi...
Deixe-me em paz!
Mas nem tudo é literal nessa frase.
O desassossego está na sua falta. E que o meu deixar em paz é estar aconchegado
em seu ventre. É respirar perfume de flor. É sentir a leveza aromática de suas
pétalas. É saber que o tempo é regido pelo batimento cardíaco em seu peito. Que
a brisa que vem da janela nos entrelaça com fita dourada. Que o sol é
coadjuvante na quentura de nossos corpos. Que o infinito é o nosso teto de
madeira. E que é necessário esse silêncio de nós dois. E nessa calmaria
repentina, digo:
Sim, deixe-me em paz, ficando
aqui comigo.
Sim, deixe-me em paz,
abraçando-me em dias frios e quentes também.
Sim, deixe-me em paz, ouvindo suas
gargalhadas divertidas.
Sim, deixe-me em paz, com a
certeza de sua existência.
Deixe-me, deixe-me em paz,
dizendo baixinho, na ponta da minha orelha, que você já sabe o meu caminho.
Paulo Francisco