Faces ocultas

Às vezes me sinto tão mulherzinha. Faço mercado. Escolho frutas e verduras no hortifruti. Faço comidinha. Lavo louça. Lavo e passo as roupas. Varro e tiro pó da casa. E pra completar a Maria existente em mim, faço tudo isso ouvindo samba.
Só não fico uma mulherzinha completa, porque nada de lenço na cabeça e nada de avental. Faço quase tudo isto de cueca.
Às vezes me sinto tão machão. Não faço porra nenhuma em casa. Acumulo copos e pratos na pia, a máquina de lavar fica repleta de roupas sujas e, saio com as que tiro do cesto pra passar. Deixo as latinhas de cervejas na mesinha de centro e não tô nem aí para a toalha no chão do banheiro.
Às vezes estou tão normal que nem me reconheço, contrato uma diarista, recebo visitas e fico feliz.
Às vezes estou tão romântico, jantar a dois, feito por mim, vinho tinto, luz de vela e carinho até o fim.
Às vezes sou tão displicente, peço pizza e cerveja, ouvido na conversa e olhos no futebol.
Às vezes me sinto tão sozinho, fico a olhar pela janela os passarinhos a cantar.
Às vezes me sinto tão abelhudo, fico de olho na janela da vizinha só para vê-la passar.
Às vezes é tão complexo viver esta pluralidade que acabo inventando um novo ser.
O que eu posso fazer, com estes sujeitos loucos que cismam em me acompanhar?
Assim vou levando a vida, girando a manivela e vendo a noite chegar.



Paulo Francisco

Um comentário:

  1. Este sou eu, por isso a minha sogra diz que sou um homem de verdade. Sou aposentado e minha mulher não. Belo texto! Abraço

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